Álvaro Laborinho Lúcio tem 78 anos e seis filhos - já quatro netos - que não acreditam no que ele lhes está sempre a dizer: que "vai acalmar". Pelo menos por agora, o juiz conselheiro jubilado, ex-ministro e ministro da República para os Açores, entre outras coisas, tem mesmo de o fazer. Os últimos tempos, tem-nos dedicado à à intervenção cívica e à escrita, editou o terceiro romance, "O Beco da Liberdade", em setembro. Os filhos têm entre 17 e 48 anos - e a diferença de idade vai determinar os que passarão este dia do pai com ele, ao contrário dos restantes..Esta é uma conversa sobre o Dia do Pai e que merece uma declaração prévia do entrevistado, Laborinho Lúcio, que não costuma falar sobre a vida privada. Nunca dei uma entrevista destas, nunca falei da minha vida pessoal, da minha vida privada, porque é isso mesmo, privada. Hoje decidi fazê-lo: no momento em que o país inteiro está metido em casa é uma boa altura para refletir. Creio que há um conjunto de valores aos quais temos de voltar numa dimensão de procura de outra forma de construir felicidade. Estarmos todos a conversar uns com os outros, estarmos a dar-nos uns aos outros, é muito importante para vencermos este desafio que estamos a viver..Acredita que vamos sair melhores enquanto pessoas? Espero bem que sim. Quando sairmos disto - as consequências vão ser brutais nomeadamente a nível económico, social -, há um aspeto que julgo ser importante e em que vale a pena pensar: se aquilo que temos andado a fazer nos leva para o caminho certo? Até que ponto não temos aqui um momento, preocupados com o que está a acontecer mas porventura com mais tempo, para refletir sobre o que é verdadeiramente essencial..Um Dia do Pai diferente? O que vai fazer? Este ano, a imaginação, por muito grande que seja, não permite grandes alternativas. Estou em casa, com uma parte da família. Os meus dois filhos do primeiro casamento estão no Algarve, vou estar em contacto com eles pelo telefone, telefonamo-nos regularmente e encontramo-nos em determinadas ocasiões, só que, desta vez, vai ser pelo telefone. Depois tenho uma rapariga que é médica e está na linha da frente, exerce em Coimbra e vamos conversando várias vezes ao dia. Os restantes três vivem connosco, o rapaz e as nossas duas filhas, é com estes que vou passar fisicamente o Dia do Pai..Está mais preocupado com a filha médica? Está numa zona de uma grande vulnerabilidade e é claro que nos preocupa, justamente, pela circunstância em que está, e a todos como ela, que estão a desenvolver um trabalho notabilíssimo. Por outro lado, a minha dimensão de pai não deixa de sentir um orgulho pelo que está a fazer..Houve anos em que conseguiu juntar todos à mesa? Ainda não, nem no Natal, mas tenho a esperança de o conseguir..E no Dia do Pai? Normalmente, estou uma vez com uns e outras vezes com outros. Tenho a felicidade de não precisar muito destes dias para criar afetos à minha volta. E portanto, o Dia do Pai, tem uma simbologia própria, mas não é mais do que a confirmação do quotidiano da nossa relação. O estar junto acaba, muitas vezes, por ter menos importância do que a dimensão do desejo de estar junto. Como sabemos, muitas vezes, infelizmente, aproveitam-se estes dias para se estar junto e fica-se dai despachado..Quase como marcar o ponto. Exatamente, para nos, é muito bom estarmos uns com os outros, mas o que vale mesmo é o desejo de o estarmos juntos..Costumam dar-lhe presentes? Costumam porque gosto muito de receber presentes. E fazem sempre surpresas, tudo isso comandados pela mãe..Que tipo de presentes? Chocolates, sou muito guloso, uma ou outra peça de roupa, e cada uma das mais novas escreve um texto para o pai..É uma família construída em várias fases da vida e que tem várias gerações..São três gerações: uma primeira geração e que é a dos filhos mais velhos, de 43 e 36 anos, respetivamente; a segunda geração é a dos filhos da minha mulher, de 36 e 27; e a das mais novas, de 17 e 18 anos..Foi um pai diferente com cada uma dessas fases?.Não sei responder muito bem a essa pergunta. Tenho uma ideia entre o pai que gostava de ser e o que consigo ser. Entre o pai que gostava de ser não há diferença nenhuma, entre o pai que consigo ser, a melhor pessoa para responder a isso são os próprios filhos. Numa família com estas características, é muito difícil distinguir um elemento para lhe atribuir virtudes ou defeitos. É na relação familiar que se encontra uma síntese final e essa síntese, quando olho para o conjunto dos seis filhos, deixa-me satisfeito por aquilo que vejo..Teve o primeiro filho aos 30 anos, que tem menos 31 anos do que a filha mais nova, foi pai em contextos diferentes, de que forma isso interferiu na educação deles?.Independentemente dos utensílios que tínhamos à nossa disposição, há uma característica minha que é a irrequietude e essa foi-se mantendo e ainda hoje se mantém. Essa irrequietude levou-me ao exercício de uma série de funções públicas, que são conhecidas, e fez com que os mais prejudicados com a dimensão da exigência dessas funções tivessem sido os primeiros, os mais velhos..E com os mais novos? Mantendo-se a irrequietude, passei a poder fazer muito mais aquilo que escolhia e, portanto, a encontrar também mais espaços de liberdade pessoal. Mas, por exemplo, os mais novos ainda tiveram que me acompanhar para os Açores durante três anos, circunstância que nos fez muito bem. Fomos para um mundo diferente do que estávamos habituados, ficámos com um conhecimento profundo de uma nossa região que é extraordinária e, pela minha parte, foi uma experiência política muito interessante. Quando assim é, transmite-se também ao conjunto da família..São os três que continuam em casa? São..Foi tão exigente com os primeiros como com os últimos, nomeadamente com os estudos? Tenho mais tempo agora evidentemente, até porque posso ser eu a escolher o modo como uso o tempo, mas todos eles estão já a caminhar por si, mesmo na preparação dos estudos. Há um acompanhamento de interesse, do querer saber, do estar disponível, mas já não há o constrangimento da preocupação diária com a prestação escolar..Mesmo com os tempos diferentes? Sim, a exigência foi a mesma - embora com características diferentes até pela diferença dos tempos -, dando sempre muita liberdade, muita procura pelo desenvolvimento de um sentido de responsabilidade deles próprios, sendo que nesta matéria, mercê das várias atividades que fui exercendo, o papel da mãe foi sempre de maior presença do que o meu de pai..Eles fazem alguma comparação? Eles têm uma relação muita engraçada, porque é uma relação com uma grande diferença de idades. Brincam muito quando estão juntos, embora o estar juntos não aconteça tantas vezes como gostaríamos. A relação deles é divertida, bem disposta, não há propriamente um perfil de comparação, não os vejo fazer isso..Brincam, também, com algumas características do pai? De vez em quando, brincam, sobretudo com uma coisa que é muito comum. Todos se divertem comigo quando digo que vou parar um bocado e ter uma vida mais calma. Divertem-se todos porque ninguém leva a sério..Algum estudou Direito como pai? Os dois mais velhos são formados em Direito, o mais velho é advogado e o segundo é empresário. A rapariga é pediatra, o mais novo desse grupo terminou agora o mestrado em Artes Cénicas, depois de se licenciar em antropologia. As outras duas, a mais velha está no ensino superior em Intervenção em Espaços Educativos e a mais novinha está a acabar o 12. º ano na expectativa de seguir gerontologia social..E tem netos. Tenho quatro netos, dois de cada um dos filhos mais velhos, o mais velho tem 15, depois tenho um de 9, de 7 e a mais novinha, de 6 anos..Como se sente no papel de avô? É uma relação mais distante, pelas circunstâncias da vida, onde vivem, etc., não nos faz ter uma maior aproximação. Como avô é que sou muito ausente, tenho alguma esperança em ainda poder criar uma aproximação maior. Falamos, temos boas conversas, mas é uma relação diferente. Com a mais pequenina, a relação começa a ser mais substantiva, com a mais velha, embora seja uma relação bastante entrecortada, tenho uma sintonia afetiva muito forte. Com os outros dois do meio, conversamos muito, sobre a prática desportiva. Eles gostam muito de desporto, o avô também, em especial do futebol, um deles quer ser guarda-redes como o avô e o tio também foram..Qual é o seu clube? O meu clube é Sporting, mas eu sempre estive ao lado daqueles que precisam de apoio, mais um bom argumento, escolhi bem..O que está a fazer neste momento? Cancelei tudo até ao fim de maio. Hoje em dia tenho uma atividade muito diversificada, sobretudo no domínio das intervenções cívicas, a que me sensibiliza mais é a educação. E, sobretudo, tenho escrito, estou a fazer o desmame do terceiro romance, que saiu em setembro de 2019, para arquitetar o quarto..Vai ter tempo Vou ter tempo, não sei se a disposição é a melhor. É curioso que tenho sentido que tenho algum jeito para estar quieto, o que eu não sabia, e isso também é bom, vamo-nos reencontrando.."O coronavírus terá um grande impacto nos nossos filhos".O escritor Bruno Vieira Amaral vai estar hoje com dois dos seus filhos, os que vivem com ele. O mais velho, de um anterior casamento e que vive com a mãe, dificilmente poderá estar com o pai: "Estamos a tentar restringir ao máximo as deslocações, por isso continuará em casa da mãe e estarei apenas com os dois mais pequenos." A forma de se "encontrar" será através do telefone: "Como já tem 15 anos, o Dia do Pai já não é para fazer desenhos e oferecer-me. Mas vamos falar como é habitual, todos os dias, e hoje também.".Este Dia do Pai não será igual aos anteriores: "Iremos aqui perto dar uma volta, o mesmo que temos feito nestes últimos dias, numa espécie de bosque suburbano que dá para passear e apanhar um pouco de sol. Mesmo que o tempo esteja bom, não será possível dar mais do que essa volta, mas é fundamental saírem de casa e fazer uma interrupção na rotina que até há pouco era a de ir à escola e estarem com os amigos - agora é bem diferente.".Qualquer um dos filhos sofre com esta alteração na vida devido à quarentena. "Provavelmente até mais do que nós", diz Bruno. Quanto ao tempo que ainda falta para terminar o distanciamento social, Bruno Vieira Amaral deixa tudo em aberto: "Acho que nos devemos preparar do ponto de vista mental para este desafio grande e que poderá ser uma situação a manter-se, pois estamos só no início. Basta olhar para o que tem acontecido noutros países, que estão numa realidade mais adiantada, para vermos que isto deverá continuar assim nos próximos tempos. Não deverá haver grandes alterações, e as que houver serão no sentido de restringir ainda mais os movimentos.".Estarmos preparados para o que ainda vem por aí e ter paciência é o conselho do escritor: "O mais importante é fazermos uma espécie de aprendizagem do tédio, como no caso das crianças. A minha filha tem 7 anos e o meu filho 4 e querem sempre estar a fazer qualquer coisa, mas nestes próximos tempos em que têm os dois pais a trabalhar em casa precisam de se adaptar e aprender a viver com aqueles períodos em que não têm nada para fazer. Nada que não seja positivo nesta situação negativa. Também é bom aprendermos a fazer nada."."Como qualquer situação que interrompa o curso normal da vida, seja uma catástrofe ou situações pessoais que interferem também bastante com as nossas vidas e têm o mesmo efeito de alteração repentina que nos obriga a questionar e a pensar. A morte de alguém, um divórcio, a perda de emprego... É claro que é a uma escala muito mais reduzida e pessoal, mas que também nos obriga a repensar. Desta vez estamos todos a repensar ao mesmo tempo"..Entre as diferenças desta crise para outras na vida das pessoas está a de que "tudo o que se tinha por adquirido fica em causa e somos obrigados a pensar". A diferença, acrescenta, "é que nós estamos a viver isto neste momento numa escala muito larga, somos todos a viver ao mesmo tempo uma situação igual"..A reação dos filhos ao que está a acontecer com a pandemia do coronavírus é de questionamento. "Tenho a certeza de que será uma memória que lhes vai ficar gravada e que terá efeitos na forma como se relacionam, como vivem e veem o mundo. Estão a sentir uma alteração profunda nos hábitos do dia-a-dia e, provavelmente, não conseguem exprimir tudo o que estão a vivenciar e as dúvidas que têm neste momento, mas acredito que terá um grande impacto nos nossos filhos, na cabeça dos filhos. Se calhar, veremos isso quando tudo isto passar, que espero seja mais cedo do que tarde. E eles estão numa fase da vida em que absorvem tudo e todas as coisa são tremendamente importantes. Estão a descobrir o mundo e precisam de rotinas, estão a viver um momento que gera insegurança e incerteza pelas mudanças que traz. De repente, veem os dois pais em casa, as aulas foram suspensas e tudo isto abala a segurança das crianças. Não tenho qualquer dúvida de que isto vai ter impactos muito profundos na saúde mental dos adultos e também o terá na mundivisão das crianças, daí que tenhamos de normalizar a situação e fazer que a alteração no ritmo da vida deles seja o mínimo possível.".As repercussões da pandemia também acontecem a outros níveis, mesmo que não tenham que ver com o Dia do Pai. É o caso do novo livro de Bruno Vieira Amaral, que teve o lançamento adiado e, em vez de ser no próximo dia 9, ainda está sem data prevista: "Pode ser no início do verão ou mais tarde. Neste momento ninguém sabe como vai ser." É um livro de contos intitulado Uma Ida ao Motel e Outras Histórias, um género literário nem sempre muito bem recebido pelos leitores portugueses, mas que o autor acha que irá superar essa barreira: "Não é recetivo aos contos nem à literatura em geral. O panorama geral é negro e, creio, não haverá diferenças substanciais entre os registos literários. Em regra, diria que os romances vendem mais do que os contos, mas não vale a pena pensar nessas questões.".Quanto a estes tempos poderem inspirar os escritores, Bruno Vieira Amaral considera que ainda é cedo: "Não sei dizer ainda, é uma situação de tal forma nova e perturbadora do nosso ritmo de vida normal, que nos obriga a pensar, a repensar e a pôr em questão uma série de coisas. Não sei se daqui resultará alguma coisa diretamente relacionada com esta situação, escrever sobre a quarentena ou uma ameaça pandémica provavelmente levará, nem que de uma forma indireta, à produção de livros que não estariam nos horizontes de alguns escritores."