A Tentadora, em Campo de Ourique, está no mesmo local desde que abriu há mais de cem anos. O barulho das chávenas de café a serem arrumadas e dos clientes habituais a fazer os seus pedidos ao balcão são a banda sonora deste espaço icónico do bairro lisboeta..Foi fundada em 1912 por Manuel Lopes Coelho, que tem agora o seu retrato na parede da pastelaria, numa homenagem feita pelo atual dono do espaço, Hermínio Martins. "Fiz questão de o pôr lá em homenagem porque ele fez aqui uma coisa bem feita", diz Hermínio. Em tempos idos, além de pastelaria este espaço foi também loja de chá, papelaria, tipografia, tabacaria e cervejaria. Também chegaram a ser celebrados aqui casamentos. Segundo Hermínio Martins, tudo o que era consumido na casa era lá produzido..A pastelaria foi comprada em 1986 por Hermínio Martins, que já muitos anos antes da aquisição admirava o edifício que ocupa o número 1 da Rua Ferreira Borges. "Esta casa era em frente ao sítio onde comecei a trabalhar com 17 anos e eu fiquei sempre a gostar dela. Quem diria que anos mais tarde a viria a comprar", conta o dono, com orgulho, ao DN..Depois da compra decidiu fazer obras para trazer de volta alguma da glória de outrora e aquilo que o fez admirar A Tentadora. "Quando reabri a casa tinha uma fila de mais de cem pessoas à espera que eu abrisse a porta", recorda Hermínio. Lembra os clientes que tinham mesa reservada todos os dias, em contraste com os dias de hoje em que esse hábito foi quebrado..A moldura de madeira com o retrato da mulher do fundador, segundo Hermínio Martins, que durante vários anos marcou o exterior da pastelaria não se perdeu. Costumava estar no exterior no lado esquerdo junto à porta, mas Hermínio escolheu trazê-la para o interior quando fez obras há cerca de 20 anos, pelo valor que tem..Era n" A Tentadora que as pessoas se reuniam tarde a fora a discutir os assuntos de todos os dias e a fazer o seu lanche. Hermínio reconhece que as coisas não vão voltar a ser iguais ao antigamente, não só porque os tempos mudam, mas também devido ao falecimento de alguns clientes mais antigos, que tinham outro tipo de hábitos. Foi também nesta altura que chegou a vender 10 kg de café por dia. "300kg por mês! Quando queriam beber café, as pessoas tinham de vir à rua, mas agora é diferente. As pessoas e as empresas têm máquinas de café por isso esse hábito já não é tão normal"..Inicialmente o espaço ficava aberto até às 23.00 horas, alguns dias até à meia-noite, mas Hermínio deixou de se sentir confortável com quem frequentava a pastelaria por aquelas horas. "Bendita a hora que o fiz. Perdi alguns desses clientes a quem vendia, 1 a 2 kg de café por noite se fosse preciso, mas ganhei outros que já se sentiam confortáveis a vir, sem se preocuparem com o tabaco e aquela fumarada.".A pandemia foi um momento de grande incerteza, sendo o setor da restauração um dos mais afetados, mas o dono d"A Tentadora diz ter feito de tudo para "segurar o barco". Teve de arranjar novas formas de manter o negócio e fê-lo sem despedir ninguém.."A pandemia foi ultrapassada porque nós começámos logo a trabalhar em take away e conseguimos angariar mais clientes do que aqueles que tínhamos. Fiquei com um leque de clientes que ainda hoje cá vêm e que não vinha antes da pandemia", explica Hermínio..Além deste espaço, tem dois outros onde também manteve todos os funcionários, apesar do momento complicado. Diz mesmo que podia chegar ao fim do mês e não ter o suficiente para ele mesmo, mas que fazia e faz tudo para continuar a pagar a quem trabalha com ele..Apesar de todas as mudanças por que tem passado ao longo dos anos, esta pastelaria continua a ser o local de encontro de amigos que conversam sobre as suas vidas, de netos que tomam o pequeno-almoço com os avós e de pessoas mais velhas, que não dispensam tomar a primeira refeição do dia fora. São as pessoas que continuam a tornar este sítio especial para tantos, incluindo o próprio dono..Hermínio Martins diz que já várias vezes lhe tentaram comprar A Tentadora, mas que o grande carinho que tem pela pastelaria não o deixa fazer. "É a menina dos meus olhos e uma coisa que eu gosto e prezo", sublinha..sara.a.santos@dn.pt