O movimento americano #MeToo chegou a Portugal e convoca-nos para um debate ao qual não podemos ficar indiferentes. Para uma reflexão sobre o tema, suas consequências na vida das vítimas e a forma como podemos mitigá-lo, é imperioso afastar qualquer tipo de fundamentalismo e pré-conceitos. Essencialmente radicalismos de género, feminismos obtusos e outras ideias preconcebidas que nada acrescentam à discussão..Tenho 30 anos. Passei os últimos dez anos da minha vida rodeada de homens. Estou deputada à Assembleia da República, fui presidente de várias comissões políticas de âmbito local e regional, exerci funções em órgãos nacionais do PSD. Colaborei com vários escritórios de advogados ao longo da minha vida profissional..Em nenhum momento fui alvo de assédio sexual..Nunca saberei, mas suspeito que a alteração de alguns comportamentos e da minha forma de estar, me tenha poupado a algum episódio dessa natureza. Uma espécie de medida preventiva. Uma parvoíce, dirão. Com toda a razão..Por viver num mundo enxameado de homens, a certa altura falava e comportava-me como um deles na expectativa de ser tratada com igual respeito. Ninguém me disse para o fazer. Ninguém mo aconselhou. Simplesmente fui percebendo que essa era a forma de sobreviver num meio onde era muito feliz, mas onde iria sempre precisar de provar o dobro para que me reconhecessem como um par..É isso que devemos exigir às vítimas? Que estejam permanentemente à defesa? Ou que, sem se aperceberem, se descaracterizem em ordem a alcançarem os seus objetivos sem embaraços? Que se façam de despercebidas e que prossigam na expectativa de que não volte a suceder? Não, não e não..Ao longo das últimas semanas foram inúmeros os meios de comunicação social que deram o pontapé de saída para o debate do assédio sexual depois de, em 2015, a generalidade dos portugueses ter ridicularizado o crime de importunação sexual, reduzindo-o ao parolo piropo. Já na altura se estava a falar de algo muito sério - e o Bloco de Esquerda tinha razão. Como, aliás, hoje se vê..Na senda desses debates, vi aduzir-se um conjunto de ideias para combater o assédio sexual, mas, uma vez mais, continuamos a conduzir todas as importantes discussões sobre o comportamento humano para o patamar da repressão, ao invés de atuarmos no patamar da prevenção destes fenómenos e de proteção das vítimas..Fará sentido autonomizar o crime de assédio sexual, como se fez com a violência doméstica? Creio que sim. Devemos estender os prazos de prescrição sabendo que, nos crimes de natureza sexual, as vítimas reprimem essas memórias ou hesitam em denunciar o sucedido por temor reverencial, especialmente nos contextos laborais? Talvez sim..E dado que se trata de um crime que dá origem a quadros de depressão e de stress pós-traumático, não devemos atuar ao nível do apoio às vítimas? Claro que sim..É impreterível acautelar as falsas denúncias e proteger os agressores que, afinal, não o são? Também..Mas, antes de tudo, é impreterível sensibilizar a sociedade para um assunto que, não raras vezes, é menorizado; para um comportamento que é permanentemente normalizado. É por tudo isto que devemos agradecer à Sofia Arruda, à Catarina Furtado, à Leonor Poeiras e a todas as outras pessoas que, sabendo do seu alcance público, dão voz a todas as vítimas anónimas..Então, atuemos a jusante! Falemos sobre alterações legislativas sim, mas de âmbito preventivo..Ao código laboral, por exemplo. Lancemos os dados para a introdução de mecanismos de denúncia dessas experiências, mas que impeçam qualquer possibilidade de retaliação do eventual agressor hierarquicamente superior à vítima..Exijam-se planos de contingência nas estruturas empresariais e o cumprimento cabal de códigos de conduta..Sejamos, em todas as nossas intervenções, em todos os contextos, nos círculos sociais, absolutamente intolerantes com a victim blaming..Mulheres, promovam a sororidade, sem radicalismos..Pais e mães, sejam absolutamente intransigentes com todas as formas de misoginia..O Estado que acorde e faça-se mais nas escolas por aqueles que estão destinados à ignorância..Um abraço à Joana Emídio Marques..Deputada do PSD