Era um dos maiores peixes de água doce do mundo, o maior do rio chinês Yangtzé e até aos anos de 1970 era ali pescado em grandes quantidades, fazendo parte da alimentação das populações locais. Foi apenas há 40 anos, mas já pertence ao passado. O impressionante peixe-espátula-chinês (Psephurus gladius), que chegava a atingir sete metros de comprimento,foi dado como extinto. É a primeira espécie nesta lista negra em 2020..O diagnóstico é de um grupo internacional de cientistas coordenado por Hui Zhang, da Academia das Ciências de Pesca, em Wuhan, na China, e foi feito num artigo publicado online na revista científica Science of the Total Environment.."O peixe-espátula-chinês era uma espécie comum no rio Yangtzé, da qual se capturavam 25 toneladas anualmente na década de 1970. As suas populações entraram, no entanto, drasticamente em declínio a partir do final dessa década, em resultado da pesca excessiva e da fragmentação do seu habitat", escrevem os autores no artigo "Extinção de um maiores peixes de água doce do mundo: lições para a conservação da megafauna ameaçada do Yangtzé"..Os cientistas sublinham ali que "uma análise integral e exaustiva feita em toda a bacia do rio no período 2017-2018 identificou um total de 332 espécies mas não encontrou um único exemplar deste peixe"..Com base em estudos anteriores sobre as espécies piscícolas daquele que é o maior rio da China, que se estende por 6300 km, os cientistas calculam que o emblemático peixe tenha desaparecido em 2005 e, com toda a certeza, nunca depois de 2010. Entre 1981 e 2003 ainda foram reportados 210 avistamentos da espécie, mas depois disso não houve mais sinal dela..O mais provável, estimam os investigadores, "é que a espécie tenha ficado funcionalmente extinta, ou seja, incapaz de se reproduzir, a partir de 1993", mais de uma década antes de desaparecer totalmente..Além da pesca excessiva, o problema da reprodução, criado pela fragmentação do território devido à construção de grandes barragens, terá tido o maior peso no fatal destino da emblemática espécie, presumem os investigadores..Foi logo em 1981 que essa fragmentação se iniciou, com a construção da barragem de Gezhouba. Essa barreira foi um primeiro golpe para o peixe-espátula-chinês, que para se reproduzir tinha de subir o rio, rumando depois o sentido contrário para se alimentar. Os cientistas estimam que essa terá sido uma grande machadada na capacidade de a população deste peixe se movimentar no rio para se reproduzir..A espécie integrava desde 1989 a lista das espécies mais ameaçadas na China, mas, apesar desse conhecimento e desse alerta, o seu declínio não foi travado. Pelo contrário, em 2003 a China construiu no mesmo rio a megabarragem das Três Gargantas - é a maior do mundo -, o que terá sido o golpe final para o peixe. Data desse mesmo ano, aliás, o último avistamento de um exemplar da espécie, que acabou extinta escassos três anos depois, pelas contas apresentadas no estudo..Uma vez que este peixe só existia no Yangtzé, e dado não haver quaisquer exemplares em cativeiro, ou tecidos vivos disponíveis para se tentar outras abordagens para a sua reprodução, "ela é considerada extinta, de acordo com os critérios da Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza", escrevem os autores do estudo. Mas, avisam, há lições a tirar para o futuro..A "lenta extinção" deste peixe, como a classificam Hui Zhang e a sua equipa, "resultou de múltiplas ameaças", e isso sugere, escrevem ainda, que "é urgente otimizar os esforços de conservação para as espécies ameaçadas do Yangtzé"..Realizar análises no terreno mais frequentes e conduzir ações de conservação mais rápidas e eficazes, antes de a fauna ameaçada chegar a um ponto de não retorno, como aconteceu com o peixe-espátula-chinês, são algumas das recomendações feitas pelos cientistas.