Ao fim da manhã de terça, dia 10, estava prevista no Parlamento Europeu a votação do relatório sobre Saúde e Direitos Sexuais e Reprodutivos da socialista Edite Estrela. Muito contestado pela direita religiosa, o relatório foi alvo de uma campanha de meses que incluiu o envio de dezenas de milhares de mails para os eurodeputados acusando o documento de ser "ditatorial e desumano", por "propor a educação homossexual das crianças e o ensino da masturbação no jardim escola, impedir a objeção de consciência dos médicos em relação ao aborto e tornar o aborto um direito humano", e pedindo o seu chumbo ou a recusa da votação. Uma resolução apresentada pela direita, pelo Partido Popular Europeu (em que se incluem PSD e CDS) e pelos Conservadores e Democratas, invocando o princípio da subsidariedade e visando isso mesmo -- impedir a votação do relatório, argumentando tratar este de assuntos que devem permanecer na esfera de decisão dos governos nacionais -- passou por sete votos e o relatório foi para a gaveta..O resultado indignou Edite Estrela, que pediu a palavra para dizer que este se deveu a "hipocrisia e obscurantismo". Respondeu-lhe Nuno Melo, do CDS/PPE, chamando a atenção para a necessidade de respeitar democraticamente o resultado da votação. Ora um dia depois o relatório final, ou ata, da mesma indicava que, após 11 correções de voto, a soma dava afinal empate - o que significa, segundo as regras do PE, que resolução da direita não passara. .Questionado pelo DN sobre a sua posição face ao novo resultado, Nuno Melo confessou não o conhecer, nem saber qual a consequência que pode advir da situação: "Vi um deputado na quarta-feira pedir uma investigação por causa do sentido de voto, mas não sabia que havia mais. Se quando há eleições as pessoas pudessem no dia seguinte mudar o sentido de voto, o que não aconteceria. As pessoas devem refletir bem antes de votar. Mas não sei o que diz o regimento..." .O regimento do PE será omisso, mas existe uma circular de 2004 que estatui só contarem para o resultado as correções de voto feitas antes deste ser anunciado. Ora, no caso, isso implicaria que a verificação pudesse ser efetuada em poucos minutos, já que o voto é eletrónico e o resultado foi anunciado logo após a votação. Nuno Melo acha que não deve ser de outro modo: "A descrição que me faz das regras aplicáveis faz-me sentido Porque a não ser assim de hoje em diante inviabilizar-se-ia qualquer votação, não haveria estabilidade nas decisões: imagine o que será depois daquela votação tão polémica as discussões nos corredores e gabinetes... Há sempre pressões." Quanto à hipótese de ter ocorrido um problema técnico, é cético: "Não dou de barato que houve uma votação cujo resultado é falso..." E se se vier a provar que é, ou seja, que o sistema registou mal os votos? "Aplico ao caso Estrela as regras que têm de ser aplicadas, e conformo-me com elas sejam elas quais forem. Se deste caso se retirarem conclusões que impliquem mudar regras isso tem de se discutir para o futuro.".Já Edite Estrela prefere só dizer que se trata de "uma situação atípica que não me recordo de ter acontecido nos meus nove anos de Parlamento Europeu." .Deputados pedem investigação.O primeiro a chamar publicamente a atenção para o problema foi o eurodeputado britânico John Cahsman, do grupo Socialistas & Democratas (S&D), o mesmo de Edite Estrela. Porta-voz para os Direitos Humanos do seu grupo e além disso presidente do Intergrupo para os assuntos Gays e Lésbicos do Parlamento, Cashman escrevera no Twitter, logo após a votação, às 12.09: "Triste dia no Parlamento Europeu, com o centro-direita a rejeitar o relatório progressista de Estrela sobre Saúde e Direitos Sexuais e Reprodutivos e aprovando agenda conservadora ." Mas às 16.26 tuitava: "Tenho a certeza absoluta de que votei contra a resolução alternativa ao Relatório Estrela e pedi aos serviços do plenário para investigarem." .No sentido contrário, a sua colega de bancada Marlene Mizzi, de Malta, escrevia no Facebook, no dia seguinte, também ter pedido uma investigação, mas por ter a certeza de ter votado a favor da resolução e constatado que o seu voto fora registado contra: "Votei contra o aborto, sempre fui contra o aborto. (...) Pedi ao Presidente para investigar esta falha técnica." .Na bancada S&D, houve mais um voto trocado, o da romena Silvia-Adriana lica?u, que fora registada como abstenção e queria votar contra (nas contas finais, só três deputados S&D votaram a favor da resolução). Mas houve de tudo, até três votos não registados (dois corrigidos para contra e um a favor), membros do PPE (dois cipriotas do partido no poder) que corrigiram o voto para contra, e uma eurodeputada grega do grupo euro-cético de direita Europa da Liberdade e Democracia que fora registada como abstendo-se e corrigiu o voto para contra.