- Isso não soa bem. Podes escolher outra? - Escolher outra quê? Outra música? - Sim. Escolhe outra. - Mas para que é que eu vou escolher outra? É essa. A minha canção preferida do George Michael é o Faith. Qual é a questão? - Esta não pode ser. Não soa bem. Quer dizer. Não te soa bem. Não. Não soa bem para ti. Não é uma boa canção para ti, pronto. Não te assenta bem. - Mas não é uma boa canção para mim porquê? É a minha canção preferida dele. Qual é o teu problema? Mas agora mandas nas canções de que eu gosto? - Ele tem tantas. Escolhe outra. Olha aquela com as modelos boazonas, o Freedom! Isso é uma grande canção. Ou o Jesus to a Child. Ou o Careless Whisper. - Mas tu estás parvo? Qual é o problema desta canção? A escolha é minha, não é tua. Perguntaste-me qual é a minha canção preferida do George Michael. E eu respondo: é o Faith. Se não gostas dela, paciência. - Não, não, eu gosto muito. É uma música do caraças. - Então??!!!! Hello??!!! O que é que se passa? Porque é que não posso escolher esta? - É que essa é a canção preferida da Cláudia. - Qual Cláudia? A tua Cláudia? - Ela não é a minha Cláudia. É a minha ex-Cláudia. Quer dizer, é a ex-minha Cláudia. Já não somos casados. - Eu sei que não são casados. És casado comigo, lembras-te? Casámos ao som do Barry White. E abrimos a pista do copo-de-água com o Never Can Tell do Chuck Berry. Lembras-te disso ou essas canções também te fazem lembrar a tua ex-mulher? Diz-me agora, não me digas só quando eu morrer ou no dia em que nos divorciarmos. - Nós não nos vamos divorciar. - Se houver mais alguma música de que eu goste e que tu digas que te faz lembrar a tua ex-mulher, garanto-te que nos divorciamos. - Não é isso. Não é que me faça lembrar a Cláudia. Mas é a canção do George Michael de que ela mais gosta. E a ela assenta bem. Ou melhor, ela escolheu primeiro. E na minha cabeça... - A tua cabeça daqui a bocado leva com um CD porque me está a irritar? - As pessoas têm canções próprias. Cada pessoa tem a sua. Ou várias. E aquela é dela e associo-a a ela. Desculpa. Não posso associar a ti também. - Isso é um problema teu. E é uma estupidez. - Sabes qual é a minha canção preferida? - A Canção de Embalar, do Zeca Afonso. - Pronto. Agora imagina que essa era a canção preferida de um ex-namorado teu. Ou do teu ex-marido. - E é. É a canção de embalar preferida do João. Ele cantava-a muitas vezes para adormecer o miúdo. - Qual miúdo? O Pedro? - Sim, o Pedro. O meu filho. O teu enteado. - Mas eu punha essa canção para adormecer a Matilde. - Sim. E eu adorava isso. Os meus filhos adormeciam os dois ao som do Zeca. É bonito. - Mas os teus dois maridos preferiam esta canção? - Eu não tenho dois maridos. Tive um, agora tenho outro. E sim, gostavam os dois da canção. E adormeceram os filhos ao som dessa canção. De que gostam os dois. E então? - Então?! Como então?! Não pode ser. Isso é errado. - Tu estás um melómano sentimental. Aliás, tu estás é parvo, a verdade é essa. - Não podemos ter a mesma canção. Não posso ter a mesma canção do teu ex-marido. Devias ter-me dito. Cada pessoa tem a sua canção. Não podemos ter a mesma. A Cláudia tem o Faith. A Filipa, com quem namorei na faculdade, tinha o Billy Jean, do Michael Jackson. E a Andreia gostava da Canção do Engate, do Variações. Cada namorada, cada canção. - Esta conversa acaba aqui. - Olha, e o I Want Your Sex, do George Michael? Também é gira. Não queres trocar? Vá lá. - Esta conversa acabou. Se voltas a falar nas canções da Cláudia, da Andreia ou da Filipa, atiro a tua aparelhagem pela janela.