Ex-diretora da Casa dos Rapazes. "Era preciso mostrar que há regras"

"Nunca houve intenção de os magoar ou humilhar", disse a antiga responsável da instituição no arranque do julgamento em Viana Castelo
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Acusada de 13 crimes de maus-tratos a menores na Casa dos Rapazes de Viana do Castelo, a antiga diretora técnica da instituição negou hoje em tribunal que tivesse "dado instruções para se usasse a violência", admitindo que não podia "deixar que faltassem ao respeito". Maria Manuela Costa, a quem o Ministério Público acusa de impor um modelo educativo com recurso a bofetadas, pancadas e de humilhar os menores, apontou que os jovens, com idades entre os 11 e os 15 anos, eram "agressivos e desafiantes". Por isso, justificou, era necessário "mostrar que é uma casa com regras, há rotinas que têm de ser cumpridas. Não se pode abrir precedentes".

O julgamento arrancou hoje no Tribunal de Viana de Castelo, com os cinco arguidos - a diretora técnica e quatro funcionários, acusado no total de 35 crimes de maus-tratos - a negarem terem cometidos os crimes. Seguindo o despacho de acusação, em que aponta haver menores que levaram pancadas na face, Maria Costa admitiu que deu "toques" nos rapazes mas nunca com "intenção de os magoar". "É necessário repreendê-los, segurá-los" argumentou, admitindo: "Considero que não sou muito meiga a falar com eles, mas só em situações limite."

O caso começou a ser investigado em 2017 com uma denúncia de duas educadoras da Casa dos Rapazes que foram hoje criticadas pela arguida. "Este processo é doloroso e injusto. Estes colegas [os outros quatro arguidos] eram os funcionários mais assertivos, os que não tinham horas de entrar ou de sair. Os que fizeram as denúncias eram meros espetadores. Saíam sempre à hora", disse, para depois classificar todo o processo como uma "guerra de adultos". "Sempre me fez uma bocado de espécie as pessoas servirem-se da instituição. Há pessoas que usaram os miúdos para se servirem da situação."

Agora a Casa é mais permissiva

O juiz quis saber o que tinham a ganhar com isso e lembrou que as testemunhas vão ser os menores alegadamente vítimas. "Não foram instrumentalizados mas alguns tiraram partido disso". E de que forma beneficiaram os rapazes ou as denunciantes? A instituição, disse a ex-diretora, "é agora mais permissiva, com idas da PSP à Casa." A arguida apontou ainda que os menores já tinham idade para se manifestarem antes se tivessem sido maltratados.

Num dos episódios descritos na acusação, um dos rapazes foi agredido numa situação de abordagem sexual entre dois menores. O MP diz que foram os arguidos. "Foi um episódio de agressão entre jovens. O que se sentiu aproximado acabou por agredir o outro", disse a diretora técnica, para quem "ser homossexual não era assunto" na Casa, mas o que a preocupava, enquanto responsável, era "a relação de poder entre os miúdos", alguém de abusar de outro. "

Confrontada com alguns os termos usados, segundo a acusação, nas conversas com os rapazes, como "porco", e se isso geraria equívocos quanto à sua conduta, a ex-diretora não reconheceu ter dito as palavras e sobre a forma mais ríspida de falar e os eventuais equívocos, disse: "Em consciência, não." Maria Manuel Costa justificou a forma mais dura de falar, com os comportamentos incorretos dos menores: "Às vezes é mesmo preciso dizer: parou."

Antes da diretora técnica foram ouvidos os outros quatro funcionários que, segundo o MP, seguiam o modelo educativo definido pela diretora. Todos negaram que usassem a violência, apenas admitiu que pode ter dado um toque, muito diferente de violência.

A diretora técnica disse ainda que a Casa dos Rapazes tem sido muito prejudicada com este processo, com a Segurança Social a reduzir o financiamento o que já terá motivado rescisão de contratos. Acusou ainda a Segurança Social de ter pressionado para que os arguidos se demitissem, o que aconteceu em 2017 com os funcionários e em abril de 2018 no caso dela. "A Casa foi muito penalizada com isto."

Juiz rejeita porta fechada

No arranque do julgamento, o advogado de três dos cinco arguidos, Morais da Fonte, viu indeferido pelo juiz, o requerimento que apresentou para que o julgamento decorresse à porta fechada. O advogado disse que pretende recorrer para o Tribunal da Relação, com efeitos suspensivos, mas o juiz que preside ao coletivo dispõe de 30 dias para se pronunciar sobre aquele procedimento. O julgamento prossegue dia 15 de outubro com audição de cinco das vítimas.

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