Ex-presidente afegão revela que está "em negociações para voltar" para o país

Emirados Árabes Unidos declararam esta quarta-feira ter acolhido o Presidente afegão por "razões humanitárias"
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O ex-presidente do Afeganistão, Ashraf Ghani, divulgou esta quarta-feira uma mensagem através de um vídeo nos Emirados Árabes Unidos (EAU), onde está hospedado por "razões humanitárias".

Ghani disse que vai falar sobre "eventos recentes" no Afeganistão antes de começar a sua mensagem de vídeo, que foi transmitida na sua página do Facebook.

O ex-líder afegão disse que apoia as negociações entre os talibãs e ex-funcionários do governo e que está "em negociações para voltar" para casa depois de procurar refúgio nos Emirados Árabes Unidos. "Por enquanto, estou nos Emirados para que o derramamento de sangue e o caos parem", frisou, salientando que "não tinha intenção" de permanecer no exílio.

"Apoio a iniciativa do governo de negociar com Abdullah Abdullah e o ex-presidente Hamid Karzai. Quero o sucesso desse processo", afirmou, naquela que foi a sua primeira aparição desde que fugiu do país no domingo.

Os Emirados Árabes Unidos declararam esta quarta-feira ter acolhido o Presidente afegão, após os talibãs terem tomado Cabul.

Ashraf Ghani fugiu do Afeganistão horas antes dos talibãs controlarem Cabul, que foi tomada pelo grupo extremista no domingo.

Os Emirados "deram as boas-vindas ao Presidente afegão, Ashraf Ghani, e à sua família, por razões humanitárias", disse a agência de notícias oficial dos Emirados Árabes Unidos WAM, citando uma nota do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Os Emirados, juntamente com a Arábia Saudita e o Paquistão, reconheceram o governo dos talibãs quando estiveram no poder de 1996 a 2001, data na qual o movimento islâmico radical foi expulso pela invasão norte-americana.

O anúncio dos Emirados Árabes Unidos acontece num momento em que as atividades são retomadas em Cabul, apesar do medo que prevalece entre parte da população desde que os radicais islâmicos assumiram o poder.

Muitos afegãos temem ser governados novamente por uma versão ortodoxa da Sharia, a lei islâmica.

Grandes multidões continuaram esta quarta-feira a reunir-se no exterior das embaixadas estrangeiras, enquanto permanecem rumores de possibilidade de asilo e emissão de vistos.

No domingo, Ashraf Ghani disse ter fugido do país para "evitar um banho de sangue", reconhecendo a vitória dos talibãs. Posteriormente, circularam rumores sobre o local escolhido para o exílio, do Tajiquistão ao Uzbequistão, passando por Omã ou Líbano, de onde a sua esposa é natural.

Eleito em 2014 com a promessa de reparar o Afeganistão e acabar com a corrupção que assolava o país, Ghani acabou por não cumprir nenhuma dessas duas promessas e foi forçado a renunciar o cargo.

Apresentado pelos opositores como um fantoche dos Estados Unidos, as relações do ex-Presidente com Washington deterioraram-se depois de os norte-americanos decidirem iniciar negociações bilaterais com os talibãs em Doha, no Qatar.

Com 72 anos, Ghani cresceu no Afeganistão, antes de ir para o exílio em 1977 nos Estados Unidos, onde estudou na Universidade de Columbia, em Nova Iorque, para se tornar professor de ciência política e antropologia nesse país.

No final de 2001, após a queda do regime talibã, regressou ao Afeganistão e foi conselheiro especial das Nações Unidas antes de se tornar num dos arquitetos do governo interino.

Esta não é a primeira vez que os Emirados recebem líderes que se tornaram 'persona non grata' nos seus países.

No ano passado, o anterior Rei de Espanha Juan Carlos foi para o exílio nos Emirados enquanto a justiça investigava suspeitas de corrupção.

Em 2017, o Dubai (um dos sete emirados que compõe o país) recebeu o ex-primeiro-ministro da Tailândia Yingluck Shinawatra, que tinha sido condenado à revelia a cinco anos de prisão.

O ex-primeiro-ministro do Paquistão, Benazir Bhutto, recorreu também aos Emirados entre 1999 e 2007, antes de regressar ao seu país.

Os talibãs conquistaram Cabul no domingo, culminando uma ofensiva iniciada em maio, quando começou a retirada das forças militares norte-americanas e da NATO.

As forças internacionais estavam no país desde 2001, no âmbito da ofensiva liderada pelos Estados Unidos contra o regime extremista (1996-2001), que acolhia no seu território o líder da Al-Qaida, Osama bin Laden, principal responsável pelos atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001.

A tomada da capital põe fim a uma presença militar estrangeira de 20 anos no Afeganistão, dos Estados Unidos e dos seus aliados na NATO, incluindo Portugal.

Face à brutalidade e interpretação radical do Islão que marcou o anterior regime, os talibãs têm assegurado aos afegãos que a "vida, propriedade e honra" vão ser respeitadas e que as mulheres poderão estudar e trabalhar.

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