Este candidato esloveno dá mesmo música aos eleitores (com vídeo)
Foi primeiro-ministro do primeiro governo da Eslovénia, após as primeiras eleições no país, em 1990. Lojze Peterle é eurodeputado desde que o país aderiu à União europeia, há 15 anos.
Na sessão parlamentar de Estrasburgo que encerrou a legislatura, surpreendeu todo o plenário, ao encerrar o discurso com as notas agudas da harmónica que o acompanha há décadas.
Em entrevista ao DN, entre duas ações de campanha, no seu país, o candidato, de 70 anos, falou das inquietações dos eslovenos, numa campanha que, como cá, também é marcada por temas domésticos.
Porque decidiu tocar a melodia que a União Europeia adotou como hino, com uma harmónica, durante a última sessão plenária de Estrasburgo?
Decidi mostrar que a Europa precisa também de alma, e não apenas de economia. E a "Ode à Alegria" também é um bom elemento para demonstrar isso. E isso foi bem recebido em toda a parte na Europa.
Usou a harmónica para transmitir uma mensagem política...
Eu uso a harmónica, muitas vezes, na política, para dar força às minhas mensagens políticas. O que me parece é que precisamos de uma melhor atmosfera. Podemos melhorar o contacto. Podemos ter bons tratados, mas precisamos de uma boa atmosfera na Europa. Precisamos de situações de alegria, precisamos de mais harmonia. Diria também que precisamos de mais música. Havia essa atmosfera quando a União Europeia foi criada. Precisamos disso agora outra vez.
Há quanto tempo toca harmónica?
Oh, desde 1955.
E costuma usar a harmónica, na campanha eleitoral?
Sim. Aqui na Eslovénia, na campanha toco muitas vezes por dia, porque os eleitores gostam de ouvir música. Por isso, toco muitas vezes a "Ode da Alegria" [de Beethoven], por estes dias.
Quais são os temas dominantes da campanha europeia? Assuntos domésticos, como em Portugal?
Há muitas questões domésticas abordadas na nossa campanha. Estamos mais atentos ao que as pessoas nos dizem do que o que os candidatos andam a discutir nos diferentes comícios.
E o que inquieta as pessoas?
As pessoas na Eslovénia são muito sensíveis ao facto de a mesma lei, adotada na União Europeia, funcionar de maneira diferente na Áustria, ou em Itália, ou noutro sítio, do que acontece na Eslovénia.
A que leis se refere?
Por exemplo, na Áustria, os agricultores usam as quintas para turismo e não andam ocupados com papeis, como os agricultores eslovenos que os têm que preencher dia após dia. As pessoas questionam porque é que os austríacos se candidatam, ou implementam a mesma lei, ou o mesmo regulamento, as mesmas regras, de uma forma diferente. É um exemplo do que tenho ouvido nestes dias da campanha. Depois, claro, as questões sociais são muito expostas. As pessoas estão insatisfeitas por haver disparidades tão grandes. Depois, claro que temos de estar sempre a explicar o que é a competência do Estado-membro e o que a União Europeia pode fazer.
Em Portugal o tema europeu que chegou à campanha foi a questão dos cortes nas verbas da Política de Coesão. Também se fala na Eslovénia? Também é um dos países beneficiários...
Somos um dos países que recebe. Em cada um dos municípios que visitei vi pelo menos um projeto financiado pela União Europeia. Algumas vezes, os nossos cidadãos não percebem que os objetivos dos projetos não são definidos pela União Europeia, mas pelo governo nacional. Questionam a questão da continuidade. Por exemplo. num mandato o dinheiro vai para infraestruturas e, no mandato seguinte, o governo muda as prioridades e o dinheiro vai para outros projetos, como institutos, por exemplo. E, pode nem ir tanto para as regiões menos desenvolvidas. Temos duas regiões da coesão. Mas, gostaríamos que, se numa região que esteja acima do critério e não possa receber verbas, existir um município que esteja subdesenvolvido, esse município pudesse receber, independentemente da região em que se encontra.
Vão perder fundos no próximo financeiro?
Esperemos que mantenhamos o envelope financeiro, porque precisamos desses fundos da Coesão. Não gostaríamos que houvesse grandes mudanças. Precisamos de continuidade. Nós somos muito sensíveis para com as regiões subdesenvolvidas das áreas rurais.
Como corre a campanha na Eslovénia?
É uma campanha muito exigente, mas vejo que as pessoas percebem que a situação na União Europeia é muito grave. Precisamos de políticos responsáveis e experientes. As pessoas estão cientes que a União Europeia é a nossa oportunidade. Não é apenas a nossa escolha que fizemos há 15 anos. As pessoas dizem que precisamos de mais Europa na Eslovénia e, também, mais Eslovénia na Europa.
Que balanço faz dos 15 anos da aventura europeia da Eslovénia?
Não nos arrependemos da nossa decisão de aderir à União Europeia. Nós conhecemos uma Europa dividida e não queremos ver isso outra vez. Tínhamos de esperar nas fronteiras. Havia controlos e verificações. Os bens eram apreendidos pela polícia ou pelos oficiais da alfândega. E, agora podemos beneficiar da livre circulação. As fronteiras já não estão onde estavam há 15 anos. A nossa juventude pode beneficiar do Erasmus, para estudar realmente onde desejarem, e isso não era possível. Então, foram dadas condições muito mais favoráveis às novas gerações. Podemos viajar sem passaporte, para o norte ou para o sul. É uma situação muito gratificante. Não falo da economia. Mas, antes tínhamos de pagar taxas alfandegárias, e agora somos parte de um enorme mercado único europeu. Isto foi muito bom para a economia eslovena.
Preocupa-o que haja movimentos na Europa a forçarem a desintegração ou, pelo menos, que haja menos integração? Refiro-me também aos movimentos populistas...
Não estou assim tão preocupado com os eurocéticos ou populistas. Penso que é importante que as forças pró-europeias sejam capazes de concordar sobre o que podem fazer juntas na União Europeia. Tenho a certeza que as forças pró-europeias vão prevalecer. Mas temos de encontrar denominadores comuns e teremos de fomentar uma União Europeia que funcione. Só assim conseguiremos convencer os nossos cidadãos e criar confiança no projeto europeu. Há muitos problemas que teremos de encarar, mas todos os grandes desafios que enfrentamos precisam de mais Europa, mais cooperação, mais unidade.
Pode dar exemplos?
As alterações climáticas, o terrorismo, migrações, a saúde, o crime internacional. Todos estes desafios precisam de mais cooperação. E, nós temos de apresentar mais Europa. Diria até que os cidadãos esperam isso, eles pedem isso. Tenho a certeza que podemos acrescentar valor, porque 28 países trabalham em conjunto.
28?
Digo 28, porque continuo a não acreditar no Brexit. Penso que não chegaremos a ver o Brexit. Iremos ver novamente os nossos colegas britânicos, outra vez, no Parlamento Europeu.
O que o leva a acreditar que o Reino Unido continuará na UE?
Penso que estamos a aproximar-nos de um segundo referendo. Não consigo acreditar que Margaret [Thatcher]... [pausa] Não... Theresa May consiga apoios para passar o acordo que fez com a União Europeia. Por isso, tenho mais em conta a vontade das pessoas. Os políticos no Reino Unido não estão em condições de concordar em como sair da União Europeia.
Falou de uma aliança entre as forças democráticas, no Parlamento Europeu. Os socialistas e os liberais parecem ter já iniciado uma aproximação, para trabalhar a escolha do futuro presidente da Comissão. Como pensa que deve posicionar-se o PPE?
O PPE tentará formar uma coligação. Tentaremos aprovar o Spitzenkandidat, uma vez que isso já aconteceu nas eleições anteriores, com Jean-Claude Juncker. O Tratado de Lisboa diz que o presidente da Comissão Europeia tem de ser nomeado, de acordo com os resultados das Eleições Europeias. Mas, não há uma garantia de que o vencedor relativo, - uma vez que não teremos um vencedor absoluto -, possa ser automaticamente apontado como presidente. E, claro, o Conselho Europeu tem o direito de propor o candidato. Depois de 26 de maio teremos uma situação de diálogo muito exigente sobre o novo presidente da Comissão Europeia. O resultado depende muito da vontade política no Conselho Europeu. Espero que não fiquemos presos num impasse. Porque se o Conselho propuser algo que não seja confirmado no Parlamento, ficaremos numa situação delicada.
Exclui alianças à direita do PPE?
Uma das possibilidades é formar uma ampla coligação entre o PPE, os socialistas, os liberais e os verdes. Esta é maior aliança natural pró-europeia.
Preocupa-o a proximidade que um dos membros do PPE, - o Fidesz de Viktor Orbán - tem manifestado a favor políticos que se enquadro mais num espetro populista de extrema-direita, como com o italiano Matteo Salvini?
O senhor Orbán está agora num género de estado de congelação, no que diz respeito à sua permanência no PPE. No discurso dele [na audição sobre a conduta], ele foi muito claro, dizendo que ficaria, se o PPE não fosse demasiado para a esquerda, ou para o lado dos liberais, uma vez que ele acha que isso aconteceria. Penso que ainda teremos muitas reuniões [com Orbán] de pois das eleições europeias. Eu preferiria que Viktor Orbán continuasse como membro do PPE. A delegação dele [do Fidesz] é muito bem vista. São membros muito leais e sólidos, no PPE. Por isso, penso que, no pior dos casos, depois das eleições, não veremos aquela argumentação [que usaram] durante a campanha. Não gosto muito de falar em táticas. Mas, penso que foi traçada uma linha muito clara, que vai resultar numa Europa mais forte.
Mencionou a livre circulação como uma das grandes conquistas da Eslovénia, na UE. Qual a sua perspetiva sobre as decisões de União em matéria de migrações?
Precisamos de uma política de migrações. Não podemos ter Estados [europeus] com fronteiras. Temos de proteger as nossas fronteiras externas. Acredito que deverá ser gasto mais dinheiro na Frontex, para proteger a nossa fronteira externa. Devemos abordar a questão, de acordo com a sua complexidade. Temos agora menos refugiados, mas continuamos a ter muitos migrantes. Precisamos de concordar com uma política comum. Temos de fazer acordos com os países de transito e temos de estabelecer acordos e promover o desenvolvimento nos países africanos e nos países de origem. Em primeiro lugar temos de encontrar uma resposta para o mundo criminoso das redes de tráfico, que usam os migrantes para conseguirem dinheiro. As migrações de hoje são diferente das do passado. O sistema de quota falhou. Sobre a livre circulação, vimos que os navios que atracaram em Espanha, por exemplo, ao fim de um tempo, apenas um terço das pessoas continuavam em Espanha. Os Estados-Membros têm de continuar a ter o direito de decidir quem vai aceitar receber migrantes e sob que condições.
Tendo sido o primeiro chefe do primeiro governo esloveno, que mensagem transmitiria aos futuros líderes das instituições europeias, nomeadamente a Comissão e o Conselho?
Sou copresidente do grupo de trabalho para a saúde e presido a um grupo de eurodeputados que promovem a luta contra o cancro. Temos muitas questões em que é preciso unidade política. Mas, não deveríamos subestimar a questão da saúde. Os indicadores europeus de saúde não são bons. Os casos de cancro continuam a aumentar. Diabetes e outras doenças são mais. O meu grupo político concordou que a luta contra o cancro fosse uma das prioridades. Sou um sobrevivente de cancro, e penso que não poderemos ter mais Europa, tendo menos saúde. Gostaria que um dos vice-presidentes da Comissão Europeia fosse focado na saúde na União Europeia.