Eu, Social Democrata, me confesso

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Na minha tenra juventude, quando andava de camarim em camarim, nos corredores dos teatros, já notava que era aí que tudo se passava e tudo se falava, nomeadamente a política, que sempre foi assunto, mesmo por aqueles que diziam que nada percebiam, nem faziam política.

Eu, que ouvia as opiniões nos camarins, ia depois a correr para o fosso de orquestra ver e ouvir as piadas ou alertas, ditas mesmo ali à minha frente, em cena, pelos mesmos que falavam dos assuntos a sério atrás do pano e que, pela magia do teatro, os transformavam em brincadeiras mordazes à frente do povo.

Povo esse que ria, ouvia ou chorava a seu belo prazer, mas sempre retinha algo do que era dito. Eram os primeiros anos dos dois 25 de Portugal e a jovem Liberdade a fazê-los valer.

Só vos posso dizer que, no jovem eu, estas impressões deixaram uma indelével marca. Era brutal assimilar e identificar as situações do dia a dia do povo português nas variadas versões que iam a cena, sem medo, sem filtros, sem censura.

Olhava para as frisas e via ali sentados, Sá Carneiro, Mário Soares, Ramalho Eanes, Jaime Neves, Álvaro Cunhal e tantos que só via na televisão. Ali, a rirem-se ou com um sorriso de circunstância, dependo muito da piada. Mas nunca deixavam de ir.

E sim, ali também se fazia a história do nosso país.

Era ainda muito jovem quando li o primeiro livro sobre política. Foi-me oferecido pela minha avó Laura Alves, no natal de 1980, tinha por nome "O Último Tarzan" do grande Augusto Cid.

Era um livro que explicava a política da altura, numa critica mordaz (e apelativa, aos olhos de uma criança de 6 anos), e onde a minha outra avó - a avó Lina - me tentava explicar mais ou menos quem eram e o que faziam aquelas pessoas caricaturadas neste livro que ainda hoje guardo, religiosamente.

Um pouco mais tarde lembro-me de sempre me meter nos tais "assuntos dos adultos", em casa ou entre os artistas no Parque Mayer, com larachas ou opiniões que ninguém levava muito a sério e alguns com declarada bonomia.

Lembro-me de, em 1986 assistir àquela que, até hoje, é para mim a maior e melhor campanha eleitoral de todas: as Presidenciais que opuseram Mário Soares a Freitas do Amaral, o "Pr"á Frente Portugal vs "Soares é Fixe". Lembro-me que o país parou e a Marinha Grande venceu as eleições. Lembro-me do interesse que estes assuntos despertavam em mim.

Um dia, vendo esta minha veia interventiva a aumentar, alguém, por volta dos meus 14 anos, pôs-me à frente livros sem bonecos: John Maynard Keynes, Maquiavel, Marx, Max Gallo entre outros, e disseram-me para ler, e pensar.

Ler e pensar? Mas eu tinha 14 anos, o meu pensamento estava mais virado para namoradas, Benfica e em jogar a bola... Mas se essa era a receita para que as minhas opiniões fossem levadas mais a sério pelos adultos, pois que iria tentar.

E assim que percebi o que lia, formei opinião sobre o que queria para o meu país. Era ainda uma proto-opinião, mas era convicta. Não votava ainda mas percebia que a Social Democracia era o sistema mais democrático e livre de todos os outros que se apresentam. E escolhi.

Escolhi - como se diz agora, fiz uma "escolha informada" - em consciência. O que fazia ressonância em mim era um sistema que procurava desempenhar um papel significativo na

consolidação de ideais e na efetivação de políticas de promoção da justiça social, igualdade e proteção dos direitos individuais. O sistema mais certo para assegurar que as preferências dos eleitores sejam representadas de maneira eficaz, especialmente em sistemas com diversidade de ideologias, partidos e candidatos.

E esta escolha fez de mim o político que sou hoje, e está na base de todos os projetos e iniciativas que já realizei na Freguesia de Santo António e, antes, na pequena Freguesia de São José.

Foi assim que nasceram, por exemplo, o Espaço Júlia ou a Mercearia Social Valor Humano. O ideal Social Democrata, como o vejo, tem sempre a preocupação de fazer rimar Solidariedade com Dignidade.

E é assim que vejo e encaro a Cultura e defendo a consolidação de políticas culturais reais e efetivas em Portugal.

Revejo-me na importância de uma Cultura para todos e com todos, não apenas para as elites.

Revejo-me numa também "cultura "de ensinar a pescar, até que quem precisa consiga pescar sozinho, e depois possa seguir caminho pelos seus próprios meios. Sem favores, sem "cunhas", sem jogos de bastidores, apenas e só pela qualidade, pois um povo rico, é um povo que tem o seu cofre também recheado de Cultura.

Em Santo António construímos pontes culturais que vão desde espetáculos trazidos por embaixadas da nossa Freguesia, recitais de Laginha e Burmester, até ao Baile de São Valentim, extremos, do mais erudito ao mais popular, que se tocam naquilo que entendo como A Cultura!

E, para mim, também isto é a essência da Social Democracia.

É a ideologia que professo e defendo para implementar políticas que promovam a justiça social, a igualdade de oportunidades e a proteção dos direitos fundamentais de todas as pessoas, na Freguesia que tenho a honra de estar a gerir.

E, a terminar, aqui deixo um desafio, que ecoa aquele que me fizeram quando era jovem:

Percam um pouco de tempo a ler e a pensar. Vejam como nasceram na Europa todos os regimes totalitários. Vejam que regimes os precederam e as razões que levaram a essas viragens (hoje dá menos trabalho que nos anos 80, basta pesquisar no Google).

E percebam que a social-democracia é a única ideologia política regida pelos ideais de liberdade e equidade, pelos valores básicos das liberdades individuais, da propriedade privada e da justiça social.

Um social democrata é alguém que tem que ser muitos num só: gestor, historiador (sem saber história estamos condenados a repetir erros), estadista e filósofo, que tenta contemplar o geral e agir no particular. Direto e pragmático, mas simultaneamente capaz de ver o abstrato artístico, onde a natureza humana e as suas instituições devem sempre fazer parte de todas as equações.

E nunca, por nunca ser, deixar de ter os pés bem assentes na terra em todas as funções políticas que exerça.

Por isso, eu Social democrata me confesso!

*Presidente da Junta de Freguesia de Santo António, Lisboa

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