Persistentes "tradições feudais" e três décadas de rígido controlo da natalidade geraram na China um excedente de 33 milhões de homens, envolvendo o país num drama social de consequências imprevisíveis..As estatísticas oficiais falam por si: no final de 2014, a China tinha cerca de 700 milhões de homens e 667 milhões de mulheres e a diferença, à nascença, era de 115,8 rapazes por 100 raparigas..Aquela desproporção, que há dez anos atingiu 121 por 100, está a diminuir, mas continua muito acima da média global de 103 a 107 por 100..Neste aspeto, a China é mesmo considerada o país mais desequilibrado do mundo..Em 2020, entre a população dos 25 aos 34 anos de idade, haverá mais treze milhões de homens do que mulheres, indicam algumas projeções..Segundo a tradição chinesa, são os pais que transmitem o nome da família à geração seguinte. O apelido das mães não passa para os filhos..Criticada pelas autoridades como "uma reminiscência do feudalismo", a preferência por filhos do sexo masculino ganhou uma nova dimensão com a política de "um casal, um filho", imposta no início da década de 1980.."Tratei várias mulheres que fizeram múltiplos abortos apenas porque queriam um filho rapaz", contou a ginecologista Lian Fang, citada na semana passada pela agência noticiosa oficial Xinhua..Exceto em casos de comprovada "necessidade clínica", os hospitais estão proibidos de apurar o sexo dos fetos, mas como Lian Fang denunciou, há médicos "sub-repticiamente" equipados para efetuar esse tipo de exames e que o fazem às escondidas.."Se o feto for do sexo masculino, a gravidez continua. Se for do sexo feminino, normalmente, aborta-se", afirmou a ginecologista na última sessão anual da Conferência Política Consultiva do Povo Chinês na província de Shandong, costa leste da China..Chai Ling, uma líder do movimento estudantil que ocupou a Praça Tiananmen em 1989, exilada nos Estados Unidos e convertida ao cristianismo, fundou uma organização chamada "All Girls Allowed" ("Aceitam-se todas as Raparigas").."Uma em cada seis raparigas perdem-se anualmente na China através de abortos feitos em função do sexo", diz aquela ONG..Depois de a homossexualidade ter sido retirada da lista oficial de "perturbações mentais", em 2001, uma conhecida socióloga, Li Yinhe, tem defendido publicamente a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas o assunto ainda não foi sequer agendado para discussão na Assembleia Nacional Popular (parlamento)..A escassez de mulheres na China já se converteu também num problema regional, sobretudo no vizinho Vietname.."De acordo com as autoridades vietnamitas, cerca de 22.000 mulheres e crianças do Vietname foram traficadas nos últimos dez anos para a China para casamentos forçados ou outros propósitos", refere um relatório da UNICEF..Em 2014, para tentar contrariar o envelhecimento da sociedade, o governo chinês decidiu "aliviar" o controlo da natalidade, permitindo que os casais em que um dos cônjuges é filho único possam ter um segundo filho..As autoridades esperavam que a nova política suscitasse mais dois milhões de nascimentos, mas dos cerca de onze milhões de casais naquelas condições, apenas um milhão se candidatou ao segundo filho..E, entretanto, o número de abortos praticados nos hospitais chineses continuou a exceder os treze milhões por ano.