Eurofestival

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Há longos anos que a UE treme ante a perspectiva de um partido de extrema-direita chegar ao poder de um dos seus Estados membros. Se tal acontecesse, garantiam-nos que seria o Apocalipse - e isto nas visões mais optimistas.

Ora o suposto Apocalipse acabou de acontecer e, à semelhança de outras calamidades como a gripe suína e as vacas loucas, as profecias eram manifestamente exageradas. A julgar pela satisfação maldisfarçada da maioria dos noticiários e da generalidade da imprensa, o advento na Grécia de umas criaturas com inclinações "fascizantes" é até motivo de júbilo. Não falo apenas do Syriza, acrónimo para Coligação da Esquerda Radical. Falo também da coligação com a direita radical com a qual o Syriza formou governo.

Os Gregos Independentes, ou Anel, partilham com o Syriza o patriotismo, a repulsa pelo "neoliberalismo" e o orgulho no parasitismo local. De brinde, acrescentam-lhe saudáveis doses de xenofobia e ódio racial. Parece que Panos Kammenos, o senhor do Anel, é dado a teorias da conspiração, aliás um sucesso garantido entre trapaceiros ou ignorantes. Em Dezembro passado, acusou os judeus, especialmente os judeus, de fuga fiscal. Não tarda, introduzirá "Os Protocolos dos Sábios do Sião" nos currículos escolares. Para já, o objectivo é submeter os currículos à doutrina Ortodoxa Cristã.

A coisa promete. Segundo inúmeros especialistas, promete mesmo "abalar" a Europa e orientá-la rumo ao fim da austeridade. Por algum motivo que os especialistas não alcançam, os malvados líderes do "sistema" meteram na cabeça que teríamos de empobrecer. Os populistas do Syriza e do Anel preparam-se para demonstrar que é preferível ser rico, principalmente quando o conseguimos à custa do trabalho alheio. Por agora, fica demonstrado que, afinal, os maluquinhos da extrema-direita não representam perigo nenhum - desde que devidamente acompanhados por maluquinhos da extrema-esquerda.

Talvez um dia, em Portugal, a rapaziada do PNR veja abolido o preconceito que injustamente lhe dedicamos. É questão de esperar que um dos sessenta e sete movimentos da esquerda radical precise da direita homónima para formar governo. Tenciono esperar sentado, a contemplar os ventos que sopram de Atenas para ensinar a solidariedade à Europa. A exacta Europa que os nacionalistas do Syriza e do Anel querem acima de tudo destruir: a geopolítica é assim complicada.

Terça-feira, 27 de Janeiro

Iducassão

Os professores foram submetidos a um teste. Parte do teste era um disparate. Parte dos professores mostrou nem sequer saber português. Em consequência, o país dividiu-se: metade acha melhor acabar com os testes; a metade restante prefere acabar com os professores. A mania das generalizações dá nisto. Os professores são importantes. A respectiva avaliação também. Não se percebe como é que um professor competente aceita ver-se representado pela demagogia sindical e misturado com resmas de analfabetos. Não se percebe como é que o dr. Crato permite - ou concebe - uma avaliação tão propícia a minar os próprios objectivos. Percebe-se que o resultado disto seja o previsível: fica tudo na mesma, excepto a qualidade do ensino, termo que já hoje pede aspas e não tarda receberá a extrema-unção.

Quinta-feira, 29 de Fevereiro

Tudo e mais um par de botas

Depois de longa batalha jurídica em volta de um cachecol e um edredão do Benfica, a defesa de José Sócrates luta por um par de botas. Os factos são simples: o prisioneiro 44 usa as botas na cela para enfrentar os rigores da estação; o director da cadeia de Évora, maligno como Donald Sutherland no filme de Stallone, invoca uma lei para obstar ao dito uso. Segue-se um combate épico, susceptível de redefinir toda a jurisprudência conhecida.

Um dos advogados de José Sócrates, Pedro Delille, explicou ao Público que já entregou "uma intimação no tribunal para o director da cadeia revogar a ordem de retirada das botas ou para se abster de a executar". Segundo o causídico, as autoridades prisionais fundamentam-se no regulamento que proíbe "calçado militar e capuzes". Sucede que as botas em questão são, garante o dr. Delille, mais comparáveis a "botins" ou, visto que "forradas por dentro", talvez entrem na delicada categoria das "pantufas", sobre a qual o regulamento, que se limita a permitir "sapatos desportivos e chinelos", é aparentemente omisso.

Logo que acabe de imaginar o aspecto de umas pantufas forradas por fora, Portugal em peso suspenderá a respiração a fim de acompanhar esta batalha. Para o dr. Delille, tudo isto decorre de uma "discriminação negativa em relação" ao seu cliente. Decerto a exacta discriminação que obriga o ex-governante a aturar o dr. Soares mesmo fora dos dias de visita.

Por mim, declaro-me solidário com José Sócrates. Frequentei a recruta militar na zona de Évora e tive problemas ainda piores com um par de botas, no caso por só me permitirem calçar aquela porcaria. Infelizmente nem os meus advogados foram eficazes nem o país marchou em benefício dos meus pés cansados. E ninguém me ofereceu merchandising do Benfica.

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