Podemos andar até ao final dos tempos a discutir as questões da vida e da morte. Andaremos certamente porque é a nossa essência e é-nos indissociável desde o início dos tempos. Mas como diz o médico e ex-dirigente bloquista José Semedo, um dos promotores da petição em defesa da despenalização da morte assistida, discutida ontem no Parlamento, convém que o debate não seja "um truque"..A melhor forma de matar qualquer debate é tecer loas à sua importância e argumentar que é tão complexo que nunca se esgota. A questão da eutanásia e/ou da morte assistida é realmente das mais complexas, mas seria realmente "um truque" fazer de conta que se discute o assunto nuns escassos minutos de debate parlamentar, a que se seguem mais umas conferências, para voltar a argumentar que ainda há muito para assimilar. E ponto final..A petição com 8500 assinaturas deve ser o momento para abrir um "debate amplo e profundo" como pede o Presidente da República, que até já advertiu que em momento oportuno intervirá na discussão. Ao mesmo tempo que lembrou que prestou voluntariado nos cuidados paliativos....A dicotomia não pode ser entre mais cuidados paliativos, como faz crer a deputada centrista Galriça Neto, e a despenalização da morte assistida. Uma é urgente e necessária, mas não invalida a outra. Depois de aprofundar todas as dimensões - ética, médica, técnica e religiosa - e de esclarecer a opinião pública sobre o que está em causa, sem discursos moralistas bacocos, talvez se chegue à conclusão de que a melhor forma de decidir é mesmo através de um referendo, ou seja, a sociedade pronunciar-se sobre se está pronta a aceitar que seja dada a possibilidade a doentes terminais e em sofrimento profundo de pedirem para pôr termo à vida, sem que quem os ajude seja penalizado por isso..O único debate que se pode dizer similar a este travado na sociedade portuguesa foi o da despenalização da interrupção da gravidez. Em 1982, o primeiro debate na Assembleia da República foi acalorado, também ele para rasgar as bancadas parlamentares. O tema só reacendeu em 1998 e Marcelo Rebelo de Sousa, então líder do PSD, forçou António Guterres, líder socialista e primeiro-ministro da altura, a aceitar um referendo. Houve debates apaixonados pró e contra, mas o referendo ditou um não, embora sem ser vinculativo. Só passada quase uma década, em 2007, um novo referendo deu o "sim" à despenalização da interrupção da gravidez. O debate sobre a eutanásia pode ser prolongado até uma conclusão final. Não pode ser é ad aeternum como alguns querem.