Fernando Santos. Números e troféus que falam e coroam o "filósofo positivista"
Ao fim de 2814 dias e 99 jogos, o engenheiro ainda não deu a obra por concluída. Se o hall da Cidade do Futebol já tem dois troféus (Euro 2016 e Liga das Nações 2019) ganhos sob orientação de Fernando Santos, ainda falta a mais desejada de todas, a taça Jules Rimet. Esse é o sonho e o objetivo para o Mundial 2022 do treinador de 67 anos, que na quinta-feira completará 100 jogos pela seleção nacional, frente à Rep. Checa, na terceira ronda do apuramento do Grupo A2 da Liga das Nações.
A história começou a escrever-se a 24 de setembro de 2014. A Federação Portuguesa de Futebol tentava encontrar um substituto para Paulo Bento após a desastrosa participação no Mundial 2014 e uma derrota humilhante com a Albânia no apuramento para o Euro 2016, quando decidiu apostar no ex-selecionador grego, que tinha um pesado castigo de oito jogos às costas. Com ajuda da FPF, o técnico conseguiu reduzir o castigo para dois jogos com base na carreira limpa e respeitosa e assim se desviou da reforma num belo monte alentejano.
O "engenheiro" - alcunha ganha por ser licenciado em Engenharia Eletrónica e Telecomunicações - estreou-se frente à França de Didier Deschamps (derrota por 2-1), a 11 de outubro desse ano, no Stade de France, estádio onde voltou dois anos mais tarde para conquistar o Euro 2016. Sem Cristiano Ronaldo (lesionou-se logo no início do jogo), foi um golo do "patinho feio" Éder, aos 109 minutos, a reservar-lhe um lugar na história.
Até lá chegar, o "teimoso moderado", como se chama a si próprio Fernando Santos, não teve tarefa fácil no início. Optou por uma espécie de revolução silenciosa, que passou, em grande parte, pela recuperação de jogadores como Tiago (tinha renunciado à seleção e voltou) ou Quaresma e Danny, que tinham deixado de ser chamados por Paulo Bento.
O antigo extremo do Zenit recordou ao DN a conversa que teve com o técnico em São Petersburgo, na Rússia: "Estava a fazer grandes exibições no Zenit, mas não era convocado. Antes da primeira convocatória, ele foi à Rússia ver um jogo e falar comigo. Perguntou se podia contar comigo e eu disse que sim, que nunca tinha fechado as portas à seleção. Ele abriu-as de novo e fiquei muito feliz, porque, para mim, sempre foi um orgulho representar Portugal."
Danny foi chamado e integrou o primeiro onze da era Santos. A palestra que antecedeu o particular com a França foi algo repetitiva. "Ainda não estávamos apurados e Portugal tinha perdido com a Albânia, mas logo na primeira semana do estágio ele avisou: "Vamos apurar-nos e vamos ser campeões da Europa." E assim foi.", recordou o antigo internacional português, agora com 38 anos, que se lesionou gravemente antes do Campeonato da Europa e acabou por falhar a competição.
Foi assim, sob a capa de "filósofo positivista", que convenceu os jogadores que podiam ser campeões da Europa. E "repetia a mensagem sempre que chamava algum jogador pela primeira vez". Segundo Danny, não foi uma questão de crença dele, mas de "fazer crer ao grupo que não estava ali para fazer bom ambiente, ganhar uns jogos e devolver os jogadores aos clubes". Ele queria "ganhar" e "todos os jogadores embarcaram no sonho e seguiram o caminho" que o técnico indicou.
Para o ex-jogador, Fernando Santos "é um treinador respeitado quando entra no balneário" e "alguém com quem o jogador pode falar e dar o seu ponto de vista". E isso faz parte do sucesso que obtém. Além disso é "uma pessoa fenomenal, um ser humano incrível, que sabe estar e sabe falar". Já o segredo da longevidade é simples. "Em primeiro lugar tem qualidade e competência. Se não tivesse qualidade não estava no banco da seleção há oito anos. A estabilidade facilita o trabalho, mas os resultados falam por ele: qualificou-se sempre para as grandes competições, ganhou um Europeu e uma Liga das Nações", defende o luso-venezuelano.
Depois de juntar a Liga das Nações ao currículo, três anos depois de vencer o Euro 2016, o mundo ficou à espera de mais Portugal no Mundial 2018, mas a participação foi modesta e a prova acabou por ser ganha pela França. No final deste ano tentará fazer melhor no Campeonato do Mundo, no Qatar, que se joga em novembro e dezembro, depois de um apuramento à última hora e à custa de um playoff, resultado do segundo lugar num grupo ganho pela Sérvia. "Eu acredito. Temos uma seleção recheada de jogadores de qualidade, que jogam nos melhores clubes, como titulares e, por isso, Portugal tem todas as capacidades para vencer o Mundial 2022", diz Danny.
Em 2020, exatamente seis anos depois da estreia, contra o mesmo adversário e no mesmo estádio, Santos passou Scolari (74 jogos) e tornou-se o treinador com mais jogos na seleção - 99 até agora e com saldo muito positivo (61% de vitórias). No banco das quinas, o técnico venceu 61 jogos, empatou 23 e perdeu 15, sendo que oito dessas derrotas foram em jogos particulares... o que significa que Portugal só perdeu sete dos 69 jogos oficiais (144 golos marcados e 51 sofridos).
Impressionante é também a lista de jogadores que se estrearam pela mão do engenheiro. Desde que assumiu o comando já chamou 101 futebolistas (11 não chegaram a estrear-se) e fez 57 novos internacionais, número que ainda pode aumentar esta semana se promover a estreia do central David Carmo, frente à Rep. Checa (amanhã, em Alvalade) e/ou Suíça (dia 12, em Genebra). O primeiro foi Cedric, o lateral direito chamado à titularidade na estreia de Santos, com a França, em outubro de 2014, que Portugal perdeu por 2-1, com o golo português a ser marcado por Ricardo Quaresma, de grande penalidade. Nesse encontro, no Stade de France jogaram de início: Rui Patrício, Cedric, Bruno Alves, Pepe, Eliseu, Danny, João Moutinho, André Gomes, Tiago, Nani e Cristiano Ronaldo.
Dos 89 futebolistas utilizados por Fernando Santos, o guarda-redes Rui Patrício é o que conta mais minutos (6540), enquanto Cristiano Ronaldo (6116 minutos) lidera nos jogos disputados (74 em 99 de Santos). Pepe, Bernardo Silva - o mais utilizado dos estreantes de Fernando Santos -, Raphaël Guerreiro, William Carvalho, João Moutinho, Danilo Pereira, José Fonte, Rúben Dias e André Silva também estão entre os mais utilizados nos últimos oito anos.
Éder foi o herói do Euro 2016, mas apesar desse golo, que deu o troféu mais importante à seleção e a Fernando Santos, não ganhou assento vitalício nos convocados, tendo apenas somado 818 minutos em campo, repartidos por 23 jogos. É também por causa dele que a seleção, Fernando Santos e os portugueses terão sempre Paris na memória.
isaura.almeida@dn.pt