Entre 'Parasitas' e '1917' joga-se a revolução e a continuidade
E se, de repente, 1917, de Sam Mendes, não vencesse a estatueta de melhor filme? O que era um cataclismo mal saíram as nomeações, nesta última semana em Hollywood há uma sensação de que o seu favoritismo já não é tão certo. A coqueluche do ano, Parasitas, de Bong Joon-ho, parece poder ter condições para ser o desmancha-prazeres. Depois da Palma de Ouro de Cannes, dos recordes de bilheteira (e em Portugal também é um sucesso histórico, tendo tido a sua antestreia na Comic Con Portugal) e, sobretudo, da vitória nos sindicatos dos atores e dos argumentistas, já se percebeu que pode acontecer surpresa. Uma surpresa que pode mudar todo o jogo dos Óscares. Aliás, se isso acontecer, Parasitas será o primeiro a vencer o Óscar de melhor filme internacional e o Óscar principal. Acima de tudo, esta história de uma família sul-coreana que usurpa a vida de uma outra família de classe social elevada é o único filme com possibilidade de derrubar do trono o favorito 1917. Em Hollywood e em toda a Academia, cada vez mais renovada, a força de Parasitas parece ter um impacto quase consensual - é o filme pelo qual todos gostam de torcer.
Na verdade, se Parasitas confirmar essa tendência, a tal revolução pode ser o tónico que a Academia precisa. Primeiro, para ser mais respeitada pela comunidade cinematográfica internacional, depois porque o tal esvaziamento de suspense quanto aos resultados previsíveis após sucessivas cerimónias da temporada dos prémios sempre com os mesmos desfechos é estacando. Não esquecer que nos Globos de Ouro, nos prémios do sindicato dos realizadores e nos BAFTA a vitória de 1917 foi sempre constante. Parasitas vitorioso era o golpe de rins que a própria cerimónia precisava. Seja como for, se 1917 conquistar o Óscar, como é o mais natural, Hollywood estará a celebrar o seu poder técnico e científico de fazer uma obra a fingir que é apenas de um só plano. Uma celebração do seu poder científico e artístico. Não é por acaso que se chama Academia das Artes e Ciências Cinematográficas.
Por um lado, ou ganha a continuidade ou vence a mudança com o filme sul-coreano. A diferença com a vitória asiática é que tudo muda: o cinema do mundo passa a ter protagonismo em pleno seio da indústria cinematográfica americana. A democratização fica a um passo.
Curiosamente, com tantas certezas, poucos são os que ainda acreditam numa vitória de Era Uma Vez em... Hollywood, de Quentin Tarantino. É pena que nesta especulação o prodígio de inteligência desta carta de amor a Hollywood nem entre nas cogitações. A previsibilidade nos Óscares é uma das suas perdas...
Podia-se ainda supor que é ano de divisões. Por exemplo, Parasitas melhor filme e 1917 melhor realização. Era talvez mais justo, mas na realização Sam Mendes ainda tem maior grau de favoritismo. No que Parasitas está na frente, além do já "certo" Óscar de melhor filme internacional, é na categoria de melhor argumento.
Dê por onde der, nesta altura de decisões, a Netflix na categoria de melhor filme é carta fora do baralho.
Podiam estar dez filmes a concorrer para a categoria de melhor filme, mas só estão nove. Faltou Diamante Bruto, dos irmãos Safdie. A injustiça talvez se explique porque a Academia olha para os manos como cineastas símbolo de um cinema indie que não é oscarizável. Há também o facto de ser Martin Scorsese um dos seus produtores e Marty já ter excedido a sua quota com o seu O Irlandês. Mas nada explica que Adam Sandler não esteja nomeado para melhor ator.