Estrangeiros que lutaram por Kiev condenados à morte no Donbass

Dois britânicos e um marroquino vão apelar da decisão do tribunal dos separatistas pró-russos de Donetsk, com Londres "profundamente preocupada" com a situação.
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Dois britânicos e um marroquino que foram capturados quando combatiam pela Ucrânia foram ontem condenados à morte por um tribunal na autoproclamada República Popular de Donetsk, uma das regiões do Donbass cujo controlo a Rússia procura assegurar. O Reino Unido condenou esta sentença, alegando que, como "prisioneiros de guerra" e ao abrigo da Convenção de Genebra, têm direito a "imunidade e não podem ser acusados por participar no conflito". Mas para os separatistas pró-russos, são mercenários que não têm qualquer direito.

Os britânicos Aiden Aslin, de 28 anos, e Shaun Pinner, de 48, renderam-se em abril em Mariupol, enquanto o marroquino Saaudun Brahim se tinha entregue em março, em Volnovakha. Segundo os media britânicos, Aslin mudou-se para Mykolaiv em 2018, tendo-se tornado num fuzileiro no exército ucraniano nesse mesmo ano. Está noivo de uma ucraniana e já tinha lutado ao lado dos curdos na Síria, contra o Estado Islâmico. Pinner também vive há quatro anos na Ucrânia, tendo-se mudado para o país para aproveitar a sua experiência no exército britânico e dar formação aos soldados ucranianos. É casado com uma ucraniana. Não há muitas informações sobre o cidadão marroquino, não tendo havido reação do governo de Rabat.

Durante o julgamento de três dias que a chefe da diplomacia britânica, Liz Truss, apelidou "de fachada e sem legitimidade", os três declararam-se culpados de cometer "ações destinadas a tomar o poder e derrubar a ordem constitucional" em Donetsk e de terem "recebido treino com o objetivo de empreender atividades terroristas. Mas negaram ser mercenários contratados por Kiev - sendo contudo condenados pelos três crimes.

Os três foram considerados culpados pelo Supremo Tribunal da República Popular de Donetsk - que é reconhecida apenas pela Rússia, pelo que o tribunal não tem também reconhecimento internacional. Segundo os media russos, as penas previstas para os vários crimes vão dos três aos 20 anos de prisão, contudo o facto de estarmos em tempo de guerra agrava as sentenças para a pena de morte - que será por fuzilamento. Foi esta a sentença pedida pela acusação e proferida pelo tribunal, com os combatentes a terem um mês para apelar (o advogado terá dito que o vão fazer) ou pedir um perdão do líder da região separatista.

"Vamos continuar a trabalhar com as autoridades ucranianas para tentar garantir a libertação de qualquer cidadão britânico que está a servir nas forças armadas ucranianas e que está como prisioneiro de guerra", disse um porta-voz do governo britânico. O primeiro-ministro Boris Johnson tem sido um dos grandes defensores de Kiev, tendo ainda ontem dito que qualquer tentativa de impor uma "má paz" à Ucrânia - através de concessões territoriais à Rússia - seria "moralmente repugnante". Um contraste com o presidente francês, Emmanuel Macron, que foi criticado por alegar que o Ocidente "não deve humilhar a Rússia" mas dar uma "saída" diplomática ao presidente Vladimir Putin.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros ucraniano lembrou que os três eram militares das forças armadas e que por isso têm direito ao estatuto de prisioneiros de guerra. "O governo ucraniano vai continuar a fazer todos os esforços para libertar todos os defensores da Ucrânia", indicou, lembrando que o "inimigo está proibido de abusar, intimidá-los ou comportar-se de forma desumana com eles". E apelidaram o julgamento de "inútil".

No terreno, os combates pelo controlo de Severodonetsk decorrem "rua a rua, casa a casa", segundo disse um comandante à televisão pública. Petro Kuzyk queixa-se de que as forças de Kiev têm uma "catastrófica" falta de armas para combater a artilharia russa, pedindo "tecnologia séria" para poder ripostar. E parece rejeitar a possibilidade de retirada para a vizinha cidade de Lysychansk (só um rio as separa): "Há ordens para manter as posições e nós mantemos".

A Ucrânia tem pedido armas de longo alcance aos aliados ocidentais, com EUA e Reino Unido a prometerem enviar alguns dos seus sistemas. Kiev quer as armas o mais rapidamente possível, mas os soldados ucranianos não estão preparados para operar este armamento, com o Pentágono a dizer que o treino dos militares pode demorar tempo. "Temos que ter certificar estes homens para garantir que sabem usar o sistema corretamente", indicou o general Mark Milley.

Segundo o ministro da Defesa ucraniano, Oleksiy Reznikov, diariamente estão a morrer cerca de cem soldados na linha da frente de combate contra a Rússia. O assessor do presidente Volodymyr Zelensky, Mykhaylo Podolyak, admite um número diário de baixas entre os 100 e os 200.

susana.f.salvador@dn.pt

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