As imagens da lesão grave de André Gomes, neste domingo no decorrer do Everton-Tottenham, correram mundo e impressionaram os mais sensíveis. A muitos fez recuar a 27 de novembro de 1991, num final de tarde gelada em Kiev, num jogo entre o Benfica e o Dínamo para a fase de grupos da Liga dos Campeões, quando, a cinco minutos do final, Rui Águas ficou também com o pé pendurado, após um lance com um defesa contrário..Rui Águas recordou esse momento marcante na sua carreira ao ver o lance de André Gomes com o sul-coreano Son Heung-min. "Quando acontece uma situação semelhante àquela que vivi, é natural que reviva tudo aquilo por que passei", admite em conversa com o DN, explicando que também o médio do Everton "entrou em pânico" ao ver o pé fora de posição.."No meu caso não existiu dor, fiquei foi sem sentir o pé e gerou-se em mim um momento de pânico", recorda o antigo avançado, admitindo que "ainda hoje faz impressão ver". "Faz parte da minha vida e de vez em quando acabo por rever, seja para mostrar a alguém ou porque me cruzo com as imagens.".Aquela que foi a mais grave lesão da carreira de Rui Águas aconteceu num país que, na altura, não tinha meios tecnológicos, pois estava num momento pré-dissolução da União Soviética, concretizada cerca de um mês depois, e de muitas décadas de um regime fechado ao mundo. O antigo avançado sentiu isso mesmo na pele. "Fui transportado para um hospital de Kiev, onde tiveram de me tirar várias radiografias... A maquinaria do hospital era de uma pobreza tal que uma radiografia não chegava para perceber o alcance da minha lesão, não apanhava tudo", recorda.."Hoje é diferente, por certo que o André Gomes teve todas as condições de diagnóstico e irá ter melhores condições para recuperar do que na minha altura, pois houve um grande desenvolvimento na medicina e da tecnologia", admite, lembrando que um dos seu grandes trunfos foi a forma como encarou o problema logo após a lesão: "Recordo-me que iniciei logo a recuperação, nomeadamente em termos psicológicos e revelei então uma grande persistência e muita capacidade de sofrimento. Comecei a pensar na recuperação ainda em Kiev.".Dois dias depois do jogo, Rui Águas foi operado à perna direita já em Lisboa. "Colocaram-me uma placa e oito parafusos, estive quatro meses parado", conta o antigo futebolista que voltou a jogar no início de abril de 1992, nos instantes finais de um jogo com o Sp. Braga no Estádio da Luz. No final da época voltou a ir à mesa de operações para retirar os parafusos e a placa da perna..A mensagem de Rui Águas a André Gomes.André Gomes foi operado nesta segunda-feira, tendo o Everton esclarecido que a intervenção correu "extremamente bem", mas não adiantou o tempo de recuperação a esta fratura no tornozelo direito. Ainda assim, o médio tem, aos 26 anos, todas as condições para recuperar plenamente e, quem sabe, estar ainda no Euro 2020. O caso de Rui Águas acabou por ter um cenário diferente e mais pessimista: "O André ainda é jovem, mas na altura eu tinha 31 anos e gerou-se uma enorme desconfiança em volta de mim, diziam que era o fim da minha carreira, duvidavam que voltasse a jogar." O certo é que voltou e ainda jogou mais duas épocas ao mais alto nível no Benfica, nas quais marcou 18 golos em 68 jogos, e ainda fez uma última temporada (1994-1995) dividida entre Estrela da Amadora e Reggiana, de Itália.."Espero que o André Gomes consiga lidar com a recuperação da mesma forma que aconteceu comigo. Na minha altura contei com a ajuda preciosa de António Gaspar, atualmente fisioterapeuta da seleção nacional, que foi importante não só na recuperação física mas também psicológica", revela..O momento em que André Gomes caiu no relvado do estádio Goodison Park provocou uma série de reações de aflição entre os jogadores das duas equipas, sendo que o sul-coreano Son, que esteve envolvido no lance, foi aquele que apareceu mais desesperado, entrando num choro convulsivo que, segundo os colegas de equipa, se prolongou para além do final do jogo. Rui Águas recorda que o "loiro e alto" jogador do Dínamo Kiev, cujo nome não se lembra, "não falou" com ele depois do acidente, mas também "os tempos eram outros e não havia facilidade na comunicação". "A verdade é que eu e os centrais do Dínamo andávamos pegados no jogo, mas ainda hoje não me parece que tenham feito de forma propositada para me lesionar", finaliza o antigo ponta-de-lança.