Senta-se descontraído no sofá junto à porta do seu gabinete. Por pouco tempo. Naquele corredor "do PSD", Fernando Negrão não tem grande tempo de pausa. A vice-presidente da bancada, Rubina Berardo, faz-lhe sinal. Uma reunião espera-o. Os deputados vão parando e trocam palavras com o líder parlamentar. Depois de menos de metade dos 89 deputados o ter aprovado para a presidência, já conquistou a bancada? "Bem, se ninguém diz mal de mim agora é bom sinal", ri. O método? "Não sou autocrático, uso o método democrático"..Negrão garante que tem feito "um trabalho de aproximação aos deputados", um a um, mesmo junto daqueles que tinham muitas dúvidas que pudesse conduzir com firmeza os destinos de uma bancada onde o líder do partido não tem mandato e da qual não é sequer muito próximo..Rui Rio, aliás, só participou numa das reuniões semanais dos deputados sociais-democratas. Encerrou as recentes jornadas na Guarda e pouco mais contacto teve com o grupo parlamentar. O que, nos bastidores, gera críticas. Há os que consideram que o líder valoriza mais o Conselho de Estratégia Nacional, o órgão que escolheu para gizar as propostas para o programa eleitoral e com o qual se tem reunido em vários pontos do país, do que a frente parlamentar do PSD..Negrão não comenta a ligação de Rio aos deputados. Prefere falar que está a fazer: "Quero congregar as pessoas e discutir continuamente para fazer uma oposição eficaz ao governo"..O que dizem os deputados?.Os deputados ouvidos pelo DN, e de várias tendências dentro do partido, insuspeitos de serem próximos de Negrão, confirmam que o "respeito que já existia" pelo antigo ministro da Segurança Social de Santana Lopes, que apoiou nas diretas do partido, é agora feito também de "apoio e solidariedade". E as fricções, públicas e notórias, com a direção de Rui Rio, garantem, têm vindo a criar o cimento que prende a bancada ao seu líder. Desalinhado, Negrão tem, aparentemente, alguma vantagem nesta gestão..A deputada eleita pelos Açores Berta Cabral reconhece "um grande esforço" a Fernando Negrão que, diz, tem gerido a bancada "de forma competente e profissional". E os desajustamentos entre o grupo parlamentar e a direção do PSD - por exemplo, na discussão da eutanásia, e na aprovação do projeto do CDS de eliminação do imposto sobre os combustíveis - não são fruto de alguma inexperiência? "É um processo de aprendizagem" entre a direção da bancada e a direção do partido..Miguel Morgado, que é um dos deputados mais próximos de Pedro Passos Coelho, também elogia a prestação de Fernando Negrão. Em duas reuniões da bancada, que decorrem à quinta-feira, felicitou o líder parlamentar pela sua "coragem". A primeira vez por ele ter confrontado António Costa, num debate quinzenal, com "o problema da corrupção nos governos de José Sócrates". A segunda vez pelo modo como conduziu o processo difícil da eutanásia, numa bancada em que ele próprio assumiu, de viva voz, ser contra num tema em que Rui Rio era a favor.."O momento da eleição não foi o mais feliz, mas Fernando Negrão tem conquistado o apoio e a solidariedade institucional e política da bancada", afirma Miguel Morgado. Isto sem esquecer a "dificuldade que enfrenta de ter a direção do partido, dia sim dia não, a criticar os deputados e a direção parlamentar", onde, aliás, "estão pessoas que apoiaram Rio" na corrida à liderança do PSD, como os vice Adão Silva e António Leitão Amaro..Marco António Costa, ex vice-presidente do partido, diz não estar surpreendido com o percurso que Negrão tem feito. "Sabia que tinha conteúdo substantivo do ponto de vista político e uma postura de sobriedade que transmite confiança aos seus pares". O ex-dirigente nacional e um dos homens fortes do tempo de Passos mostra-se irónico quanto às divergências com a nova direção do PSD. "Tem havido mais questões entre os membros da direção entre si do que com o grupo parlamentar...".De fora do Parlamento, o antigo líder do PSD Marques Mendes faz o mesmo diagnóstico e atribui a responsabilidade pela divergências à direção de Rui Rio. "É uma falha da liderança decorrente de haver pouco debate político interno e uma sensação de orfandade e autogestão". Sobre a prestação do líder parlamentar, Mendes não tem dúvidas que se tem afirmado semana após semana, nos debates com o primeiro-ministro tem tido intervenções de qualidade, e tem garantido a a unidade do grupo parlamentar..O antigo vice-presidente da bancada na altura de Manuela Ferreira Leite, José Eduardo Martins, diz que é preciso "um bocadinho mais de esforço" para que Negrão e Rio se entendam e reparte a responsabilidade pela descoordenação entre ambos..O saldo de Negrão também é "positivo" para Pedro Pinto, líder da distrital de Lisboa do PSD, que não vê nas tensões com a direção do partido nada fora do comum do que costuma acontecer com o PSD após eleições internas onde houve disputa de liderança. "Essa é a história do PSD", frisa..Margarida Balseiro Lopes, deputada e líder da JSD, garante que a relação com Negrão tem sido "incrível", já que tem aceite várias das propostas que ela tem apresentado, entre as quais a do modo de financiamento das famílias de acolhimento. E destaca o facto de ter sido escolhida para falar no 25 de Abril, o que foi "articulado" entre Negrão e Rio. Se existiram tensões entre os dois acredita que há agora condições para que "não se repitam"..O deputado Duarte Marques garante também que Negrão já ultrapassou a "má onda" com que foi eleito em fevereiro, apenas com 39% dos votos e reconhece a eficácia do "método democrático": "Tem ouvido as pessoas, tem sido solidário, tem havido muito diálogo com os deputados"..Afinar agulhas?.No almoço que ambos partilharam na segunda-feira passada, no Porto, Rio e Negrão acordaram estreitar relações para que não se voltem a repetir episódios em que a direção do partido e a bancada parlamentar aparecem de costas voltadas ou com posições divergentes..Mas fontes próximas de Rui Rio garantem que o presidente do partido não tenciona intervir diretamente na condução da bancada. A ponte será sempre feita com Fernando Negrão, ao qual será dada a orientação política para os temas mais importantes.."Mas ele tem autonomia para gerir o dia a dia no Parlamento, onde muitos assuntos têm de ser decididos em cima da hora", frisa ao DN uma fonte próxima de Rio..E apesar da bancada se mostrar mais solidária com o líder parlamentar do que com a direção do partido, Rio não acredita que haja uma corrente maioritária contra as orientações políticas da São Caetano à Lapa. "Há um pequeno grupo de deputados entre os 89 que são contra, que se excluíram, e que sabem que não contamos com eles, mas todos os outros são importante para esta fase da vida do PSD", reforça a mesma fonte..A bancada tem andado mais dispersa e ausente do que o costume dos debates parlamentares, o que saltou à vista durante a discussão sobre o pacote da natalidade do PSD. Má coordenação do grupo parlamentar? O presidente social-democrata não aponta o dedo a Negrão, mas quer a bancada mais ativa..As alterações à legislação laboral e o debate do Estado da Nação vão ser momentos cruciais para perceber se Rio e Negrão estão afinados e se a bancada vai responder aos desafios da próxima sessão legislativa. Desafios intensos dos meses de negociação de um orçamento do Estado para ano de legislativas e de entrada dos partidos em modo de campanha eleitoral.