Morte de Luís Giovani. Ex-inspetor e líder de comissão das vítimas atribuiu crime a "ciganos". PJ desmente

Carlos Anjos, presidente da Comissão de Proteção de Vítimas de Crimes, ex-PJ, afirmou num programa de TV que "aparentemente foi um grupo de ciganos" responsável pela morte de Luis Giovani. PJ desmente: "Não há um grupo de ciganos. Ponto."
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O presidente da Comissão de Proteção de Vítimas de Crimes, um organismo sob a égide do ministério da Justiça, afirmou esta semana, num programa e entretenimento do período da manhã da CMTV, que "aparentemente" os responsáveis pela agressão, em Bragança, a Luís Giovani, o estudante cabo-verdiano que viria a morrer em consequência dela, foi "um grupo de ciganos."

Uma afirmação desmentida por fonte da Direção Nacional da Polícia Judiciária, que na manhã desta sexta-feira anunciou a detenção de cinco homens entre os 22 e os 35 anos como suspeitos do homicídio qualificado de Luís Giovani: "Os agressores não são um grupo de ciganos. Não há um grupo de ciganos. Ponto."

Até agora a única informação sobre a caracterização dos suspeitos, além da idade, fora dada na conferência de imprensa ocorrida esta sexta-feira em Vila Real, pelas 12.30 horas, e na qual falou o diretor nacional da PJ, Luís Neves, que referiu o facto de estes serem de Bragança, acrescentando que "muitos são desempregados".

Ao DN a fonte da Direção Nacional daquela polícia frisa que o que aconteceu na madrugada de 21 de dezembro em Bragança, e que viria a resultar na morte de Luís Giovani, devido a ter sido agredido na cabeça, a 31 de dezembro, "não foi um confronto entre um grupo de ciganos e um grupo de cabo-verdianos. Foi uma desavença entre clientes de um bar discoteca que degenerou em dois momentos de confronto. O último confronto, desproporcional e com violência desnecessária e despropositada."

De acordo com esta fonte, num primeiro momento, logo à saída do bar Lagoa Azul, onde existira uma desavença, houve um confronto entre dois grupos, o dos jovens cabo-verdianos (que eram quatro) e um grupo maior. Nesse confronto, terá havido agressões de parte a parte. De seguida os grupos separaram-se e mais tarde houve um segundo encontro, no qual os quatro cabo-verdianos foram agredidos de forma mais brutal, daí resultando a agressão fatal a Giovani, de 21 anos.

Os detidos são, crê a PJ, "os agressores do segundo confronto do qual, infelizmente, resultou uma morte."

Para esta polícia, estão em causa a co-autoria de um homicídio qualificado (pelo motivo e pelo facto de existirem vários autores, mas eventualmente também pela premeditação, uma vez que os suspeitos terão ido buscar armas com intuito de atacar os quatro jovens) e de três tentativas de homicídio, nas pessoas dos três amigos de Giovani. E a fonte citada acrescenta: "A investigação é dinâmica, não está fechada. Mas estamos convictos de que estes cinco suspeitos são o núcleo duro presente no momento das agressões que resultaram na morte."

"Não fiz uma afirmação, deixei no ar"

Carlos Anjos, que foi investigador da PJ e ainda faz parte dos seus quadros, estando em comissão de serviço no atual cargo, para o qual foi nomeado em março de 2011 pelo então ministro Alberto Martins, fez a afirmação sobre a identidade étnica dos agressores de Giovani ao ser questionado na CMTV pela astróloga e apresentadora Maya, que lhe perguntou: "Carlos, diz-se nas redes sociais, circula nas redes sociais que o grupo de 15 jovens que entraram na rixa era um grupo de ciganos. Isto é verdade?" A resposta foi: "Aparentemente sim. Mas não é por ser um grupo de ciganos os agressores ou por os agredidos serem cabo-verdianos que o Estado e a polícia olham para o caso de forma diferente."

Ao DN, Carlos Anjos esclarece: "Fizeram-me uma pergunta e eu disse "de acordo com as informações que tenho, são ciganos, tudo leva a crer que sim.""

Questionado nesta quinta-feira, antes ainda do anúncio pela PJ da detenção dos cinco suspeitos, sobre o que será o "tudo" que o leva a crer tal, e ex-investigador, que é comentador residente do Correio da Manhã, invoca "o que corre nos media e dentro da própria PSP e PJ. Fontes ligadas ao processo disseram o que eu disse." Mas tempera, afinal, a confiança nessas fontes: "Se eu tivesse a certeza absoluta dizia. Eu não fiz uma afirmação, deixei no ar. Sobre as minhas declarações ninguém pode dizer que eu disse que são ciganos. Fizeram-me uma pergunta e eu disse "de acordo com as informações que tenho, são ciganos". Não inventei, não especulei."

"Se se vier a provar que não eram ciganos, faço um desmentido público"

Advertido para o facto de as suas palavras estarem a ser citadas nas redes sociais como confirmação "autorizada", pelas funções que exerce e exerceu na área da justiça, da etnia a que pertenceriam os agressores - uma ideia posta a circular no final da semana passada por um blogue e um site que se apresenta como "de notícias" mas sem qualquer tipo de verificação jornalística ou fontes, oficiais ou testemunhais, atribuídas, e veiculada como verdadeira pelo deputado e dirigente do Chega André Ventura num post no respetivo Facebook -, Carlos Anjos rejeita que tal possa ser o caso: "Não posso ser acusado pelas interpretações que fazem das minhas afirmações. É abusivo concluir isso daquilo que eu disse. Sobre aquilo que são as minhas declarações ninguém pode dizer que eu disse que são ciganos."

Anjos rejeita também que a responsabilidade que sobre si impende pelas funções que exerce deva aconselhar a que não "deixe afirmações no ar" sobre casos em investigação. "Eu independentemente do meu cargo, que é numa comissão independente que funciona no âmbito do ministério da Justiça, e enquanto analista, como toda a gente, falando sobre um caso, dei a minha opinião. Acho que tenho o direito enquanto português, em matéria que não me tocam, falar."

E termina a conversa com o DN afirmando: "Mantenho integralmente as declarações. Se amanhã se vier a provar que não eram ciganos, faço um desmentido público. Tenho quase a certeza de que não o vou fazer."

O DN questionou o ministério da Justiça sobre se este tipo de afirmações públicas sobre a identidade de suspeitos de crimes em investigação são compagináveis com funções institucionais na área da justiça, mas até ao momento não obteve resposta.

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