Espiões portugueses "têm elevados padrões intelectuais" e não atuam à margem da lei
O relatório que avalia a atividade dos serviços de informações, durante o primeiro semestre deste ano, foi enviado esta semana à Assembleia da República. O Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa (CFSIRP), autor do documento, faz elogios rasgados à competência dos espiões portugueses, mas reforça a necessidade urgente de modernizar os sistemas tecnológicos das secretas, cujo processo se tem arrastado.
Pela primeira vez, o Conselho assume declaradamente a sua confiança na legalidade da ação do SIRP. Em anteriores relatórios ficava-se por um descomprometido "não detetou a existência de atuações incumpridoras da Constituição ou da lei".
Neste documento semestral escreveu assertivamente que "à luz do exercício pleno das suas competências, pode o CFSIRP atestar que, no primeiro semestre de 2019, tal como durante o ano de 2018, todos os órgãos e serviços que integram o SIRP atuaram no cumprimento da Constituição e da lei, respeitando os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos".
Esta posição inédita é baseada na avaliação que tem sido feita regularmente pelo CFSIRP da atividade das secretas e que levou a que fosse concluído que "está hoje assimilada pelos órgãos e serviços que compõem o SIRP uma cultura de estrita conformação da atuação dos Serviços de Informações ao Direito que rege a sua ação, seja uma progressivamente mais generalizada dimensão deontológica reforçada de quem exerce funções no SIRP, seja que foram, comprovadamente, erigidas as condições de organização, de procedimentos e de segurança que permitem, não só dissuadir atuações individuais desviantes, como detetar e proscrever essas eventuais atuações".
Estes mecanismos de prevenção foram eficazes ao ponto de terem levado ao "afastamento de funções" de um funcionário - é revelado no relatório. Ao que o DN apurou este funcionário não terá cumprido procedimentos de segurança instituídos.
Esta tomada forte de posição surge dias depois do ex-espião do Serviço de Informações de Segurança (SIS), Carvalhão Gil, condenado a sete anos de cadeia por espionagem e corrupção, por se agente duplo ao serviço da Rússia, ter denunciado várias ilegalidades nas secretas nacionais. Numa entrevista à revista Sábado, Carvalhão Gil revelou que o SIS tem um sistema informático clandestino, guarda dados ilegais sobre políticos, faz escutas ambientais e intrusões em casas à margem da lei.
O CFSIRP sai em defesa das secretas e sublinha que "está em condições de desmentir o discurso, tornado público, de quem no seio do SIRP prevaricou, e por isso foi afastado e judicialmente sancionado, procurando, à margem de qualquer demonstração, fazer inculcar a ideia - numa tentativa de disfarçar as suas responsabilidades individuais - de que os Serviços de Informações atuam à margem da lei. Trata-se de um discurso de tal forma incoerente, errático e gratuito que, em si mesmo, não tem qualquer credibilidade".
O Conselho faz notar que " fixou e deu a conhecer os parâmetros da sua aferição da atuação do SIRP em conformidade com o Direito; e nunca cederá na exigência de respeito por tais parâmetros".
Os fiscais do CFSIRP assinalam que nos primeiros seis meses do ano analisados "face aos face aos meios disponíveis, desempenhou a sua missão com eficiência e eficácia e de acordo com as prioridades que lhes foram superiormente determinadas".
Esse desempenho, afiançam, "fica essencialmente a dever-se à dedicação e qualidade, comummente verificada, dos recursos humanos que servem no SIRP, algo que precisa de ser estimulado. Importa, aliás, deixar muito claro que, através do seu contacto direto e imediato com as mulheres e os homens que servem no SIRP, o CFSIRP tem reconhecido, muito genericamente, (pesquisa, processamento e difusão) de informações".
Lembra o CFSIRP que "grande parte do prestígio notoriamente granjeado pelos Serviços de Informações nacionais face aos seus parceiros no âmbito da cooperação internacional - que é da maior utilidade - não resulta (obviamente) das disponibilidades nacionais de recursos materiais e tecnológicos, mas sim do reconhecimento externo das capacidades humanas nacionais de análise e tratamento concretos da informação; aliás, vocação cada vez mais internacionalmente sentida como necessária, face às características das atuais ameaças a debelar".
Mais uma vez, o CFSIRP defende uma clarificação e aperfeiçoamento das normas de acesso dos espiões aos metadados das telecomunicações e internet, que começou este ano. Este acesso, afirma "constitui um instrumento que, para além de ser absolutamente indispensável à segurança nacional, "permite aprofundar a cooperação internacional, conferindo aos Serviços de Informações portugueses a legitimidade acrescida que lhes advém das possibilidades de corresponderem numa lógica de reciprocidade".
São, no entanto necessárias, no entender dos ficais, algumas melhorias, como "na distinção entre o acesso a dados de base e de localização de equipamento, por um lado, e o acesso a dados de tráfego, por outro" ou na "comunicação para efeitos de procedimento criminal das informações recolhidas".
O CFSIRP considera ainda que, face à recente decisão do Tribunal Constitucional, é necessário "alertar para a subsistência de perigos que o diploma agora declarado inconstitucional procurava colmatar, impondo-se, por isso, a necessidade urgente de nova reflexão sobre a questão por parte do legislador".
Neste relatório relativo ao primeiro semestre, há um novo reforço - já repetido em anteriores relatórios - a a necessidade de modernização muito urgente das tecnologias de informação e comunicação que o SIRP utiliza no desempenho da sua missão, não apenas para garantir maior eficiência e eficácia no desempenho dos Serviços de Informações, mas igualmente - e com particular destaque - para assegurar uma melhor articulação entre os sistemas de gestão documental dos Serviços e o Centro de Dados de cada um deles, garantindo assim, como este CFSIRP tem dito, "uma maior aproximação aos objetivos legais e uma maior transparência face às ações de fiscalização".
O CFSIRP é presidido por Abílio Morgado, indicado pelo PSD e ex-consultor de Segurança do Presidente da República, Cavaco Silva; Filipe Neto Brandão, deputado do PS e membro da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias; e António Rodrigues, jurista e ex-deputado do PSD.