Nos últimos seis anos (de 2011 a 2017) as várias burlas ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) causaram prejuízos ao Estado num montante superior a 300 milhões de euros, adiantou fonte da Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC), da Polícia Judiciária. Os inspetores da UNCC fizeram mais uma operação, anunciada ontem, em que foram detidos um médico e três delegados de informação médica, por dois crimes de corrupção ativa e passiva, falsificação de documento e burla qualificada. O prejuízo para o Estado deste esquema montado a quatro há pelo menos um ano e meio ainda está a ser apurado mas será na ordem dos "vários milhares de euros"..A fraude terá começado em abril de 2016, quando entrou em vigor o novo sistema de receituário, as receitas sem papel, apregoado pelo Governo como um serviço com maior segurança para profissionais e utentes. O médico agora detido, de 57 anos, prestava serviço há muitos anos no Centro de Saúde de Queluz. Três delegados de propaganda médica, a trabalharem para multinacionais farmacêuticas - e que cobriam os concelhos de Amadora e Loures, na Grande Lisboa - terão aliciado o médico a passar as receitas desmaterializadas aos seus utentes , com os medicamentos indicados por eles. Desta forma, os profissionais cumpriam e até superavam os seus objetivos de vendas, e, em troca, o clínico ganhava umas viagens e estadias em hotéis de luxo..Na posse dos códigos de acesso para poderem levantar as receitas sem papel, os delegados de informação médica iam às farmácias fazendo-se passar por familiares dos utentes, segundo descreveu fonte da UNCC ao DN. O esquema revelou que a boa fé dos técnicos das várias farmácias onde estes delegados passaram comprometeu a tão propagada segurança das receitas sem papel, que incluem um "código de acesso e dispensa" fornecido apenas ao utente pelo médico para validação da dispensa dos fármacos. Já depois de terem os medicamentos, muitos deles comparticipados, revendiam no mercado paralelo ou, em alguns, casos, destruíam-nos, referiu a fonte..Foram algumas das várias farmácias visadas, nas zonas de Amadora e Loures, a denunciar à PJ a desconfiança que lhes mereceu as visitas dos alegados familiares de pacientes para levantarem medicamentos. Os suspeitos dispersavam a sua ação por várias farmácias, para não darem nas vistas..Médico detido em casa de férias.Nesta operação, designada de "Receita sem Papel", os inspetores da UNCC fizeram várias buscas às residências e escritórios dos quatro detidos, na Grande Lisboa e Algarve. Aliás, o médico foi detido quando se encontravana casa de férias de um dos delegados, no Algarve. E um dos delegados de informação médica foi detido em casa, em flagrante delito, por posse de arma proibida. O clínico já estava referenciado em outras investigações por burlas ao SNS mas nunca tinha sido detido antes ou constituído arguido. Os três delegados de informação médica, com 38, 42 e 50 anos, também não tinham antecedentes criminais..Aliás, um dos delegados acabou detido em flagrante delito em sua casa por posse de arma proibida: o suspeito detinha vários sabres, punhais e uma soqueira..Os inspetores da UNCC estão ainda a apurar se o esquema teria começado ainda antes de entrar em vigor a desmaterialização das receitas.."Foram criados pelos detidos cenários de prescrição de medicamentos em desconformidade com a legislação aplicável, mediante a aceitação de vantagens patrimoniais, por um lado e por outro, visando a apropriação indevida da comparticipação dos medicamentos, com prejuízo do SNS em vários milhares de euros", referiu o comunicado da PJ..O Ministério da Saúde esclarece ao DN que o utente é livre de solicitar a um terceiro que proceda ao aviamento de medicamentos prescritos em seu nome, pelo que "a situação em si não configura nenhuma irregularidade". E afirma ainda que procede diariamente à monitorização do sistema de desmaterialização da receita, "tendo desenvolvido um conjunto de indicadores que permitem a deteção de situações anómalas, que são de imediato comunicadas às entidades competentes para investigação".