Ex-piloto de F-16 sucede ao "para-raios" das Forças Armadas dos EUA

Do caos da presidência Trump à relação com a Ucrânia, Mark Milley teve um mandato atribulado na chefia dos militares norte-americanos. Charles Brown é o senhor que se segue.
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Chega hoje ao fim o consulado de Mark Milley, de 65 anos, como chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas dos Estados Unidos. O general, que se estreou no cargo em pleno mandato de Donald Trump, ficou associado a um dos momentos mais controversos do ex-presidente, quando este, durante as manifestações contra o racismo e a violência policial, saiu da Casa Branca acompanhado de vários funcionários de topo, Milley incluído, para empunhar uma Bíblia em frente da igreja episcopal de São João, que havia sido vandalizada na noite anterior. Os eventos aconteceram na sequência do assassínio de George Floyd, um momento tão conturbado que levou o discreto Charles Brown, o sucessor de Milley, a pronunciar-se na altura, nas redes sociais, sobre o racismo enraizado nas instituições.

Milley despede-se com mais medalhas no peito. Desta feita são simbólicas: o representante republicano Paul Gosar disse que o general deveria "ser enforcado" e o ex-presidente, no seu estilo muito próprio, disse que "em tempos idos Milley seria punido com a morte". Longe vai o tempo em que o general ficou associado a Trump, quando, no dia 1 de junho de 2020, fez a caminhada de cinco minutos da Casa Branca ao parque de Lafayette junto do presidente, pouco depois de a Polícia ter varrido com violência uma manifestação pacífica, para Donald Trump se exibir com uma cópia das escrituras.

Em abono da verdade, dias depois, o neto e filho de militares - o avô paterno combateu na Europa durante a I Guerra Mundial, o pai alistou-se na Marinha durante a II Guerra, tendo estado ao serviço no Pacífico, e a mãe foi enfermeira também na Marinha quando os aliados lutaram contra o eixo - mostrou arrependimento. "Eu não devia ter estado lá. A minha presença naquele momento e naquele ambiente criou uma perceção de envolvimento militar na política interna."

Como o militar no topo da hierarquia e por inerência o conselheiro principal do presidente em assuntos militares, também teve que lidar com o fim do mandato de Trump, depois de este recusar admitir que perdeu a eleição de 2020. Poucos dias depois de os apoiantes de Trump terem atacado o Capitólio, a então presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, expressou preocupação com a hipótese de um desequilibrado chefe de Estado ordenar um ataque nuclear. Isso levou Milley a falar com os oficiais que protocolarmente estão envolvidos num procedimento dessa natureza para se certificar de que iriam cumprir as regras, partilhou meses depois aos congressistas.

Também nessa ocasião se assumiu como o "para-raios da politização das Forças Armadas", o que lhe valeu críticas do setor mais radical republicano. Aliás, a polarização na política norte-americana foi responsável pela demora na nomeação do seu sucessor. Brown foi indicado por Joe Biden em maio, mas o senador Tommy Tuberville atrasou a nomeação invocando uma questão lateral, ao opor-se à política do Pentágono de subsidiar as viagens das mulheres das Forças Armadas para poderem abortar.

A situação só foi desbloqueada na semana passada com uma votação individual - por norma as nomeações de oficiais são aprovadas em conjunto e por unanimidade - mas há mais 300 oficiais à espera da confirmação.

Se Milley fez carreira no Exército, Brown é um militar da Força Aérea com um currículo de três mil horas de voo, incluindo em missões de combate, aos comandos de um F-16. Considerado por Biden como um "inabalável patriota", Brown foi o primeiro afro-americano a chefiar um dos ramos das Forças Armadas e é o segundo, depois de Colin Powell, a chegar ao topo da hierarquia.

O homem que se reforma hoje teve ainda como principais desafios a retirada do Afeganistão e a guerra na Ucrânia. Quanto a esta, os analistas consideram que desenvolveu uma relação estreita com o homólogo ucraniano, Valery Zaluzhny, embora tenha defendido uma política cautelosa na entrega de material avançado a Kiev, quer para não levar a Rússia a uma resposta desproporcional, quer para garantir que o seu país não fica sem capacidades de resposta, para desespero dos ucranianos.

E o senhor que se segue? "O desafio militar com que o general Brown se depara é... como fornecer formação, informações e assistência militar para tentar alterar o equilíbrio a favor da Ucrânia, e será isso possível?", disse Seth Jones, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, com sede em Washington. No fundo, o desafio é o mesmo.

cesar.avo@dn.pt

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