Tony é um filme que tem os bastidores dos concertos de Tony Carreira, mas tem sobretudo uma pinta de objeto de promoção. A câmara de Jorge Pelicano segue-o pelos confins de Portugal e mostra-o igualmente numa certa intimidade. Temos o ídolo a fumar, a chorar e a visitar em Haifa o túmulo do seu ídolo, Mike Brant. Há ainda uma visita à casa dos pais, muitos momentos com os fãs e com o seu letrista..Na entrevista ao DN garante que de encomenda este filme não tem nada, mas quem for a uma das muitas salas onde se estreia vai perceber que este é um retrato sem zonas cinzentas. Por outro lado, goste-se ou não do seu valor enquanto artista, Pelicano descobriu uma personagem de cinema, alguém filmado de perto mas sempre com domínio perante a câmara, capaz de jogar bem com a imagem do emigrante de França que cumpriu um sonho. Nesse aspeto, as imagens de arquivo são integradas com competência num objeto que é feito para deixar os seguidores de Tony em lágrimas..Não é de espantar que confesse nesta conversa que chorou a ver o filme. Confissões pós-filme que incluem o karma com o Sporting, o caso do plágio, a felicidade de ficar com a sua vida em registo e o seu repúdio em relação a uma certa elite que "nem vai ver o filme"..No filme, ouvimos o Tony a dizer que depois destes anos todos continua a ficar nervoso antes de enfrentar um jornalista. Agora está na fase de apanhar com os jornalistas de cinema... Mas é igual... Sei que as entrevistas são importantes, mas é uma daquelas cenas que nunca me deu muito prazer. Falar de mim é algo de que não gosto. Em relação a este filme, quem deveria dar todas as entrevistas era o Jorge Pelicano. A única coisa que é minha em Tony é a minha história, nada mais. De todas as propostas que recebi para fazerem um documentário apenas tive empatia com a do Jorge, homem que provavelmente não poderia estar mais longe do meu mundo. Como pessoa, gostei muito dele. Vi o seu trabalho e decidi mesmo acreditar nele e no seu olhar. Quando decidimos fazer o filme juntos, percebi que a ideia dele seria andar atrás de mim e só lhe disse para vir. A ideia era eu fazer de conta que ele não estava ali. No final ele só me tinha de apresentar o filme. Eu tinha o direito de dizer que sim ou que não. Com a montagem feita eu é que decidia se o filme saía ou não. Avisei que era um risco que a produtora corria... Se não gostasse, vetava mesmo o filme. Mas no decorrer das filmagens apercebi-me de que iria gostar..Está a dizer que teve química com o Jorge Pelicano? Sim. Posso não voltar a trabalhar com ele - o Jorge é de um outro mundo, mas é alguém de quem vou ficar sempre amigo..Julgava que iria censurar os momentos em que a câmara o apanha a fumar... Por acaso... Bem, mas eu fumo. Sempre o assumi, sem o mostrar. Não é um bom exemplo, se tivesse mais força já teria deixado o tabaco. Eu no backstage fumo bastante e ele apanhou-me. Até disse ao realizador no final: isto é de mais. Ao que ele me respondeu: tu querias a verdade..São essas as coisas que podem dar autenticidade ao filme? Um dos objetivos do filme era mostrar a verdade. Era importante não ser uma coisa encomendada, fabricada ou embelezada. Claro que muita gente pode não acreditar nisto, mas esta é a verdade..Vemo-lo a chorar numa das sequências finais. Tenho de lhe perguntar: também chorou quando viu o filme? Chorei. Houve ali uma parte... Era muito difícil conseguir emocionar-me a ver-me, mas aconteceu. Vi duas vezes o filme e chorei em ambas..Tem alguma relação com o cinema português? Tenho uma certa relação com o cinema português documental desde que conheço o Jorge Pelicano. Fui ver algumas coisas que ele fez para trás e fiquei fã de Ainda Há Pastores. Logo a seguir a ver esse filme pedi ao Jorge para irmos à serra da Estrela para conhecer o pastor. Seja como for, devo dizer que não vejo muito cinema. Também não vejo muita televisão e, infelizmente, não ouço muita música, o que é um erro..A ideia de um dia haver um ficção em forma de biopic do Tony Carreira atrai-o? Já me foi proposto e disse que não três vezes nos últimos anos. Mas sei que a minha vida dava um outro filme totalmente diferente. Uma biografia teria de ter alguma ficção e, talvez por isso, preferi que fosse um documentário puro e duro. Em Tony não há espaço para encenações. O que acontece ali está mesmo a acontecer....Aquele é então o Tony verdadeiro, ponto final, não é? Certo..Numa das entrevistas do filme parece falar sem filtros, parece precisamente prezar a verdade... Eu gosto de ser assim. A verdade é o melhor caminho para construir um percurso. Somos o que somos, ponto. Toda a vida tentei passar aquilo que sou..Mas o filme acaba por o proteger: não fala por exemplo da sua ideologia política nem toma posições. Não tenho ideologias políticas, sendo ligeiramente de esquerda, embora nem tenha bem a certeza disso. Há dias em que tenho mais certezas do que outros. Quanto a ideologias de futebol, não tenho problemas em dizer que sou do Sporting. E aí não há problema nenhum, sobretudo porque não ganhamos e, assim, todos gostam de nós. Se não aparecem mais opiniões ideológicas minhas é porque não surgiram as perguntas..O filme tenta mostrar que os media portugueses têm realmente um preconceito com a música ligeira. Há aquele momento em que se mostra que o Tony apenas começou a ter alguma atenção depois do Coliseu dos Recreios... O preconceito continua? Ai, sim. Continua. Está absolutamente igual. O preconceito existiu, existe e está para durar. Não tenho dúvidas, mas não é isso que me impede de continuar a fazer o que gosto..Não sente que está um bocado mais atenuado? Este filme não estará feito para atenuar? Não, o filme não vai mudar nada. Quem não quer ver, não vê..Acha que certas pessoas vão pensar que é um filme pimba? Sim, essas pessoas não o irão ver, mas vão dizer que é mau..Acredita que esse preconceito é um fenómeno eminentemente português? Não, não... É uma elite mais ou menos falida mas que gosta de mandar palpites..E há aquele setor de haters que olha para si como um produto de consumo do Continente, marca que é igualmente investidora do filme. Como se responde a isso? Respondo com muito orgulho.. Marketing é marketing? Não, não é isso... Quando dizem Tony é Continente fico orgulhoso. Apesar de ter que ver com negócio, essa marca deu-me a possibilidade de fazer algumas das coisas mais bonitas da minha carreira, como fazer três vezes a Avenida da Liberdade, duas a Praça do Comércio, duas o Parque Eduardo VII e três parques da cidade do Porto. Nessas vezes todas, se calhar, tive oito milhões de pessoas. A elite pode chamar-me cantor do Continente que eu não tenho problemas nenhuns, mas com eles fiz projetos que eram impensáveis de fazer. Sem uma máquina por trás estes concertos gratuitos seriam impossíveis..Mas também já esgotou grandes salas a pagar, a pergunta que faço agora é se este filme vai esgotar sessões? Tem curiosidade em saber se os seus fãs vão ver o filme? São coisas completamente diferentes. Não sei mesmo..Se o filme não fizer espectadores, será como uma derrota para o Tony? Não, não... O que fica para a história é que a minha história está ali, isso é o mais importante. Mas também ficaria muito feliz se fosse um êxito, sobretudo para a produtora que decidiu fazer este filme e arriscou financeiramente. Devo-lhes respeito e gratidão por terem querido fazer este filme..Acredito que deva estar feliz por se poder ver no ecrã gigante. Sim, deixa-me muito feliz. Era impensável há 40 anos levar com a minha cara num póster de cinema. Já sei que vão começar a dizer que lá estou eu com este tipo de discurso, mas é verdade..Os portugueses que vemos neste filme não estão muito presentes no nosso espaço mediático. Não sente que este documentário é também um registo de um certo Portugal que não é muito filmado? Se quiséssemos levar este filme para um campo mais elitista, tínhamos feito o mesmo filme com uma outra história. Tenho muito orgulho de fazer parte desse Portugal, posso até ser a sua bandeira. Falo de um Portugal que, além de não ser muito mostrado, é maltratado..Portugal não está demasiado pequeno para o Tony Carreira? Não, gosto muito do meu país e estou feliz por ter nascido cá. Tenho muito orgulho em Portugal. Sou um patriota e acho que Portugal, mesmo sendo pequeno, é um país muito grande. E o que temos mais belo para mostrar lá fora é o nosso povo. Um povo do caraças. E isso muitos países ricos não têm.