A desconfiança sobre a 'tradutora' portuguesa de Dan Brown fechada num bunker

Baseado nos processos de tradução dos <em>bestsellers </em>de Dan Brown, <em>Os Tradutores</em> é um <em>thriller </em>francês marcado pela presença de Maria Leite, atriz portuguesa que brilha ao lado de Olga Kurylenko. É a primeira ficção a estrear nesta retoma dos cinemas.
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Os atores estrangeiros estão mesmo na moda internacionalmente? Será tudo uma questão de contextos de produção? Ou será que já é provinciano reparar e lançar foguetes quando se vê um ator português a aparecer num filme estrangeiro? Numa altura em que Nuno Lopes é o protagonista de White Lines, a série que não descola do top da Netflix, e que Alba Baptista se anuncia como vedeta de Warrior Nun para a mesma Netflix, talvez seja conveniente não deixar escapar Maria Leite, uma das atrizes de Os Tradutores, de Régis Roinsard, um thriller literário que chega aos cinemas nesta semana a fazer figura de teste no mercado ainda reduzido.

Ao lado da atriz que foi presença fortíssima recentemente em obras como Linhas Tortas, Mutant Blast ou Diamantino estão nomes consagrados do cinema europeu como Olga Kurylenko, Lambert Wilson, Eduardo Noriega ou o italiano Riccardo Scamarcio.

Os Tradutores é sobre um grupo de tradutores de vários países da Europa contratados para traduzirem em simultâneo a terceira parte da trilogia Dedalus, a obra literária mais vendida de sempre, um pouco de facto aconteceu com alguns livros de Dan Brown. Maria Leite é Telma, a tradutora portuguesa, bela moça de cabelo rapado e com tendência para dizer todo o tipo de asneiras na nossa língua. Convém apenas informar que o editor desconfiado obriga-os a ficarem todos retidos num bunker sob as mais apertadas medidas de segurança. Escusado será referir que um dos tradutores porta-se mal e ameaça o editor de colocar online as primeiras páginas do tão ansiado livro. A partir daí, todos são suspeitos e o clima azeda...

Com umas pitadas de Brian De Palma e um espírito de reflexão sobre o mercantilismo do mundo dos bestsellers, o realizador francês aposta num thriller em o que está em causa são os twists e a fórmula do mistério sobre o culpado. Vale sobretudo pelos atores e aí a Telma de Maria Leite marca pontos. "O filme tem várias componentes, é um prato variado: tem elementos de policial, suspense e uma carga política muito forte, fazendo-se uma defesa da democracia e um combate à opressão neoliberal, sendo estes tradutores tratados como corpos como máquinas de produção. Diria que as personagens principais são a Literatura e o diálogo...", diz-nos ao telefone do Porto, horas antes de ido para a rua manifestar-se na manifestação dos artistas contra as políticas culturais do governo.

A luta desta atriz faz sentido. Na altura em que conseguiu ser convidada para fazer uma self-tape para tentar este relevante papel num filme francês, estava sem trabalho e a ganhar a vida num Airbnb. A exposição que este filme multieuropeu poderá ter-lhe dado é algo que a própria atriz acha relativo, sobretudo nesta altura: "A minha experiência é que cada projeto é um projeto e nunca poder antecipar muitos frutos. Há que encarar filme a filme e o que poderá vir ou não já é uma consequência com a qual não podemos ter ação direta nem forçar nada. Confesso que não deposito grande fé, isto pode ter sido apenas uma coisa que aconteceu só uma vez. Se pudesse fazer isto a minha vida toda... adoro cinema. Infelizmente, neste momento não posso viver só disto. Quando penso na minha carreira - e carreira com aspas - vejo que não é sustentável. Assim não dá para continuar a ser atriz em Portugal. Mas ficaria extremamente grata se do estrangeiro surgissem mais convites para fazer aquilo que amo."

Sente-se que a voz triste de Maria Leite não é de lamúria, é coisa profunda. A sua excelente interpretação no low budget Mutant Blast e o belo registo em Linhas Tortas, de Rita Nunes, não são trabalhos que lhe possam pagar a renda - são apenas as chamadas sessões pagas a recibo verde. Maria é dos exemplos dos muitos artistas que sofre com o facto de não haver o estatuto de artista intermitente. "Não sei qual é neste momento a imagem que é veiculada da nossa profissão, mas sei que há uma glamourização excessiva e danosa, sobretudo em relação a pressão política! Renego essa glamourização, é falsa!", esclarece.

Para já, só poderemos ver Maria Leite em Os Tradutores nos cinemas Castello Lopes abertos em Santarém e Guimarães. Mais tarde, chegará a vez de Lisboa, Porto e o resto do país.

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