Hospitais do SNS "em situação muito complicada"

"Há hospitais que estão em situação muito complicada", disse o coordenador da Estrutura de Missão para a Sustentabilidade do Programa Orçamental da Saúde. Defende que comissão de acompanhamento e vê injeções financeiras nos hospitais para pagamento das dívidas como "prémio à má gestão"
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O coordenador da Estrutura de Missão para a Sustentabilidade do Programa Orçamental da Saúde, Julian Perelman, defendeu esta quarta-feira a criação de uma comissão de avaliação para acompanhar os hospitais que têm uma situação financeira mais complicada.

"Há hospitais que estão em situação muito complicada" e que necessitam "não apenas de ser incentivados ou penalizados, [mas] precisam de um acompanhamento", disse Julian Perelman na comissão parlamentar da Saúde, onde foi ouvido hoje a pedido do PSD sobre as medidas propostas com vista ao favorecimento do equilíbrio e da sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Segundo o coordenador, a "ideia é criar o mais rapidamente possível uma comissão de acompanhamento e de avaliação, não só para avaliar o desempenho, mas para poder acompanhar o hospital".

O objetivo é "ir ao terreno, saber que medidas estão a ser implementadas para melhorar a situação, poder fazer recomendações e acompanhar a implementação dessas recomendações", explicou.

Endividamento é "travão à autonomia dos hospitais"

Na audição, Julian Perelman falou sobre o problema de endividamento, considerando que "é um travão à autonomia dos hospitais, que não podem assumir compromissos sem terem fundos disponíveis".

"Como estão endividados não assumem compromissos, não podem abrir concursos, e isso leva a assumir a despesa por formas menos idóneas e menos eficientes", disse o coordenador da estrutura criada em março pelo Governo com o objetivo de apresentar propostas que contribuam para a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde e acompanhar o desempenho financeiro das entidades do SNS e do Ministério da Saúde.

Julian Perelman afirmou que os recursos humanos, os medicamentos e os dispositivos médicos têm sido, ao longo dos anos, as "duas fontes principais" do aumento da despesa, e considerou que assumir essa despesa através de endividamento é problemática.

"Do ponto de vista de gestão, endividar-se não é um problema, pode ser uma estratégia, o problema é quando esse endividamento fica demasiado alto e, sobretudo, quando os tempos de pagamento passam a ultrapassar todos os prazos", disse.

No seu entender, "o problema não é a dívida, o problema são as dívidas vencidas há mais de 90 dias" e as faturas que não são pagas a tempo.

"A dívida cria problemas de eficiência grave", porque leva "a uma situação de negociação, onde o Estado é muito fraco face às empresas farmacêuticas e empresas de dispositivos médicos", sendo-lhe muito difícil pedir diminuições de preços.

E este endividamento é "um sinal de preocupação" da capacidade de gestão do orçamento do Serviço Nacional de Saúde que é dado às instituições internacionais, vincou.

Injeções financeiras são um "prémio à má gestão" e ao endividamento

Durante a audição, o deputado social-democrata Ricardo Batista Leite observou que houve um aumento de 60% na dívida vencida entre dezembro de 2015 e novembro de 2018 e que, desde que foi construída a estrutura de missão, em março, esse aumento foi de 14%.

Para Julian Perelman, a dívida reflete também o esforço que tem sido feito em termos do Estado para assumir despesas do SNS.

"O problema é que não será a melhor forma de assumir a despesa", disse, defendendo que "o ideal era tentar o mais possível, em vez de pagar essa despesa de forma atrasada, por causa da acumulação da dívida, poder fazer-se isso antecipadamente", contemplado no orçamento inicial dos hospitais qual vai ser a despesa.

Apesar dos problemas decorrentes do envidamento, as injeções financeiras nos hospitais para pagamento das dívidas são "um prémio à má gestão" ao endividamento, defende Perelman.

"O problema das injeções financeiras é que estão associadas a risco moral", afirmou Julian Perelman, na audição na comissão parlamentar da Saúde, requerida pelo PSD para "obter esclarecimentos sobre o desenvolvimento desta entidade e as medidas entretanto propostas com vista ao favorecimento do equilíbrio e da sustentabilidade do SNS";

Julian Perelman explicou que "o problema é que quem tem mais dívida, recebe mais dinheiro: Se eu tenho um hospital que está altamente endividado eu sei que vou receber mais dinheiro e no fundo não vale a pena estar a controlar a dívida porque se tenho pouca dívida vou receber menos dinheiro".

"No fundo é um prémio à má gestão, um prémio ao endividamento", disse o coordenador da estrutura. Por essa razão, adiantou, "os hospitais têm todo o interesse em não pagar antecipadamente, utilizando o dinheiro para outra coisa, para investimentos, recursos humanos, porque mais tarde ou mais cedo o Ministério das Finanças vai acabar por pagar" a dívida.

Recomenda-se que as injeções financeiras feitas de forma faseada

Segundo o coordenador da estrutura, as injeções financeiras têm sido "muito pouco efetivas", com um impacto de muito pouco prazo.

"Diminui a dívida, mas um mês depois volta a aparecer porque, no fundo, os hospitais não têm grande incentivo para controlar essa dívida", além de que, quando um hospital recebe uma injeção de capital "é a porta aberta para assumir outros compromissos".

Para ultrapassar esta situação, a Estrutura de Missão faz uma primeira recomendação "muito simples", que as injeções sejam feitas de forma mais discreta, mais faseada, e sobretudo que não tenham apenas como critério o nível de despesa.

"Nós não podemos estar a dar mais a quem se endivida mais", disse o responsável, defendendo que essas injeções não sejam feitas apenas em função da dívida, mas assentes em critérios de eficiência e da dimensão da atividade.

Projeto de autonomia dos hospitais em concretização

Julian Perelman adiantou que, para "diminuir a dimensão do problema", está em concretização o projeto de autonomia e financiamento dos hospitais para 2019.

"A ideia deste projeto é que tem de haver um reforço orçamental para os hospitais para aproximar os orçamentos às suas necessidades", mas, defendeu, "é preciso haver uma segurança clara de que o dinheiro vai ser bem alocado" e há garantias de um certo nível de eficiência.

Para isso, os hospitais foram divididos em três grupos: o grupo dos muito eficientes, dos medianamente eficientes e dos de eficiência mais baixa.

Hospitais com melhor gestão vão ser premiados

O coordenador da estrutura adiantou que houve um reforço global de 580 milhões das transferências para os hospitais, mas defendeu que tem de haver "um controlo apertado" da gestão dos hospitais para prevenir situações de risco que possam aparecer.

"Há uma decisão de haver um reforço dos hospitais, mas tem que haver um compromisso claro, com uma avaliação de desempenho em termos de qualidade, mas também dos conselhos de administração e dos indicadores económico-financeiros", defendeu.

E de acordo com a proposta da Estrutura da Missão, os hospitais com uma melhor gestão, eficiência e uma melhor qualidade dos cuidados prestados vão ser premiados. E os que mostram uma má gestão vão ser penalizados. "No fundo a ideia é que haja um acompanhamento para todos os hospitais. O acompanhamento já existe, já está previsto. A questão é que esse acompanhamento passa a ser muito mais sistemático, muito mais regular e centrado na própria gestão dos hospitais", começa por explicar ao DN o coordenador.

"Com esse acompanhamento esperamos haja uma melhoria da eficiência dos hospitais e que possam os hospitais receber um verdadeiro apoio no terreno, propor medidas e participar na sua implementação prática. Esse é que é o ponto principal. Depois o que está previsto é que depois haja prémios e que um hospital em que a situação não esteja a melhorar e que apesar de haver medidas essas não sejam implementadas haja a possibilidade efetivamente de penalizações", afirmou.

Perante os deputados, Julian Perelman referiu que "em 2019 os hospitais que tiverem mais reforços financeiros são os mais eficientes, mas a cenoura que damos aos outros é que se vocês conseguirem melhorar a vossa eficiência para 2020 também vão ter um reforço mais importante".

Estima-se que a geração da dívida para 2019 seja reduzida em 60%

Além do reforço financeiro, é esperado que as medidas de controlo de gestão e de acompanhamento propostas pela Estrutura de Missão tenham um impacto no problema do endividamento. "A nossa estimativa é que a geração da dívida para 2019 seja reduzida em 2019 em 60% face a 2018. Não depende só do reforço orçamental mas da estimativa da eficiência", referiu.

Uma estimativa da Estrutura de Missão, que está "relacionada com o aumento do orçamento [para a saúde] que foi aprovado para 2019, portanto um reforço financeiro em todos os hospitais do SNS e isso espera-se que tenha um impacto substancial na redução da dívida. O segundo ponto diz respeito à melhoria da eficiência e isso é obviamente uma estimativa que terá de ser confirmada pelos factos, mas a nossa ideia é que os hospitais menos eficientes de acordo com o seu contexto e com o seu grupo possam ser considerados os mais eficientes do seu grupo", especifica ao DN.

Segundo uma auditoria do Tribunal de Contas, divulgada na terça-feira, a dívida do Serviço Nacional de Saúde a fornecedores e credores totalizou 2,9 mil milhões de euros em 2017, o que representa um agravamento de 51,6% face a 2014.

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