Éric Cantona quer fazer um filme falado em português

Ex-futebolista apresentou Marie et les Naufragés, de Sébastien Betbeder, na Festa do Cinema Francês e falou do amor
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A carreira do ex-futebolista Éric Cantona ator não apareceu do céu, não é de agora como muito tem sido escrito. Este Marie et les Naufragés, de Sébastien Betbeder, é apenas mais um papel numa carreira que começou em 1995 com Le Bonheur Est dans le Pré, de Étienne Chatiliez. São quase 30 papéis em cinema e algumas passagens pelos palcos. Se Cristiano Ronaldo já disse que o cinema pode ser uma via, o exemplo do craque francês não será má influência. Mas o caso Cantona em cinema não é capricho. Quem o viu nesta comédia sentimental como escritor sisudo percebe que está lá um talento sério, genuíno.

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Em Marie et Les Naufragés, que no sábado volta a passar na Festa do Cinema Francês, desta vez em Almada, interpreta Antoine, um escritor com propensão para a hipersensibilidade (a dada altura, nem pode estar perto de telemóveis). Tem um rosto triste e está a escrever um livro sobre a vida romântica da mulher que está a perder, Marie, rapariga "perigosa" e que poderá estar apaixonada por um jornalista desempregado bastante mais novo do que ele.

Betbeder dirige Cantona com uma secura rara. Há uma firmeza que não condescende com a caricatura. Um ator impassível que não precisa de fazer muito, aliás faz muito com simplicidade.

Quando o encontramos no Cinema São Jorge, está ao lado do realizador e com cara de poucos amigos. Está ali para falar de cinema e não da sua vida lisboeta ou das cores clubísticas do seu filho. Está também a jogar em casa numa Festa do Cinema Francês que, com este convidado, não gastou verba no bilhete de avião. Mais tarde, com o realizador algo pasmado, confessa que está a adorar viver em Portugal: "Gostaria muito de fazer um projeto português de cinema! Porque não?! Já fiz um filme na Croácia em croata e já rodei em Inglaterra... mas dar-me-ia muito prazer rodar em Portugal e, já agora, em língua portuguesa." Em português? Espantamo-nos: "Está espantado!? Acabei de lhe dizer que fiz um filme em croata", responde-nos seguido de uma frase em croata. Sébastien Betbeder solta uma gargalhada e diz que tudo é possível depois disso.

[CITACAO:Lisboa para mim é o Rio de Janeiro da Europa]

"Se calhar vim para Portugal para rodar cinema [risos]. A verdade é que adoro tremendamente Portugal. Quem é que não gosta de Lisboa!? Já sou lisboeta! E já sei que a Monica Bellucci também tem cá casa...", continua o ator e faz questão de explicar a liason: "Já venho a Portugal há décadas, seja a Portimão, Figueira da Foz ou Lisboa. Outra das minhas paixões é o Brasil, conheço muito bem esse país. Estou todos os anos no Brasil e às vezes mais do que uma vez. Lisboa para mim é o Rio de Janeiro da Europa. Tem uma arquitetura semelhante e os parques têm o mesmo tipo de monumentos. Depois, há também o mar e a calçada com os desenhos das pedras... já para não falar do Cristo Rei. A única diferença é que lá têm o samba e aqui é o fado. Isso define bem as diferenças entre os dois povos, mas claro que falo de um ponto de vista caricatural. Do que mais gosto mesmo é do vosso calor humano e de uma certa reserva. Uma reserva que tem classe. Identifico-me com isso."

Voltando ao filme, que é o mesmo que dizer ao começo da conversa, o realizador faz questão de deixar na mesa as suas filiações cinéfilas: "Marie et les Naufragés tem um pouco da Nouvelle Vague e do Alain Resnais. Mas interessa-me como cineasta algum do cinema americano, mais especificamente o chamado género mumblecore, nomeadamente Noah Baumbach e os manos Duplass, mas também há um pouco das comédias de Judd Apatow e de Wes Anderson. Atrai-me a ideia de misturar isso com um teor literário francês muito forte." Marie et les Naufragés é um daqueles pequenos filmes franceses frágeis com personagens sem jeito para o romance e que pede algum cuidado para ser embalado aos olhos do espectador. Não por acaso, ainda nenhum distribuidor português pegou nele.

A dada altura, a lenda do Manchester United diz-nos que não consegue escolher entre o teatro e o cinema. O futebol, claro, nem se põe como hipótese - o seu prazer está do lado artístico: "O teatro, o cinema, a pintura ou a escrita são apenas um suporte para nos expressarmos, tão simples quanto isso. Amo também a produção." Haverá produção de cinema criativa, artística? Para ele sim: "Isso depende como se faz. Eu sou da velha escola: inicio e acompanho um projeto. Produzir com labor artístico é saber reunir as boas pessoas. Por exemplo, O Meu Amigo Eric, de Ken Loach, fui eu quem o desenvolvi. No começo eu e o meu irmão escrevemos quatro páginas com a ideia do filme e o primeiro nome da lista dos possíveis realizadores era o de Loach...Claro que fui ter com o seu argumentista, o Paul Laverty, e apresentei-lhe a ideia. Logo a seguir, o projeto foi aprovado! Hoje a maioria dos produtores estão é preocupados com as receitas que o filme depois pode ter na bilheteira."

Voltamos a insistir, até onde pode ir o Cantona ator? Terá ambições? A resposta é brusca: "Não, sou um privilegiado: posso fazer o que quiser. A única ambição que tenho é poder fazer aquilo de que gosto, ou seja, poder ser eu a escolher os filmes e os realizadores. Interessa-me simplesmente a aventura artística, nada mais. Quero fazer coisas que tragam valor artístico, por mais subjetivo que isso possa ser. Materialmente não preciso do cinema, tenho a sorte de poder recusar convites para filmar. Também não preciso do cinema para ser reconhecido, é mesmo um grande privilégio. Não tenho nada a provar! A minha independência é um luxo, eu sei..."

No fim, no fim mesmo de tudo, depois do início da Premiere League, a inevitável curiosidade futebolística: será que ainda acredita em Mourinho no seu Manchester? "Ainda é só o começo. O Manchester ainda pode ser campeão. José Mourinho é um treinador de sucesso num clube de sucesso que neste ano tem jogadores de sucesso. Mas este é um campeonato extremamente difícil, cheio de grandes equipas e de grandes treinadores, como é o caso de Guardiola. Mas o United ainda pode ser campeão. Espero que seja campeão."

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