Eutanásia é "terreno escorregadio" para médicos
"Se damos aos médicos o poder de matar, vão morrer mais do que os que querem morrer. Isto é terreno escorregadio". O alerta foi deixado ontem pelo médico intensivista Dionísio Faria e Maia, um dos quatro especialistas convidados da 7ª sessão do ciclo de debates "Decidir sobre o Final da Vida", iniciativa do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, com o Alto Patrocínio da Presidência da República, que encheu o auditório da Biblioteca Pública de Ponta Delgada.
No encontro que propôs uma reflexão sobre a possibilidade de legalizar o direito a por fim à vida por parte de doentes terminais, Faria e Maia saiu em defesa dos médicos, para dizer que a eutanásia vai contra a ética desta classe profissional cuja missão é, justamente, "a defesa da vida" e não "matar". "É extremamente complexo. Tantas situações que já vivenciámos, do "quero" e "não quero"", desabafou o clínico, chamando a atenção que as pessoas, no fundo, não querem morrer. Sobretudo, não querem sofrer no final das suas vidas, o que deve passar por um reforço na prestação de cuidados paliativos. O tema da eutanásia e da morte medicamente assistida é controverso, mas no debate de ontem a sua eventual legalização em Portugal não colheu o apoio maioritário dos oradores convidados. Dionísio Faria e Maria, Maria do Céu Patrão Neves (professora catedrática de Ética) e Pedro Gomes (jurista) estiveram do lado do "não" e acabaram por formar um bloco contra Zuraida Soares, licenciada em Filosofia e deputada regional pelo Bloco de Esquerda, a única pelo "sim" à eutanásia.
Na defesa da sua posição, Zuraida Soares disse que, sem imposições, a opção de morrer é um "direito" que cabe às pessoas. "A minha opção de morrer é um direito e reivindico para mim tal direito, não estou a impor nada a ninguém", salientou, referindo que a eutanásia deve ser praticada por médicos de forma consciente. Os mesmos que - lembrou - podem recusar fazê-la se esta, tal como acontece nos casos de interrupção voluntária da gravidez, for contra a sua consciência. "Não há nada de fraturante entre a liberdade de decidir de acordo com a minha consciência. Isto chama-se direito inalienável e respeita as opções diferentes das minhas", evidenciou Zuraida Soares, considerando ser uma "falácia" quando se diz que os cuidados paliativos, que são igualmente um "direito", são a "alternativa" à morte medicamente assistida.
Maria do Céu Patrão Neves interveio para lembrar que - além do testamento vital - a legislação portuguesa contempla desde 2012 as diretivas antecipadas de vontade. São diretivas que já permitem às pessoas - existem pouco mais de 8 mil inscritas neste regime no país - decidirem de forma ativa sobre o final das suas vidas, inclusivamente se querem ou não mais nutrição ou hidratação. "Temos aqui (nas diretivas antecipadas de vontade) mais autonomia do que a eutanásia, que pode ser um ato de desespero", acentuou Maria do Céu Patrão Neves, que colocou claramente a ênfase na necessidade de se investir mais nos cuidados paliativos como solução para doentes terminais. A professora catedrática de Ética deu o exemplo do que está a acontecer em países como a Holanda, onde houve um aumento de 73% de pessoas eutanasiadas e onde já há unidades móveis que, a troco de dinheiro, proporcionam a eutanásia a quem a pede por telefone. "Estas unidades móveis conseguem fazer o acompanhamento físico e psicológico da pessoa? Isto é que é morte medicamente assistida", questionou.
Por seu lado, Pedro Gomes começou por colocar a tónica na proteção da vida humana, ao abrigo da Constituição Portuguesa. "A vida humana é inviolável e o debate da eutanásia coloca em conflito a inviolabilidade da vida humana com outros valores que têm a ver com a dignidade e com a afirmação do seu percurso, igualdade e o direito à morte", enfatizou.
O jurista relativizou a discussão em torno da eutanásia, recordando que esta prática está legalizada apenas na Holanda, Bélgica, Luxemburgo e Suíça, para além do estado norte-americano do Oregon. Reafirmou, por isso, que esta não é uma questão "fraturante" na sociedade portuguesa, mas sim trazida para o debate público por conveniências político-partidárias.