Os erros médicos matam mais do que a sida, o cancro da mama, os acidentes de carro e todos os anos morrem cerca de 2,6 milhões de pessoas vítimas de negligência médica, estima a Organização Mundial da Saúde (OMS). Filipa Breia da Fonseca, professora assistente na Faculdade Nova School of Business and Economics de Lisboa e investigadora na área da gestão de saúde, com uma tese de doutoramento sobre segurança na saúde e erros médicos, defende que o importante é reconhecer o erro e partilhá-lo com outros profissionais para evitar a repetição.."Os humanos têm muita propensão para errar. Um ser humano pode cometer um erro a cada cinco minutos e uma tarefa complexa pode resultar num erro a cada 90 segundos. Se acrescentarmos o fator stress, pode acontecer um erro a cada 30 segundos", explica Filipa Breia da Fonseca, que acompanhou equipas médicas durante dois anos em hospitais públicos portugueses (sujeitos a confidencialidade). Ao trabalho de observação juntou entrevistas a profissionais de saúde para elaborar a sua tese de doutoramento "Gestão Hospitalar e Segurança nas Organizações de Saúde", que recebeu o prémio de melhor dissertação de doutoramento de gestão da Fundação Amélia de Mello, em 2019..Com as urgências sobrelotadas, em parte devido ao aumento de casos de gripe, os níveis de stress de médicos, enfermeiros e assistentes operacionais crescem, aumentando a margem para erros. Mas a apreensão pode ser palpável em todos os serviços e não só nas urgências: "No bloco, reparei que quando estão com muita pressa, os médicos nem sequer leem as cheklist [listas de verificação que contêm todos os passos de preparação para uma cirurgia]. Fazem logo check.".A este fator acrescem outros que mesmo em épocas menos difíceis estão presentes. A investigadora fala, a partir dos resultados da sua investigação, na fadiga, no esgotamento, na falta de comunicação entre profissionais, na ausência de transparência, na intimidação de quem manda sobre quem executa, no jogo da culpa e até do ego médico. "Há profissionais que estão sempre a tentar passar as culpas [dos seus erros] para o outro. Há quem mande fazer mal e depois não o admita", diz.."Acompanhei também as mudanças de turnos e percebi que a passagem de informação é feita de maneira diferente consoante as horas de trabalho. Por exemplo, um enfermeiro que esteve toda a noite a trabalhar numa função exigente e vigilante numa unidade de cuidados intensivos com nove camas, de manhã sente-se muito cansado. O que acontece na prática é que, às vezes, não consegue passar muita da informação necessária ao enfermeiro que o vem substituir às 07.00. Isto é uma fonte de erro", aponta a professora..Falhas na prescrição de medicação, no diagnóstico ou depois no tratamento foram os principais resultados para os doentes que Filipa Breia da Fonseca encontrou no seu levantamento. "A consequência do erro na saúde é muitas vezes matar o doente ou criar mazelas para a vida inteira." Nos Estados Unidos, os erros médicos são a terceira causa de morte, segundo os resultados de uma investigação publicada no British Medical Journal . No mundo, morrem cerca de 2,6 milhões de pessoas todos os anos pelo mesmo motivo e 138 milhões ficam com sequelas, alertou a OMS em setembro. Sendo que os erros relacionados com uma prescrição errada de medicamentos custam aos sistemas de saúde em todo o mundo cerca de 37 mil milhões de euros..Como evitar os erros?.Filipa Breia da Fonseca diz que o mais "importante é que as equipas se sintam seguras para partilhar os seus erros", o que pode ajudar os outros profissionais a evitar erros. Durante as entrevistas, "havia médicos que diziam: eu lembro-me de que o meu colega fez isto. Ou médicos que colocam as culpas em cima de enfermeiros, uma situação muito antiga. A revista Look, em 1966, publicou um artigo chamado Our Hospitals Are Killing Us, em que existiam vários relatos feitos por médicos como: "Eu operei um doente, fui para casa e deixei o enfermeiro toda a noite a vigiar o doente. Quando cheguei cá de manhã o doente tinha morrido, a culpa foi da equipa de enfermagem, porque o enfermeiro não soube fazer a substituição de aparelhos em condições.".Depois, seria importante que os profissionais fizessem reuniões semanais para discutir os erros, "falar abertamente", tendo uma "voz ativa nos processos, não perdendo a voz na organização". Uma realidade que será difícil de atingir quando as equipas, em alguns serviços, são maioritariamente constituídas por médicos prestadores de serviços.."Eu vi hospitais com equipas muito coesas, onde as equipas que trabalham sempre juntas funcionam muito bem e obtêm melhores resultados. Já nem precisam de falar, olham uns para os outros e já sabem o que fazer. Isto contribui para aumentar a segurança dentro de um hospital.".O apoio ao doente.A maioria das vítimas de negligência ou erros médico consideram que apresentar queixa contra um médico não dá em nada, revelava um estudo da Deco de 2016. Apesar disso, o número de queixas têm aumentado e no ano passado foram abertos 1071 processos disciplinares pela Ordem dos Médicos, tendo sido condenados 45 profissionais, avançou o bastonário aquando da notícia do nascimento de um bebé sem rosto em Setúbal, uma anomalia que ficou por detetar nas três ecografias.."Nos Estados Unidos, por exemplo, há gabinetes que servem para defender a segurança dos doentes. Em Portugal, ainda não temos essa cultura", diz a investigadora da Universidade Nova. "O doente não é suficientemente informado e esclarecido. Temos de investir também na capacitação dos doentes para que eles saibam melhor como proceder."