Se antes do jogo de quinta-feira da Liga Europa (17.55, SIC), em Istambul, vir em pleno relvado Rui Costa a dar um abraço sentido ao treinador do Galatasaray não estranhe. Há uma forte razão para isso acontecer. Fatih Terim treinou o antigo camisola 10 do Benfica na Fiorentina (2000/2001) e foi depois o grande responsável pela transferência do internacional português para o AC Milan (2001-2002), um negócio que na altura obrigou o então presidente Silvio Berlusconi a pagar 42 milhões de euros ao clube de Florença..Nos dois clubes, Terim, que nasceu em Adana, na Turquia, em setembro de 1953, não chegou a cumprir a época inteira. Na Fiorentina aguentou até março, no AC Milan não passou de novembro. Mas o respeito e a admiração entre o treinador turco e o jogador português duram até aos dias de hoje. "Um jogador incrível. Eu dei-lhe a braçadeira de capitão e ele assumiu exemplarmente a responsabilidade. Um jogador resistente, inteligente, com uma grande personalidade e dotado de uma técnica brilhante", descreveu o técnico turco numa entrevista há uns anos..Em várias intervenções públicas, Rui Costa também nunca escondeu a sua admiração por Fatih Terim. "Tenho um grande carinho pelo mister e fico muito satisfeito pelo sucesso dele. Quero dar-lhe um abraço forte. Ele sabe a estima que tenho por ele, é uma pessoa que está no meu coração, por tudo o que fez por mim e pela forma como me fez crescer. É um treinador que me marcou muito", disse o agora administrador da SAD do Benfica em 2013, ao comentar o sorteio da Champions que colocou o Galatasaray no caminho do Real Madrid de José Mourinho - "cada um com o seu estilo, mas são dois treinadores enormes"..Quando Terim aceitou o convite para treinar o AC Milan fez imediatamente um pedido: a contratação de Rui Costa. Ficou célebre a frase do técnico numa das suas primeiras conferências de imprensa no clube milanês, quando disse com todas as letras: "Quero o Rui Costa. Posso convencê-lo a vir para o Milan, mas não posso convencer a Fiorentina a libertá-lo." Estava dado o mote para Silvio Berlusconi abrir os cordões à bolsa para satisfazer o desejo do treinador. Mas para isso foi obrigado a passar um cheque de 42 milhões de euros, fazendo do português, na altura, a transferência mais cara do AC Milan..Nos oito meses em que esteve na Fiorentina, Rui Costa era o maestro da equipa viola, num conjunto em que também alinhava o português e benfiquista Nuno Gomes. Aliás, a saída precipitada do treinador do clube de Florença, devido a incompatibilidades com o presidente Cecchi Gori, deixou na altura os dois internacionais portugueses devastados.."A única coisa que posso dizer é que lamento, pois não sei se a decisão foi tomada devido aos maus resultados, ou pelo próprio. Se foi a direção, tenho pena que nos tenha posto nesta situação, pois estávamos decididos a fazer um bom trabalho com ele. Por outro lado, lamento que a equipa não possa fazer nada", reagiu Rui Costa. "Tenho pena, porque era um bom treinador e uma excelente pessoa. Gostei muito de trabalhar com ele. Há ciclos que acabam, mas a meu ver este acabou cedo. Espero ainda poder despedir-me de Fatih Terim, uma vez que adorei trabalhar com ele", disse Nuno Gomes..Terim também nunca poupou elogios ao antigo número 10 do Benfica, considerando-o um dos melhores jogadores que trabalhou sob as suas ordens. "Ajudou-me imenso na minha etapa na Fiorentina e foi um dos principais responsáveis pelo sucesso da equipa. Não é justo dizer-se que Rui Costa foi apenas um futebolista, ele foi uma das maiores estrelas com quem trabalhei. Foi um talento, um líder dentro do campo e muitas vezes um adjunto para mim. Por isso julgo que ele deve manter-se ligado ao futebol, como treinador ou dirigente, a passar a sua imensa sabedoria", reagiu o treinador, em 2008, ano em que Rui Costa colocou um ponto final na carreira..Mas se a admiração de Rui Costa se mantém até aos dias de hoje, nem todos os jogadores do Milan gostaram de trabalhar com Terim. Andrea Pirlo, um dos melhores jogadores italianos de sempre que chegou ao clube milanês na mesma temporada de Rui Costa, teceu muitas críticas ao treinador turco na sua autobiografia: "Ele chegava tarde às refeições, não usava gravata nas cerimónias oficiais e deixava as pessoas à mesa para ir ver o Big Brother para casa. Era habitual passear-se em Milanello com roupas berrantes, parecia o John Travolta [...] desenhava círculos e círculos nos quadros táticos. Às tantas eram tantos que já ninguém percebia quem eram os defesas, os médios e os avançados. Só escapava o guarda-redes [...] tornou-se demasiado óbvio que era um treinador muito limitado taticamente e que baseava a sua estratégia a tentar motivar os jogadores no balneário [...] não tinha conhecimentos para treinar uma equipa como o Milan e acabou por ser substituído.".O imperador, que é pai, irmão, tio e padrinho.Na Turquia, Fatih Terim é um dos treinadores mais respeitados e tem a alcunha de Imperador, um cognome ganho ainda nos tempos em que era jogador do Galatasaray e da seleção turca, um defesa central agressivo mas que jogava com elegância, um verdadeiro líder dentro do campo. Uma alcunha que o deixa orgulhoso: "Os imperadores de que ouvimos falar através dos livros não foram apenas alguém que ficou na história por ganhar guerras. Todos eles foram personagens que iniciaram novas eras e mudaram os destino dos seus países. Por isso é uma grande honra poder ter esta alcunha e ser chamado assim pelos adeptos", disse numa entrevista no ano passado, por ocasião de ter passado os 800 jogos (como jogador e treinador) pelo Galatasaray..Mas não é apenas um Deus para os adeptos. "Ele é a alma do clube, o número 1. É um pai e um irmão para os jogadores. E também um tio, que adianta dinheiro do próprio bolso quando por alguma razão os salários atrasam. Mas também um padrinho, que não aceita faltas de respeito e episódios de indisciplina quando alguém quebra as regras", descreveu há uns anos Arif Erdem, antigo internacional turco que atuou na equipa de Istambul..Em 1999, na sequência do terramoto que atingiu a Turquia, teve um papel fundamental na reabilitação de alguns dos seus jogadores. Hakan Sukur perdeu a ex-mulher, uma das 17 mil vítimas do sismo, e o guarda-redes Claudio Taffarel teve de ser submetido a uma terapia devido aos ataques de pânico. Foram os seus conselhos sábios que permitiram que nessa época a equipa conquistasse o campeonato, a Taça e a primeira Taça UEFA do clube. "Todos os meus jogadores sabem que se algo lhes acontecer podem desabafar comigo. Problemas pessoais, sejam com a mulher, a namorada ou os filhos. Eu já vi de tudo", chegou a dizer..Quando arrumou as botas, começou por treinar o Ankaragucu e o Goztepe. Mas em 1990 foi nomeado selecionador dos sub-21 da Turquia (entre 1990 e 1993) e depois passou a orientar a seleção principal (1993-1996). Haveria de regressar como treinador ao seu Galatasaray, uma passagem coroada de um enorme sucesso..Entre 1996 e 2000, o clube de Istambul viveu os melhores anos da sua história - ganhou quatro campeonatos consecutivos, duas Taças da Turquia e uma Taça UEFA, a única que consta no museu do clube, garantida no desempate por grandes penalidades diante do Arsenal. Nessa equipa que fez história destacavam-se nomes como Taffarel, Hakan Sukur, Hagi, Popescu, Okan Buruk e Davala..Depois da sua passagem por Itália, entre 2000 e 2002, Fatih Terim só conheceu duas casas. O Galatasaray e a seleção da Turquia (chegou a apurar a seleção do seu país para as meias-finais do Euro 2008)..Em dezembro de 2017, o Galatasaray anunciou o regresso do treinador ao clube. Pela quarta vez! Desta feita para substituir o croata Igor Tudor. "Fatih Terim voltou à sua casa, bem-vindo imperador", lia-se no Twitter oficial do emblema de Istambul. E voltou em boa hora, ainda a tempo de fazer do clube campeão turco. Na temporada atual, o Galatasaray é segundo classificado, com 39 pontos, menos seis do que o líder Basaksehir..A grande figura da equipa é Garry Rodrigues, jogador de origem cabo-verdiana que joga mais descaído pelo lado esquerdo e que é muito rápido. O Galatasaray, recorde-se, tal como Benfica caiu para a Liga Europa via Champions. Na Liga dos Campeões, os turcos ficaram no mesmo grupo do FC Porto e foram derrotados em ambos os jogos - no Dragão por 1-0, golo de Marega; em Istambul por 2-3, com golos de Felipe, Marega e Sérgio Oliveira..No histórico de confrontos com o Benfica, encontraram-se duas vezes. A primeira em novembro de 2008, na fase de grupos da Taça UEFA, numa partida que terminou com o triunfo dos turcos por 2-0 em pleno Estádio da Luz. Em 2015, na fase de grupos, mas da Liga dos Campeões, uma vitória para cada lado. O Galatasaray venceu na Turquia por 2-1 e na Luz triunfou o Benfica com idêntico resultado.