Filipa Roseta: "Um dos indicadores mais assustadores de Lisboa é haver tantas casas vazias"
Em que estado é que encontrou a habitação em Lisboa? Uma das coisas que disse que a chocou foi ter encontrado habitações da câmara sem casa de banho.
Chocou-me. O parque municipal é enorme, é muito vasto, chega praticamente a 25 mil fogos, contando com a Gebalis, os bairros municipais mais o património disperso da câmara, e no meio disto tudo ainda encontramos estas situações. Já pedi a presidentes de junta, principalmente, que é quem está mais alerta para isto, que sempre que identificarem alguma coisa urgentemente dizerem à câmara para nós resolvermos com muita rapidez. Isto não pode acontecer e acho que isto é um desígnio que todos nós temos que ter.
No geral, em que estado é que encontrou a habitação em Lisboa?
Estou muito preocupada. Estas são as situações mais graves, tem que se corrigir rapidamente, mas também temos as situações de ocupações, que já foram faladas e que julgo que a pandemia piorou um pouco. As habitações municipais têm critérios. Há critérios muito claros para atribuir casas às pessoas e que são aprovados em reunião de câmara, e é muito importante que estes sejam aplicados com bastante equidade e justiça. E, portanto, também temos este segundo problema para resolver, que nos parece bastante complicado. Não estávamos eventualmente à espera desta dimensão, até porque não tínhamos os números.
O que podemos esperar da autarquia em relação à habitação durante este ano?
O nosso objetivo em 2022 é muito claro, é fazer a Carta Municipal de Habitação, que é obrigatória por lei e que ainda não está feita. Nós optámos por fazer a carta com o Conselho Municipal da Habitação, que é onde se sentam todas as pessoas que têm alguma ligação a este mercado e as forças políticas. Portanto, é um conselho interessante para desenhar este instrumento. A carta municipal determina não só estratégias para o património público como para o património privado, com alguns incentivos e estratégias para conseguirmos também pôr algum património privado a uso no mercado. Porque um dos indicadores mais assustadores de Lisboa é haver tantos fogos vagos, tantas casas vazias. Numa cidade que tem esta carência temos de trabalhar todos para convidar as pessoas proprietárias dessas casas a pô-las no mercado - ou porque estão devolutas, ou porque precisam de obras, ou porque precisam de reconstrução. Temos que realmente ajudar as pessoas a pô-las no mercado, para termos toda a orquestra a tocar, para não ser só a parte pública - que tem de estar impecável e temos de responder com rapidez e dignidade à nossa sociedade - mas também toda a parte privada. Temos de ter toda a gente a responder a este desígnio.
E como é que tencionam convencer os privados a fazer isso?
No Conselho Municipal de Habitação, que se vai reunir a 24 de fevereiro pela primeira vez, vamos desenhar essas políticas com os parceiros, porque o conselho tem lá toda a gente sentada: os proprietários, os inquilinos, os promotores, os construtores, são 22 entidades que nos vão ajudar a desenhar políticas que funcionem. Portanto, aqui a questão não é muito pôr a ideologia à frente daquilo que funciona, mas arranjar coisas que funcionem. E tentar perceber o que é que se passa, porque é que estes fogos estão fora do mercado, sendo que já identificámos muitos, os que estão mesmo devolutos. Há uma grande percentagem que estão mesmo devolutos, portanto, não estão mesmo a ser utilizados, e vamos tentar perceber o que é que nós podemos fazer para esses imóveis virem para o mercado. Isto é muito importante, porque vamos continuar a fazer um esforço no parque público e continuamos o programa Renda Acessível. E continuamos tudo isso com o esforço todo, aproveitando o PRR para aumentar essas verbas, por um lado, mas, por outro, também temos aqui um recurso que não está a uso e que se a câmara puder ajudar a convencer alguns desses 48 mil a virem a jogo é significativo. É um número realmente significativo. Por isso, o nosso desígnio ao desenhar a Carta Municipal de Habitação no Conselho Municipal de Habitação este ano... Este é literalmente o objetivo para 2022. Vamos ter três reuniões do conselho, com um intervalo de três meses entre cada uma, e chegando à última queremos ter a carta feita, mas a ideia é mesmo no sentido de fazer política de cocriação com os parceiros. Todos sentados a dizer o que é que precisam para que isto funcione. É o contrário de eu estar no meu gabinete e dizer "agora, vai ser assim" e depois lanço coisas que acabam por não ter adesão à realidade. Vamos tentar aqui um sistema de cocriação de políticas públicas, que era esse o nosso programa eleitoral e é isso que nós vamos desenhar, para conseguir ter a orquestra toda a tocar. Neste momento, em Lisboa, não temos a orquestra toda a tocar, é importante ter esta noção. Temos de conseguir, como outras capitais, ter tudo a funcionar, porque beneficia toda a gente. A ideia é arranjar soluções em que todos ganhem.
Mencionou a questão dos 48 mil fogos vazios em Lisboa. Mas há uma percentagem que é da autarquia?
Claro. São cerca de dois mil, esses eu tenho identificados. Eu também tenho na câmara 1400 por atribuir na Gebalis, entre os fogos identificados e fogos atribuídos. A Gebalis tem um universo de cerca de 22 mil fogos e tem ali uma diferença de 1400 entre o total dos fogos que tem e os contratos que tem atribuídos. Agora, o que é que se passa neste universo de 1400? É o que estamos a ver. Há três hipóteses: ou estão mesmo vagos, portanto é identificá-los e rapidamente atribuí-los; ou alguns precisam de obras rápidas ou obras mais profundas, sendo que outros podem mesmo estar devolutos e se é para demolir é para demolir, não é para ficar em ruína na cidade; e outros podem ter pessoas que os ocuparam sem contratos, que também não pode ser. Temos aqui três tipos de situação que temos que resolver. Portanto, esta é a nossa missão, sem qualquer espécie de dúvida. Numa cidade que tem 320 mil fogos, de acordo com o censos 2021, é uma grande percentagem ter 48 mil vazios. Se vierem cinco mil para o mercado já é imenso.
Na campanha, Carlos Moedas falou na questão de Lisboa ter perdido habitantes e na necessidade de trazer as pessoas de volta à cidade.
Exatamente, é isso. Nós queremos verdadeiramente pôr toda a orquestra a tocar essa ideia. Sentimos que não está ainda tudo a tocar, portanto, vamos tentar pôr tudo a tocar. A nossa parte obviamente que tem de estar a tocar e temos que ter números muito certos, e, por falar nisso, partilhamos sempre os números com todos - aquilo que vamos tendo e vamos descobrindo vamos partilhar sempre os números todos. Também é outra diferença em relação ao executivo anterior, pois era muito difícil saber exatamente os números. Nós partilhamos tudo o que temos com a oposição, para todos saberem exatamente o que é que se passa, tanto no património municipal como nos números que temos. Temos que ter uma política conduzida por dados e não por ideologias que não estão assentes na realidade. Temos que ter aqui algum pragmatismo.
Uma das coisas que já a ouvi mencionar é a questão das cooperativas. O que tem em mente quando fala desta questão?
Estamos a tentar perceber o que é que não está a funcionar e porque é que não tem sido utilizado. Mas o modelo das cooperativas, no fundo, é a câmara, com as suas propriedades, a criar relações com o utilizador final, com o grupo de pessoas que se reúne para construir um edifício numa propriedade da câmara. A câmara cede o usufruto por 75/90 anos, o que seja, e as pessoas só pagam a construção. Organizam-se em fogos de 20, 30 pessoas, 20, 30 casas, essa é a escala, e pagam a construção. Ora, mesmo a construção - o preço médio em Lisboa está a 3000 euros por metro quadrado - é de 1500 euros por metro quadrado, ou seja, é metade do preço. Se eu fizer um contrato com um grupo de famílias em que lhes dou o terreno e eles pagam só a construção, vão pagar metade do preço do mercado. Por isso, é que nós queremos estimular muito esta ideia das cooperativas. Vamos ver se funciona. Também se sentam no Conselho Municipal de Habitação as associações de cooperativas, e vamos tentar perceber porque é que não tem sido aplicado o modelo, qual é que é o problema. Mas nós acreditamos que, principalmente entre as jovens famílias, haverá aqui uma enorme possibilidade de conseguirmos, entre terrenos municipais e com protocolos diretos com cooperativas de jovens, fazer este tipo de operação, em que eles vão pagar, literalmente, metade do preço do mercado para conseguirem ter uma habitação por 75 anos, para o resto da vida. A nossa análise, neste momento, é tentar perceber porque é que isto não tem sido utilizado e o que é que tem corrido mal, porque sabemos que tem corrido mal em vários sítios. Mas parece-nos que é um modelo que funciona, porque a câmara tem propriedade, falta-lhe é capacidade. Esta é uma maneira, no fundo, de também pôr mais propriedades cá fora.
Qual é o orçamento para a habitação em 2022 e quais são as áreas que levam as maiores fatias?
Esta foi aquela confusão generalizada, que eu acho que tudo se esclarecia se as pessoas lessem os documentos. O que é um facto real é que temos, neste momento, para a habitação mais 30 milhões que no orçamento anterior. Nós temos uma rubrica geral, que se chama Porta Aberta Habitação, que tem cinco pilares, quatro desses pilares é só no edificado, e nesses quatro, que são os únicos que o PS parece assumir que são habitação, nós temos 75 milhões. E esses 75 milhões são mais 30 milhões do que no ano passado. E depois o último, que é a reabilitação urbana, que tem muita parte de espaço público e de estudos da SRU (Sociedade de Reabilitação Urbana)... Eles não aceitam que este pacote da SRU esteja ali naquele grande pilar que se chama Porta Aberta Habitação. Mas se a pessoa ler o documento, vê que os 116 milhões englobam tudo. Não mudou nada no orçamento depois desta confusão, ficou exatamente igual ao que estava. Eu sei que nem toda a gente lê os documentos porque são complexos, mas acho que a oposição os podia ler, porque cria confusões desnecessárias. Nós temos um orçamento que tem mais 30 milhões do que o que foi executado no ano passado e esse já era o mais alto desde 2013 até hoje. A câmara candidatou-se em dezembro e conseguiu 30 milhões do PRR, 14 milhões já entraram e 16 vão entrar este ano.
Acha que o alojamento local é um problema em Lisboa?
Em Lisboa ou outra qualquer capital europeia é preciso haver regras para o alojamento local e nós temos isto no programa. A vereadora Joana Castro Almeida, que é quem tem este pelouro do alojamento local, já disse isto várias vezes: nós temos que ter diversidade em todos os bairros. O problema não é o alojamento local, o problema é que, de repente, temos bairros inteiros onde só há alojamento local. Obviamente, tem de haver regras e tem que haver uma proporção para a cidade manter a sua diversidade. A nossa visão foi sempre a mesma: tem que haver quotas. Não é uma questão de suspender, é haver quotas. Mas, por exemplo, se eu tenho uma quota num sítio e aumenta a habitação também pode aumentar o alojamento local. Tem de haver percentagens dentro de zonas para garantir que há diversidade em todos os bairros e também para garantir que não há conflitos entre o alojamento local e os moradores. Nós não temos absolutamente nada contra o alojamento local, até porque foi uma forma de as pessoas viveram nos anos de crise. Muitas pessoas reinventaram-se e tornaram-se empresários, criaram os seus próprios negócios. Portanto, não temos nada contra estes pequenos empresários nem contra o alojamento local. Mas tem de ser controlado, com critérios muito claros e muito justos.
Carlos Moedas também tinha prometido durante a campanha vender casas dos bairros municipais aos residentes. Sabem como e quando?
Não vai ser em 2022, mas estamos a estudar o caso. O que estamos a tentar fazer é montar um sistema, como acho que é claro e parece que já conseguimos transmiti-lo. Há um sistema municipal em que, eventualmente, nalguns bairros pode fazer sentido algumas vendas que nos dão muitos problemas de gerir, é mais isto. Não é a venda genérica, para todos, sem regras. As vendas estão suspensas desde 2016, mas há ainda algumas em curso de processos anteriores a esse ano, quando isto parou. Imagine, se eu vender algumas é porque comprei outras noutro sítio. E a ideia é que isto se torne um sistema em que a câmara nunca deixa de ter uma presença relevante para regular o mercado. É importante a câmara ter esta presença - outras capitais que deixaram de ter, têm agora problemas gravíssimos -, mas há situações em que isto pode ser mais eficiente, dependendo do bairro, dependendo do fogo, dependendo de várias coisas. É uma possibilidade, mas não é em 2022. Só quando nós tivermos definida toda a política é que vamos começar a pensar em que bairros é que isto pode fazer sentido.