Estudantes veem futuro da Saúde em Portugal com apreensão

Mais de metade dos alunos de Enfermagem e Medicina pondera emigrar em busca de melhores condições de trabalho e os que pretendem ficar no país lutam para conseguir cumprir a meta para a qual estão a ser formados: cuidar das pessoas.
Publicado a
Atualizado a

O tema dos recursos humanos na Saúde tem preenchido as primeiras páginas dos jornais há várias semanas. Faltam profissionais de diferentes especialidades nas Urgências, de norte a sul do país, e os hospitais não conseguem completar as escalas de serviço. Férias, baixas por doença ou dificuldades em atrair e reter médicos, enfermeiros, assistentes e outros profissionais, estão a destapar novamente um problema que não é de hoje. Como veem os estudantes este panorama que, sem mudanças urgentes, terão de encarar quando terminarem a sua formação? Que opções têm pela frente? Constança Nunes, estudante de enfermagem na Escola de Enfermagem de Lisboa do Instituto de Ciências da Saúde (ICS), da Universidade Católica Portuguesa, e Vasco Cremon de Lemos, estudante de Medicina na Nova Medical School, da Universidade Nova de Lisboa, partilharam a sua visão do problema em mais um podcast Transformar o SNS, que pode ver e ouvir na íntegra no site do Diário de Notícias. Os dois estudantes são igualmente os autores de mais uma tese no âmbito do projeto que juntou o DN à Fundação para a Saúde - SNS, desta feita sobre as Profissões da Saúde.

Em conversa com o Diário de Notícias, Constança e Vasco confessam que é com apreensão que olham para o panorama atual da Saúde e para o futuro que os espera. "Estamos a ser formados com o objetivo de cuidar das pessoas e isso não está a acontecer", afirma a estudante de Enfermagem, que é também presidente da Federação Nacional de Associações de Estudantes de Enfermagem (FNAEE).

"É muito assustador e vemos tudo com muita preocupação", acrescenta o estudante de Medicina e vice-presidente da Associação Nacional de Estudantes de Medicina (ANEM), que recorda que não se trata de uma situação imprevisível, mas que reflete os avisos que a ANEM tem feito nos últimos anos. "Reflete uma falta de planeamento enorme que tem havido na Saúde e, de facto, esta não-retenção de profissionais de Saúde e estarmos com tanta dificuldade em ter profissionais de Saúde a fazer escalas, só reflete falta de planeamento".

Mas, na perspetiva dos estudantes, faltam ou não médicos no SNS? "Faltam médicos especialistas", diz Vasco Cremon de Lemos. E porquê? "Só após o internato é que somos médicos especialistas e é importante reforçar que para entrar na carreira médica é obrigatório ser médico especialista. Um médico que não tenha ingressado na especialidade, não pode aceder à carreira médica", explica.

CitaçãocitacaoNão podemos exigir a nenhum profissional de Saúde um cuidado exímio se não lhe dermos condições para trabalhar

E aqui é está o problema. Segundo o futuro médico, que ambiciona ser oncologista e trabalhar em Portugal, o SNS assenta sobretudo em médicos especialistas, o que inclui a Medicina Geral e Familiar que, muitas vezes, não é vista como especialidade, mas cujos médicos são tão especialistas como os outros.

"E são esses médicos especialistas de que falamos que faltam no SNS", salienta Vasco Lemos. "Aqui os problemas já passam pelo acesso a essa especialidade, porque quando pensamos que temos mais médicos a entrar no concurso do que médicos a poder ingressar na especialidade, temos um funil". Há médicos, garante o estudante, que não conseguem aceder à especialidade e que repetem a prova ano após ano.

Na área da Enfermagem os problemas são semelhantes. O primeiro passo na carreira é, durante dois anos, o trabalho como enfermeiro de cuidados gerais e só depois é possível investir na especialidade. Segundo Constança Nunes, o problema não é aceder à profissão, mas a falta de condições generalizada de trabalho.

"Não podemos exigir a nenhum profissional de Saúde um cuidado exímio se não lhe dermos condições para trabalhar". Como é possível cuidar de alguém se a profissão não é valorizada, questiona a futura enfermeira. E, na sua opinião, este é o principal fator que leva as pessoas a emigrar. "É assustador pensar como é que temos uma formação tão boa e tão qualificada, mas que não é aproveitada pelo nosso país", reforça.

Na ANEM, num estudo recente realizado junto dos estudantes de Medicina concluiu que mais de metade dizem considerar a emigração como uma necessidade, mais do que por quererem essa experiência. A solução para estes problemas, reitera Vasco Cremon de Lemos, passa pelo planeamento dos recursos humanos. "Planear recursos humanos é também planear as condições das pessoas e dos profissionais de Saúde", defende.

O primeiro passo seria, na perspetiva do vice-presidente da ANEM, fazer o inventário nacional de profissionais de Saúde, uma estrutura que existe definida na lei desde 2015, mas que passados sete anos continua a estar apenas no papel.

Veja o vídeo do debate em cima.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt