Meu Deus, eu, de esquerda, e só me faltava esta: sofrer pelo PSD... É um problema que se agrava. Antigamente confrontava-me com a fria ministra das Finanças, Manuela Ferreira Leite, e agora vejo a clarividente e humana comentadora Manuela Ferreira Leite... Pacheco Pereira, um herói na cruzada anti-Sócrates, a voz mais clarividente sobre a tragédia da troika passista... tornou-se uma bússola! Quanto não desejei que Rangel tivesse ganho a Passos naquele congresso trágico para o país?!... Pudesse eu escolher para líder a seguir a Rio, apostava tudo em Moreira da Silva ou José Eduardo Martins... O PSD tomou conta dos meus pesadelos! Precisarei de ajuda...?.Imagino por vezes com suores frios uma tragédia em que no final Santana fica no foguetório e os sociais-democratas acabam iguais ao PS francês, italiano ou aos outros "P-esses" sem D - menos o PS português, que se transformou no centro de tudo....O nosso querido e original PSD, baluarte do sistema democrático, garante dos bons e maus interesses partilhados com o PS, enfim, devastado....O seu depauperamento abre a porta à italianização da direita com o regresso, desta vez já não avantlalettre, da cantilena populista de Passos e dos seus goldenboys. Enquanto muitos vão pulando a cerca..Ontem foi outro dia de sofrimento. Rio merece sobreviver! É um tipo de homem que o povo entende. E gosta. Faz parte da história dos homens austeros, focados em contas simples e pão-pão-queijo-queijo. Há uma linha que os une: Salazar, Marcelo (Caetano), Eanes, Cavaco, Passos (holograma) e agora Rio. Não que o povo não vote também nos seus contrários - Soares, Sá Carneiro, Guterres, Durão, Sócrates (holograma), Costa, Marcelo (PR). Mas note-se: o Portugal profundo refugia-se em homens da velha guarda nas alturas de crise. O que não é o caso destes tempos..Por isso Rio está fadado a perder. Como todas as equipas, aliás, que jogam contra um adversário que tem os milhões do seu lado. Qual estratégia, qual liderança. Centeno, também chamado "o Ronaldo das Finanças", tem o défice mais baixo da história recente e pode despejar milhões de atualizações salariais e obra pública em ano eleitoral. Somem-se os milhões que o turismo traz em IVA para abater no défice. E, no final, está escrito nas estrelas - ganha o PS..Sim, Montenegros e quejandos querem que o PS vença por menos. Mas isso também Rio. A pergunta fatal nesta contenda é outra: para o povo, Montenegro é mais credível como potencial primeiro-ministro do que o ex-autarca do Porto? Talvez não cheguemos sequer aí. Dito de outro modo, à americana (sem um palavrão no meio): "Who"sMontenegro?" Entre ele e Montecristo (assim escrito para fazer pandam) ganhava quem numa sondagem de notoriedade? Mais do que isto é ficção. Ou jornalismo político..Memória: Rio tem na lapela a medalha de ter ganho o Porto em 2001 a Fernando Gomes, seguida de duas maiores absolutas, isto apesar da hostilidade dos dragões..Montenegro ganhou o quê, quando e onde?.Rio pode viajar com as suas vitórias ao peito pelo país como herói nacional e reformar-se da política depois deste sincero contributo cívico. Não é pouco..Na Invicta, o facto mais apreciado da gestão Rio foram as contas à moda do Porto. Facto raro entre nós. Coisa que boa parte do país até nem se importaria de ter..Recordo, no entanto, dessa era autárquica, o outro lado de Rio - o Rui. A relação entre jornalistas e a Câmara do Porto era péssima. Era igual à que os clubes de futebol têm com os jornais desportivos que detestam..Estava eu na direção do Público, em 2002, quando o conflito se ia agravando todos os dias. Começou pela reação do jornal (em editorial) contra o "regulamento dos arrumadores" na qual o Porto, na prática, varria para as bordas (Gaia, Matosinhos, clandestinidade...) a mole de toxicodependentes que pediam moedas nos estacionamentos..Deve dizer-se que, muito influenciado por alguns dos gurus dos tratamentos em metadona da altura, Rio quis "conduzir" estas pessoas para uma estratégia de recuperação assistida, com programas especiais. A intenção podia ser boa mas, como se imagina, a opinião escrita contra esta "limpeza étnica das ruas foi para Rio a gota de água. Vai daí, o instinto sanguíneo de Rui levou-o a proibir o Público de estar nos atos públicos da Câmara do Porto durante algum tempo, além de não fornecer informação camarária básica - obras em ruas, cortes de fornecimento de água, etc..Na altura, diga-se, não havia grande problema com isso porque o JN também levava forte....Um dia, Rui ou Rio (não sei qual) fez queixa ao Presidente da República sobre o clima de hostilidade dos jornais da cidade. Jorge Sampaio enviou um negociador ao Porto, numa quente tarde de verão, para tentar mediar a guerra. Que não deu em nada, claro. Só o tempo curaria a ferida. Em 12 anos, nunca curou..Naturalmente, também havia tiques de obra de regime. Rui gostava de automóveis, acreditava naquele tipo de turismo e investiu alguns milhões nas ruas por onde andaram os ruidosos e fumarentos bólides da prova automobilística da cidade. Coisa tão anacrónica (já na altura) como pensarmos hoje em criar uma sala de fumadores num jardim infantil..Mas, que diabo, Rio fez obras nos bairros sociais, apoiou outras festas populares (não apenas festivais "modernos") e era cauteloso no urbanismo (aliás, aquilo não funcionava muito bem, o que estragou menos a cidade)..Sendo um homem na esquerda da direita, fez jus às suas raízes ideológicas de juventude e deixou uma autarquia humilde na obra e rica nos cofres. Se chegasse a primeiro-ministro, Rio iria fazer contas certinhas, sem demasiados consensos-cheques..Uma última nota. Em 2011 defendi numa televisão que as eleições deveriam ser disputadas, naquele momento pré-troika, não por Sócrates e Passos, mas por Costa e Rio (cada um deles estava, na altura, nas câmaras de Lisboa e Porto). Tenho a certeza de que teríamos feito muito menos disparates se, na altura, um ou os dois tivessem pegado nisto. Não foi na altura? Pois que concorram agora. Não vejo melhor.