"Espero de Portugal apoio total ao processo de adesão da Ucrânia à UE"

Entrevistado pelo DN, por Skype, Dmytro Kuleba, ministro ucraniano dos Negócios Estrangeiros, afirmou esperar que Guterres na ida hoje a Moscovo se foque numa solução para os combatentes e civis cercados em Mariupol. E ao governo português pede ajuda militar, que alinhe nas sanções à Rússia e contribua para a entrada na União Europeia.
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O que espera deste esforço diplomático do secretário-geral das Nações Unidas, o português António Guterres, em Moscovo e em Kiev durante os próximos dias?
Recordo-me de visitar as Nações Unidas nas vésperas do início da guerra, exatamente dois dias antes de começar e, para minha surpresa, o secretário-geral tomou uma posição muito firme em relação a este conflito que estava apenas a principiar. Ele foi tão veemente na sua posição e que a Federação Russa até o atacou dizendo que não era esse o seu papel. Foi surpreendente, para mim, porque, em geral, os secretários-gerais preferem ficar neutros e ausentes. Assim, espero que o secretário-geral se mantenha um homem com integridade durante a sua visita a Moscovo e que fique claramente do lado da Ucrânia, como vítima de um crime de agressão cometido por um membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Aquilo em que a Ucrânia quer que ele se foque é, claro, na evacuação de Mariupol, que é o local mais doloroso e sangrento no país. Espero que o apoio do secretário-geral da ONU seja capaz de salvar civis e também os defensores de Mariupol, do derramamento de sangue que a Rússia tem preparado para eles.

Podemos dizer que espera de Guterres resultados concretos e não alguma espécie de promessa para a solução futura do conflito?
Certamente, certamente. Infelizmente, há muitos políticos no mundo que estão a tentar focar-se em ideias gerais sobre como terminar a guerra, trazer a paz, mas nós temos um problema muito específico e esse problema tem de ser resolvido.

Como é que descreve a situação neste momento em Mariupol?
É devastadora! Eu recebo mensagens, vídeos e fotografias dos nossos defensores em Mariupol todos os dias - eles publicam muito nas suas contas das redes sociais - em que vemos mulheres, crianças, no bunker a chorar, com as bombas a rebentarem por cima das suas cabeças; vemos soldados feridos a morrer pela falta de medicamentos. É devastador! O que mais parte o coração é ver a esperança a desaparecer em Mariupol. Todos os dias, a toda a hora, faço a mim próprio as perguntas: Será que fiz o suficiente para os ajudar? Será que fiz tudo o que podia para os livrar deste banho de sangue? Não há nada que me magoe mais, depois de Bucha, do que Mariupol.

A rendição dos últimos combatentes ucranianos em Mariupol está fora de questão?
Estas pessoas, estes lutadores, estão agora a tentar segurar as suas últimas posições em Azovstal. Eles tiveram muitas oportunidades para se renderem, mas fizeram a sua escolha de defender e cumprir o juramento que tinham feito como soldados. Mas há outra coisa mais importante que os faz combater: o receio de que, ao deporem as armas, os russos matem os civis que estão escondidos com estes soldados em Azovstal, seja pelo sentimento de vingança ou apenas por crueldade do Exército russo. Eles cometeram tantos crimes impiedosos e absolutamente sem sentido, da perspetiva militar, matando centenas de milhares de civis... Assim, estes soldados em Mariupol não estão a defender apenas o território ucraniano e a Ucrânia, como país, eles também defendem estas mulheres e crianças que estão lá em baixo protegidas por eles e têm medo por elas.

Guterres, e a sua viagem a Moscovo, traz alguma esperança de que possa ser evitado um massacre em Mariupol destes últimos combatentes e dos civis que estão com eles. É a última esperança?
Decididamente, ele não é a última esperança, porque se ele falhar, nós continuaremos a tentar salvá-los. Mas ele é uma das últimas autoridades internacionais que pode ter um papel crucial e fazer a diferença.

Em relação à visita recente a Kiev de dois secretários dos Estados Unidos, o de Estado e o da Defesa, o apoio militar americano até agora dado e as armas que estão prometidas são a hipótese mais significativa de conseguirem manter a resistência contra a Rússia?
Podemos dizer, com verdade, que nenhum outro país no mundo ajudou militarmente mais a Ucrânia do que os Estados Unidos. Também é verdade que, de uma forma sem precedentes, a União Europeia está a apoiar o Exército e a defesa ucranianos. Isto nunca aconteceu antes. Nesta guerra todos os esforços são importantes. Se não fosse o fornecimento de assistência militar por parte dos Estados Unidos, a nossa situação seria muito pior. Assim, tudo o que é fornecido por cada país ajuda-nos a defendermos a nossa terra e a evitar que mais crimes de guerra sejam cometidos pelos russos, porque quanto mais tempo o Exército russo estiver na Ucrânia, mais crimes de guerra serão cometidos, mais eles matarão, torturarão e violarão. O que aqueles países que sentem relutância em providenciar armas à Ucrânia, incluindo na Europa, não compreendem é que estão enganados se pensam que, ao não nos fornecerem armas, estão a fazer uma contribuição para a paz. Ao agirem assim só estão a fazer uma contribuição: contribuem para a agressão russa contra a Ucrânia, para que a Rússia aumente o seu controlo territorial e para os crimes de guerra cometidos pelo Exército russo na Ucrânia.

Pensa que estes discursos do presidente Volodymyr Zelensky em diferentes Parlamentos são a forma mais eficaz de conseguir um apoio continuado de mais países? Recentemente falou também ao Parlamento português. Estão a receber novos apoios depois destes discursos?
Em muitos países, os discursos do presidente Zelensky aos Parlamentos Nacionais tornaram-se fatores decisivos e decisões que não tinham sido tomadas antes tornaram-se efetivas depois do discurso. Essas comunicações são também muito inspiradoras e estabelecem uma ligação entre os ucranianos, que estão a travar uma guerra, e os países que a nível político, económico ou militar nos apoiam. Assim, sim, os discursos do presidente Zelensky são instrumentos poderosos da política externa ucraniana.

O que espera de Portugal neste conflito? Mais apoio para uma futura adesão à União Europeia, mais esforço em termos de ajuda militar? O que é possível a Portugal fazer pela Ucrânia neste momento?
São três coisas: fornecimento à Ucrânia de armas e de todo o equipamento militar necessário, sem restrições e sem quaisquer reservas de qualquer natureza; em segundo lugar, apoio, sem restrições e sem quaisquer reservas a todas as sanções impostas à Rússia pela União Europeia, assim como a implementação correta dessas sanções; e terceiro, apoio total, sem restrições e sem quaisquer reservas, ao processo de adesão da Ucrânia à UE num futuro previsível, não deve tornar-se numa história interminável. Aproxima-se uma cimeira europeia no fim de junho onde o estatuto de Estado candidato da Ucrânia será considerado, e este é o momento certo de tomar a decisão de atribuir à Ucrânia esse estatuto de Estado candidato à União Europeia. Eu espero que Portugal não só apoie essa decisão, como também ajude a convencer aqueles países que ainda se mantêm céticos a apoiar a decisão. Portugal tem, há muitos anos, uma comunidade ucraniana muito leal. Eles tornaram-se parte da vossa sociedade, contribuem para a vossa economia e eu aproveito esta oportunidade para lhes enviar os meus melhores cumprimentos. Portanto, vocês, em Portugal, sabem muito bem que a presença da Ucrânia torna o vosso país mais forte, a presença de ucranianos torna-vos mais fortes, e o mesmo acontece com a União Europeia. A presença natural da Ucrânia na União Europeia vai também torná-la mais forte. Assim, Portugal é o país certo não só para apoiar, mas também para advogar a adesão rápida da Ucrânia à União Europeia.

Tal como disse, Portugal tem uma comunidade ucraniana muito bem-sucedida e muito bem integrada, e recebemos muito mais ucranianos agora devido à guerra. É importante para o futuro da Ucrânia que, depois do regresso da paz, estes refugiados voltem ao país para o reconstruir?
Eu compreendo que alguns daqueles que deixaram o país fiquem para começar uma vida nova nos países que os acolheram, mas estamos a trabalhar muito para garantir que a maioria desta onda massiva de refugiados regresse. Nas minhas visitas a outros países vejo a vontade que eles têm de regressar para reconstruir a Ucrânia, por isso não devemos desperdiçar essa motivação e queremos que o maior número de ucranianos possível volte, porque o nosso país vai precisar deles.

Há uma minoria em Portugal que continua a acusar o Estado ucraniano de extremismo e de proteção a forças extremistas. Como é que reage a estas críticas? Como lhe disse, é uma posição minoritária, mas no Parlamento houve mesmo um partido que se recusou a ouvir o discurso do presidente Zelensky, e estas críticas mantêm-se fortes e continuam a vir de alguns sectores.
Isso é exatamente o que a propaganda russa tem espalhado pela Europa nestes últimos anos, dizendo que os ucranianos são extremistas, nazis, de extrema-direita. No Parlamento ucraniano não temos nenhum partido de extrema-direita ou de extrema-esquerda e nunca tivemos um partido ou um político de extrema-direita no nosso Parlamento desde 2014, desde que a Revolução da Dignidade venceu. Portanto, em 2014 a Rússia começou a acusar-nos de sermos extremistas, radicais de extrema-direita e neonazis. Foi exatamente a partir desse ano que nenhum partido de extrema-direita se conseguiu eleger para o Parlamento ucraniano. Tenho uma pergunta para fazer àqueles que continuam a acusar os ucranianos de serem extremistas: Depois de terem visto Bucha, de terem sabido de centenas de civis deliberadamente torturados, mortos, violados, múltiplas vezes, incluindo adolescentes, pelo exército russo, quem é que se pode atrever a chamar-nos extremistas? É só o que posso dizer. Nós não cometemos um ato de agressão contra outro país. Sabe que nós intercetámos algumas comunicações de soldados russos para as suas famílias na Rússia e esses soldados queixavam-se de que tinham ido para lá para derrotar os fascistas, mas não viam nenhum sinal de nazismo ou fascismo na Ucrânia. Este é o maior problema que a propaganda russa está agora a enfrentar, a busca por provas de nazismo ou fascismo na Ucrânia. Portanto, penso que é altura de todos esses políticos que, por conta da Rússia, espalham a informação sobre a Ucrânia radical e extremista, aceitarem simplesmente que estão na folha de pagamento de violadores, assassinos e torturadores.

Vê esta guerra como uma guerra muito longa?
Pode vir a durar algum tempo, sim.

leonidio.ferreira@dn.pt

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