"Eu disse-vos." O dia mais temido por Assange chegou
Da primeira vez que a advogada australiana Jennifer Robinsonvisitou Julian Assange na prisão de Londres, o fundador do WikiLeaks disse-lhe para agradecer aos seus apoiantes e acrescentou: "Eu disse-vos." O ativista tinha alertado de que iria enfrentar a extradição para os EUA - onde está acusado de conspiração e pirataria informática - assim que saísse da embaixada do Equador, o que acabou por acontecer no dia 11 de abril. A primeira audiência acontece hoje, um dia depois de o australiano ter sido sentenciado a 50 semanas de prisão por ter violado a liberdade condicional quando se refugiou na embaixada, no entender da justiça britânica. Além dos EUA, também a Suécia pode pedir a extradição do ativista, para que este responda por dois crimes de agressão sexual.
Denunciante e bandeira da liberdade de imprensa para uns, hacker ou instrumento de Donald Trump para outros, em sete anos Assange está diferente. O homem que vimos a ser quase arrastado da embaixada do Equador pela Scotland Yard mudou até fisicamente: o cabelo comprido e o ar envelhecido é a última imagem que guardamos do homem que durante 2488 dias - o tempo que passou exilado na embaixada - evitou começar o caminho que pode levá-lo a enfrentar penas de prisão pelo menos em dois países. Assange será ouvido pelo tribunal de Westminster através de videoconferência a partir da prisão de alta segurança onde está detido, em Belmarsh, a sudeste de Londres.
"Não quero entregar-me para ser extraditado (para os EUA) por ter feito jornalismo que obteve vários prémios e protegeu muitas pessoas", justificou Assange, num comunicado divulgado após ter sido ouvido.
Um juiz britânico reconheceu que o processo de extradição de Assange para os EUA pode levar "vários meses", tendo sido marcadas novas audiências para os dias 30 de maio e 12 de junho.
Julian Paul Assange nasceu na Austrália a 3 de julho de 1971 e estudou Programação, Matemática e Física na Universidade de Queensland e de Melbourne, sem ter contudo acabado qualquer curso. O jovem pirata informático e programador, hoje com 47 anos, fundou em 2006 a WikiLeaks, uma organização especializada na análise e na publicação de informações secretas sobre guerra, espionagem e corrupção. Desde então, já divulgou milhões de documentos.
Assange e a WikiLeaks saltaram para a ribalta em 2010, após a revelação de um vídeo de um bombardeamento norte-americano no Iraque, no qual morreram vários civis, ao qual se seguiu a divulgação dos diários do Afeganistão e do Iraque e da correspondência diplomática dos EUA.
Tudo material que tinha sido fornecido por Chelsea Manning (que foi condenada por espionagem e indultada no final do mandato do presidente Barack Obama, voltando novamente a ser presa por não colaborar com o grande júri que estará a investigar a WikiLeaks). A organização também divulgou material de Edward Snowden, referente ao trabalho de vigilância global da Agência de Segurança Nacional (NSA) dos EUA, tendo este conseguido asilo na Rússia.
Em agosto de 2010, a Suécia emitiu um mandado de prisão em nome de Julian Assange. Em causa estavam dois crimes de agressão sexual. Assange nega ambas as acusações - também as negou à polícia de Estocolmo. De volta ao Reino Unido e com receio de ser extraditado para a Suécia ou para os EUA compareceu em tribunal em dezembro do mesmo ano, onde foi libertado sob fiança. Os tribunais haveriam de determinar que Assange fosse extraditado para a Suécia. Em agosto de 2012 entrou na embaixada equatoriana, onde lhe foi concedido asilo político. Por causa desta "fuga", a justiça do Reino Unido condenou Assange a 50 semanas de prisão no dia 1 de maio de 2019.
Julian Assange foi preso por não se ter apresentado em tribunal em junho de 2012, depois de o Reino Unido ter aprovado a sua extradição para a Suécia - que queria interrogá-lo por causa dos alegados crimes de violação e agressão sexual, entretanto prescritos. A sua detenção surge também no decorrer de um pedido de extradição dos EUA, que acusam o fundador do WikiLeaks de pirataria informática e de conspiração por tentar aceder a um computador do governo norte-americano.
Assange só foi detido porque o presidente do Equador, Lenín Moreno, decidiu "de maneira soberana" retirar o estatuto de asilo ao ativista, o que levou a protestos por parte da organização fundada pelo australiano. A verdade é que desde 2017 - quando Moreno assumiu a presidência - que a relação entre Julian Assange e o Equador se tinha deteriorado. Segundo o The Guardian, Reino Unido e Equador decidiram, em conjunto, que tinha chegado a hora de retirar o asilo ao ativista. Moreno acusa Julian Assange de ter usado a embaixada do Equador como "um centro de espionagem".
Após a sua expulsão da embaixada do Equador em Knightsbridge, Londres, há duas semanas, as autoridades britânicas enviaram Assange para a Prisão Belmarsh - uma cadeia de alta segurança. Andy Keen-Downs, executivo-chefe da Pact, uma instituição de caridade de reabilitação que presta serviços familiares em prisões em todo o país, descreveu Belmarsh como uma instalação "intimidadora". "Como a maioria das prisões, as condições em Belmarsh são austeras", disse Keen-Downs à CNN. "As condições são muito básicas. (...) há ocasiões em que pode haver violência. Pode ser uma atmosfera muito intimidante", acrescentou.
Assange foi ouvido por um juiz no dia da sua detenção na embaixada do Equador - a 11 de abril - e negou a acusação de não ter comparecido em tribunal em 2012. No entanto, foi considerado culpado e já foi condenado a 50 semanas de prisão. Enfrenta agora dois pedidos de extradição: para os EUA e para a Suécia.
Em relação às acusações de agressão sexual, uma já prescreveu, mas a procuradora-geral da Suécia, Marianne Ny, disse, na altura em que as investigações cessaram, que, "para prosseguir com o caso, Julian Assange teria de ser formalmente notificado das suspeitas criminais contra ele. Não podemos esperar receber ajuda do Equador em relação a isso. Portanto, a investigação foi descontinuada", disse. Avisou, no entanto, que, se "em qualquer momento" essa notificação se tornasse possível, poderia "decidir retomar a investigação imediatamente". A advogada de uma das mulheres que acusam Assange já disse que vai pedir para reabrir o caso.
Os EUA também querem que Assange responda por crimes de conspiração - acusam-no de ter entrado em computadores do governo - e de pirataria informática. O Equador - que retirou o asilo ao ativista e deixou a Scotland Yard entrar na embaixada para prender o ativista - anunciou que deixou claro que Assange não poderia ser extraditado para um país onde pudesse ser torturado ou existisse a pena de morte. "A Grã-Bretanha ainda pertence à União Europeia, pelo que tem de cumprir as normas que incluem não enviar presos para países onde existe a pena de morte, como os EUA", alertou também a eurodeputada Ana Gomes, em declarações ao DN.
Sim, pode. Já aconteceu uma vez - quando o tribunal decidiu a sua extradição para a Suécia. A defesa de Assange recorreu para o Supremo Tribunal. Assange tem duas alternativas: recorre da decisão do juiz ou pode até recorrer da decisão do próprio ministro do Interior britânico de o extraditar. Entretanto, os pais de Julian Assange querem que o filho seja extraditado para a Austrália e estão a usar a precedência legal do regresso de um prisioneiro de Guantánamo para conseguirem retirar o filho da prisão de segurança máxima onde está, perto de Londres.
Os pais do fundador do WikiLeaks contrataram um advogado,Greg Barns,que vai construir o caso com base no precedente que se criou quando regressou à Austrália um prisioneiro em Guantánamo, David Hicks. "Tanto John [Shipton, o pai de Assange] como a mãe, Christine, estão preocupados pelo facto de o filho estar numa prisão de segurança máxima, como qualquer pai estaria", disse o advogado à CNN. Para Greg Barns, foi estabelecido um precedente no caso de David Hicks, acusado de apoiar atividades terroristas no Afeganistão e que foi enviado para Guantánamo, em 2002. O pai de David Hicks não desistiu enquanto não conseguiu trazer o filho de volta para a Austrália e, a certa altura, conseguiu-o, graças à intervenção do governo australiano.
Hicks voltou para a Austrália, depois de cinco anos em Guantánamo, e cumpriu o resto da pena na Austrália. "Há dez anos, o governo de Howard interveio, sob pressão, para que David Hicks voltasse à Austrália. A pressão exercida pelo seu pai e pela equipa legal que contratou foi decisiva, tal como também foi a forma como os cidadãos australianos encaravam o tratamento dos prisioneiros em Guantánamo", diz o advogado. A intenção de extraditar Assange para o seu país de nascimento "não é um objetivo pouco realista", segundo Barns. Existe já uma petição no Change.org a pedir a intervenção do governo australiano no caso Assange.
São vários, na Austrália, em Londres, em Espanha e no Equador. O mais conhecido é Baltazar Garzón, antigo magistrado no Tribunal Nacional de Espanha, e o coordenador da equipa de defesa do fundador do WikiLeaks. O jurista ficou conhecido em 1998 depois de ter pedido a extradição de Augusto Pinochet para Espanha, com o objetivo de o julgar por casos de violação de direitos humanos. Desempenhou um papel importante no desmantelamento da ETA, e em 2008 iniciou uma investigação relacionada com o desaparecimento de mais de cem mil pessoas durante a Guerra Civil Espanhola.
O advogado de direitos humanos publicou um artigo no jornal online espanhol Eldiario-es intitulado "Assange ou a impunidade" logo no dia em que o seu cliente foi detido. No texto de opinião deixou três ideias-chave: "A concessão do asilo foi concedida com base no risco [que Assange corria] de acordo com as convenções aplicáveis ao caso", "a retirada [do asilo] só pode ocorrer se esse risco desaparecer. Neste caso, não só o perigo não desapareceu como aumentou exponencialmente" e ainda "o que acontece aos direitos humanos? Os Estados Unidos iniciaram um caminho que nos levará a todos ao desastre", escreveu o advogado.
Da equipa de defesa faz ainda parte a australiana Jennifer Robinson, também advogada na área dos direitos humanos. Foi ela quem visitou o fundador do WikiLeaks no dia da sua detenção. Na altura, Robinson disse aos jornalistas que a equipa de defesa iria lutar contra o mandado de extradição, que consideram um "perigoso precedente", uma vez que qualquer jornalista pode enfrentar acusações dos EUA por "publicar informação verdadeira" acerca do país, disse a advogada à BBC.
Carlos Poveda é também um dos advogados de Assange. É o defensor do australiano no Equador e apresentou, em nome do ativista,uma denúncia à Procuradoria-Geral do Equador contra vários diplomatas que trabalhavam na embaixada do país em Londres. Assange responsabiliza os diplomatas por uma espionagem que gerou um caso de extorsão, no qual estariam envolvidos três espanhóis. A denúncia foi inicialmente apresentada à Audiência Nacional da Espanha.
Poveda disse que os diplomatas podem ter cometido até quatro crimes, entre eles vazamento de informações e violação de segredo profissional. "O governo do Equador acusou Assange de espionagem dentro da embaixada. Na verdade, a espionagem vinha deles", afirmou Poveda.
(Notícia atualizada às 12:52 com as declarações de Julian Assange após ter sido ouvido pelo tribunal britânico).