Faz tudo o que eu digo mas não faças tudo o que eu faço
Quando a Grécia, Portugal e a Espanha pediram para aderir às Comunidades Europeias, antecessoras da União Europeia, foi em parte para consolidarem os respectivos sistemas democráticos. A CEE era vista como uma garantia que as instituições dos países do sul da Europa respeitariam os Direitos e Liberdades Fundamentais dos seus cidadãos; as Eleições seriam justas, livres e periódicas; a Lei seria igual para todos; o Governo, Parlamento e Tribunais teriam capacidade para se controlarem mutuamente; e os mecanismos de Proteção Social contribuiriam para promover um mínimo de dignidade para todos. E, reconhecendo que a promessa democrática ficará sempre aquém da sua concretização, a verdade é que os sistemas políticos do sul da Europa são hoje democracias funcionais.
Anos mais tarde, quando a União Soviética desapareceu e os Estados da Europa de Leste bateram à porta da União Europeia, a mesma preocupação democrática tornou-se mais urgente. Ao contrário dos países do sul da Europa, que faziam parte de algumas organizações ocidentais antes de entrarem na CEE e tinham experiência de economias de mercado, os países que pretendia aderir não tinham tradições democráticas nem ligações formais à Europa Ocidental e viviam em economias centralizadas. Assim, a União Europeia embarcou num longo processo de preparação para a adesão que durou 14 anos, até as instituições políticas, económicas e sociais dos novos Estados membros estarem preparadas para as exigências de uma democracia europeia ocidental em economia de mercado. Hoje ser uma democracia é uma obrigação legal de todos os Estados membros.
Também na sua política externa e de cooperação a União Europeia espera que, em contrapartida pelo apoio ao desenvolvimento e acesso ao mercado Europeu, os países que beneficiam do suporte Europeu reforcem a qualidade das suas instituições democráticas.
A estes processos chamamos a "Condicionalidade Democrática": se queres entrar para a UE ou se queres beneficiar da ajuda para o desenvolvimento e poderes vender os teus produtos em condições favoráveis aos 400 milhões de consumidores europeus, tens que implementar e reforçar a democracia no teu país.
Mas o que acontece quando um Estado candidato ou um país em desenvolvimento já atingiu os seus objectivos? Como garantir que a democracia continua a ser respeitada e não há retrocessos? No caso da ajuda ao desenvolvimento a resposta é mais simples: limitam-se ou cortam-se os apoio e o acesso ao mercado europeu. Já no caso dos países que passaram a fazer parte da União Europeia, a resposta é muito mais complicada.
Para tentar garantir que um Estado membro mantém as instituições democráticas em funcionamento, a União Europeia desenhou um sistema complexo de alertas, avisos e castigos que pode chegar à perda de direito de voto nas instituições da UE para quem tenha violado as suas obrigações democráticas. Esse sistema está a ser posto à prova pela Hungria e, em menor escala, pela Polónia e pela República Checa, e claramente não está a ser capaz de cumprir os seus objectivos, pois a cada dia que passa Budapeste é menos uma democracia e os avisos, alertas e queixas da União Europeia ou dos outros Estados membros não parecem surtir qualquer efeito junto do Governo do Senhor Orbán.
A história da "Condicionalidade Democrática" da União Europeia mostra que o prémio para quem cumpra o que se lhe exige tem que ser muito apetecido e parece mostrar igualmente que se o modelo funciona bem para quem está de fora, funciona menos bem para quem já está cá dentro. Se os Estados membros e a União Europeia quiserem continuar a serem vistos no mundo como campeões da promoção democrática e do desenvolvimento sustentável, melhor fariam se olhassem para dentro de casa com a mesma eficácia com que olham para a casa dos seus vizinho.
Investigador Associado do CIEP / Universidade Católica Portuguesa (as opiniões expressas neste texto vinculam exclusivamente o seu autor)