Exoneração de juízes em São Tomé e Príncipe não tem base legal - Investigador

O investigador Gerhard Seibert considerou hoje que a exoneração de três juízes em São Tomé e Príncipe pelo Parlamento é questionável porque não tem base constitucional e coloca em causa o Estado de direito e a separação de poderes.
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"Esta situação é questionável e duvidosa porque não existe base constitucional para acontecerem estas exonerações desta maneira", disse à Lusa Gerhard Seibert, professor na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), no Brasil, e especialista em São Tomé e Príncipe.

Na passada sexta-feira, 31 dos 55 deputados do parlamento são-tomense aprovaram uma resolução de "exoneração e reforma compulsiva" de três juízes do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), incluindo o seu presidente, Silva Cravid.

Esta resolução segue-se a um acórdão daqueles três magistrados, datado de 27 de abril, que ordena a devolução da Cervejeira Rosema ao empresário angolano Mello Xavier.

"A situação tornou-se complicada depois da exoneração dos três juízes do Supremo Tribunal, que aconteceu por causa de uma decisão que não agradou ao Governo e, digamos, não agradou à maioria da Assembleia Nacional", afirmou Gerhard Seibert.

Para o professor universitário, "está em causa, de facto, o cumprimento dos princípios do Estado de direito democrático e a separação de poderes".

"Há uma certa tendência, já há algum tempo, do atual Governo são-tomense (da Ação Democrática Independente /ADI) de tentar controlar o poder jurídico", sublinhou.

O investigador referiu ainda a criação de um novo Tribunal Constitucional (TC), que foi "constituído em moldes legais que garante, praticamente, que o partido no poder possa controlar as nomeações (dos juízes), a composição do tribunal".

Em janeiro, José António da Vera Cruz Bandeira foi eleito presidente do TC autónomo são-tomense (com cinco juízes), cuja lei orgânica foi aprovada pela maioria parlamentar do ADI, medida que foi muito contestada pela oposição.

José Bandeira foi eleito pelos seus pares, com os quais tomou posse a 26 de janeiro, numa cerimónia no Palácio dos Congressos, onde funciona a sede do parlamento, que ficou marcada pela ausência da oposição parlamentar, do então presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e da bastonária da Ordem dos Advogados.

O investigador da UNILAB falou ainda "em limitação, por parte do Governo de (primeiro-ministro) Patrice Trovoada, da opinião pública e da própria diversidade de opiniões".

"Também existe esta tendência de autoritarismo em relação aos tribunais, ao poder jurídico, levando a uma certa preocupação dos partidos de oposição de que haveria uma tentativa do Governo de estabelecer uma ditadura em São Tomé e Príncipe", afirmou.

Para Seibert, existe, politicamente, uma possibilidade de não se substituir os três juízes, sendo que os próprios não reconhecem tal medida, alegando ser inconstitucional, "porque o parlamento não tem esta competência para exonerar juízes nomeados para o Supremo Tribunal de Justiça, que só é possível através do Conselho Superior da Magistratura Judicial".

"O próprio Governo e o Parlamento não podem ignorar completamente a Constituição e as leis em vigor", disse, referindo que este caso ainda não está encerrado.

O juiz conselheiro Silvestre Dias do Supremo Tribunal de Justiça determinou, na terça-feira, a "suspensão imediata" da execução da resolução parlamentar de exoneração e reforma compulsiva de três juízes conselheiros daquele tribunal.

O juiz que tomou esta decisão foi o único conselheiro que não foi abrangido pela resolução da Assembleia Nacional e demitiu-se depois em protesto pela decisão política que afastava os seus colegas.

O governo são-tomense convocou, na quarta-feira, o corpo diplomático para explicar a crise no setor judiciário.

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