Os escoceses encheram ontem a famosa Royal Mile, em Edimburgo, para ver passar quase em silêncio o carro com o caixão da rainha Isabel II e depois fizeram fila para lhe prestar uma última homenagem durante a vigília na catedral de Santo Egídio. Mas se no momento do adeus parecem unidos em torno da falecida monarca, a dúvida é saber o que o futuro trará para o rei Carlos III e para a monarquia na Escócia, que insiste em querer ser independente do Reino Unido. Uma eventual independência não significa necessariamente o fim da monarquia, mas poderá abrir as portas à república..Na véspera, quando o novo monarca era proclamado, um pequeno grupo de manifestantes optou por vaiar Carlos III. "Outra Escócia é possível", dizia uma t-shirt, "República Agora", lia-se num cartaz. "Que se lixe o imperialismo. Abulam a monarquia", dizia outro, tendo uma mulher sido detida e acusada de perturbar a paz. Também frente ao Parlamento britânico, onde o novo monarca fez ontem o seu primeiro discurso diante das duas câmaras (dos Lordes e dos Comuns), houve uma pessoa detida por um cartaz onde se lia "não é o meu rei". Protestos pequenos que podem repetir-se nos próximos dias, quando Carlos III viajar até à Irlanda do Norte e ao País de Gales..Em maio de 2021, uma sondagem do think tank British Futures revelou que só 45% dos eleitores escoceses queriam manter a monarquia (em todo o Reino Unido a percentagem é de 60%), sendo que 36% acreditavam que o final do reinado de Isabel II seria o momento certo para passar a república. A rainha tinha fortes ligações à Escócia (a mãe era escocesa e ela passava os verões em Balmoral, o local onde dizia ser "mais feliz" e onde morreu na semana passada), mas o filho e herdeiro é menos popular..A morte da monarca surge numa altura em que o Partido Nacionalista Escocês (SNP, na sigla em inglês) está a tentar um novo referendo sobre a independência. A ideia do SNP é manter a monarquia mesmo se conseguir essa independência, mas há quem defenda que os eleitores têm também o direito de escolher se querem manter o sistema atual ou ser uma república..Em 2014, 55% dos eleitores escoceses rejeitaram a independência num referendo que foi apontado como uma oportunidade única numa geração - e onde alguns alegaram que a rainha quebrou a sua neutralidade, pedindo aos escoceses que "pensassem bem" antes de votar. Contudo, o SNP (que tem a maioria no Parlamento escocês) considera que o referendo do Brexit em 2016 alterou profundamente o cenário político e económico - os escoceses votaram para ficar na União Europeia - e que tem que haver uma nova consulta..A chefe do governo escocês, Nicola Sturgeon, tem planos para realizar o novo referendo em outubro de 2023. Contudo, o governo britânico tem que dar luz verde e a nova primeira-ministra britânica, Liz Truss, tal como o antecessor Boris Johnson, é contra. Sturgeon recorreu aos tribunais para saber se tem o poder para convocar ou não a consulta sem o apoio de Londres, devendo o caso ser ouvido a partir do próximo mês pelo Supremo Tribunal do Reino Unido..Ontem, numa cerimónia homenagem no Parlamento escocês, Sturgeon lembrou a ligação de Isabel II com a Escócia e as histórias pessoais, desde quando a viu pela primeira vez, com apenas nove anos, até aos serões em Balmoral. Em relação a Carlos III, afirmou: "Majestade, estamos preparados para o apoiar enquanto continua a sua própria vida de serviço e constrói sob o extraordinário legado da sua mãe.".Por seu lado o rei lembrou que a mãe jurou servir o país e manter os princípios do governo constitucional, reiterando a mesma promessa. "Assumo os meus novos deveres com a gratidão por tudo o que a Escócia me deu, com determinação para procurar sempre o bem-estar do nosso país e do povo, e com total confiança na vossa boa vontade e bons conselhos enquanto avançamos juntos nesta tarefa", disse no Parlamento escocês. Uma mensagem semelhante tinha passado de manhã, no Parlamento britânico, dizendo sentir o "peso da história" e prometendo seguir o "exemplo de dever altruísta" da mãe..Terça-feira, 13 de setembro: O caixão de Isabel II fará a viagem para Londres, onde será colocado no Palácio de Buckingham. A única filha da monarca, a princesa Ana, acompanhará a mãe. Enquanto isso, o rei Carlos III irá até Belfast com a rainha consorte Camilla, onde haverá uma cerimónia de condolências no Parlamento regional da Irlanda do Norte, antes de assistir à missa na Catedral de Santa Ana e regressar a Londres..Quarta-feira, 14 de setembro: O rei lidera a procissão que levará o caixão de Isabel II desde o Palácio de Buckingham até Westminster Hall, onde haverá uma nova vigília. O arcebispo de Cantuária, Justin Welby, dirá uma oração. A rainha ficará em câmara-ardente neste local até ao dia do funeral de Estado, na segunda-feira, dia 19 de setembro, sendo esperadas multidões para prestar uma última homenagem..Sexta-feira, 16 de setembro: Carlos III e Camilla concluem a viagem pelos quatros países que formam o Reino Unido com uma ida até Cardiff, no País de Gales, para uma cerimónia no Parlamento local e uma oração na Catedral de Llandaff..susana.f.salvador@dn.pt