Enviesamentos

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O processo de eleição para o cargo de secretário-geral das Nações Unidas é complicado, com votações sucessivas e secretas dos 15 membros do Conselho de Segurança. Nas últimas semanas soube-se, aparentemente com surpresa nos meios diplomáticos, que António Guterres tinha ficado em primeiro lugar nas duas votações iniciais. A surpresa não vinha da qualidade do candidato, que desenvolveu um elogiado trabalho enquanto comissário-geral para os Refugiados, mas de dois fatores que não dependem dele: ser originário da Europa Ocidental e ser homem, quando a tendência da mudança deste ano aponta para alguém da Europa de Leste e para uma mulher. Ban Ki-moon, o secretário-geral cessante, adiantou ontem que é "mais do que tempo" de o cargo ser confiado a uma mulher, pela primeira vez nos 70 anos de vida da organização. E esta afirmação, que ele próprio classificou como uma "humilde sugestão" tem razão de ser. As mulheres desempenham hoje um papel essencial na vida política, num mundo onde há ainda enormes desigualdades em largas regiões e culturas, e em particular o fundamentalismo islâmico põe ostensivamente em causa os mais básicos direitos das mulheres. E no entanto a declaração de Ban Ki-moon faz pensar um pouco além da questão de género. Com onze candidatos, todos eles de enorme qualidade e necessariamente com currículos que falam por si, com provas públicas específicas na candidatura, com tantos fatores geoestratégicos a pesar na eleição, resumir a questão a "está na hora de ser uma mulher" pode ser uma simplificação demasiado óbvia e a navegar a onda do momento. O que deveria ser definitivo para a escolha era a qualidade de quem se candidata: ser melhor. No dia em que a escolha seja guiada por essa linha, a paridade existe. E sim, mea culpa, esta opinião pode ser lida como enviesada: mas se António Guterres está na corrida e por duas vezes ficou em primeiro lugar, então pode acontecer que ele seja o melhor e venha a ser vítima das negociações circunstanciais. Torcer por ele não é, assim, defender apenas o português.

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