Ensino superior pode cobrar propinas e juros, mas há quem esteja a adiar

É uma questão que separa universidades, politécnicos e os alunos. A lei prevê que tudo continue na mesma, mas há instituições que já deram passos no sentido de melhor apoiar os estudantes que possam passar por dificuldades nos próximos tempos.
Publicado a
Atualizado a

Numa altura de incertezas, faz-se contas ao que aí vem. Com a chegada da pandemia de covid-19 e um país obrigado a fechar grande parte do seu negócio, são várias as famílias que poderão vir a sentir perda de rendimentos. Até esta fase histórica ser ultrapassada, "este processo vai implicar dor", já alertou o primeiro-ministro António Costa. Uma previsão que tem chamado a atenção e a preocupação das instituições de ensino superior, não só porque o tecido de jovens estudantes no país é marcado por uma forte dependência do agregado familiar, mas também porque o número de trabalhadores-estudantes voltou a aumentar. Face ao cenário, estudam-se soluções para apoiar o pagamento de propinas, mas só os institutos politécnicos vão mais além, para já.

Suspender propinas? Não "existindo aulas [ainda que à distância], não está em causa o pagamento das propinas", responde Pedro Dominguinhos, presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP). Independentemente das formas que as várias instituições estão a procurar para chegar aos seus alunos, frisa. Do governo ainda não chegou qualquer ordem sobre o assunto, mas, "dentro do âmbito da responsabilidade social, é importante encontrar as soluções para todos os casos, dentro da legalidade possível".

Por isso mesmo, algumas escolas superiores decidiram tomar a iniciativa de alargar o prazo para o pagamento das propinas. Como é o caso do Instituto Politécnico de Setúbal (ISP), presidido pelo próprio Pedro Dominguinhos, de Castelo Branco, de Portalegre e de Santarém. O período de alargamento e as condições para a sua aplicação diferem, no entanto, entre eles. "No caso do IPS, foi alargado para setembro [antes os estudantes tinham até junho para pagar] e sem juros de mora", ou seja, os alunos não têm qualquer prejuízo financeiro por pagarem apenas em setembro, explica. Enquanto o IPS aplica esta medida a todos os seus alunos, o de Santarém, por exemplo, decidiu atribuí-la "apenas a quem necessita, mediante um requerimento".

Para as universidades, esta possibilidade ainda não é colocada em cima da mesa. De acordo com o presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), a situação deve ser avaliada caso a caso. "O que nos preocupa é algum jovem que, eventualmente, devido à pandemia, tenha pais que fiquem no desemprego. Neste caso, podemos procurar bolsas adicionais para apoiar", diz António Fontainhas Fernandes - também reitor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD). Bolsas estas que, "dependendo da dimensão deste fenómeno, podem decorrer a nível autónomo ou nacional".

Entretanto, todos os estudantes continuam a ter até 31 de maio para apresentar candidatura à bolsa de Ação Social ou reapreciação da mesma.

Instituições podem aplicar juros de mora?

A aplicação de juros de mora no pagamento das propinas "deriva da legislação de financiamento" das instituições, explica Pedro Dominguinhos. E, embora "haja margem" para que seja suspensa durante um período, "isto é uma decisão que caberá a cada instituição" e depende das suas condições administrativas e financeiras.

"Em Setúbal, com a exceção da primeira propina, que tem de pagar até outubro, o estudante pode ir pagando as dez prestações do ano de acordo com a sua gestão financeira até junho (pagar mensalmente ou avulso no último mês), sem qualquer prejuízo de mora. Mas há outras instituições que vencem mensalmente e aqui a história é outra", explica o presidente do CCISP. O instituto de Setúbal que gere "já esteve nesta situação", mas abandonou-a, "porque do ponto de vista administrativo os custos de processar [as propinas mensalmente] eram tão elevados face à cobrança de juros".

Por isso, frisa, optar por suspender os juros de mora até uma determinada altura dependerá do contexto administrativo das faculdades e dos politécnicos. "Temos de aplicar a lei. Se existir alguma legislação que permita a não cobrança de juros de mora, naturalmente nós aplicá-la-emos", remata.

Uma ideia, aliás, proposta pela Federação Académica do Porto (FAP). No final do mês passado, numa carta aberta endereçada ao ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, o presidente da FAP pedia o reforço da Ação Social e das propinas como medida de apoio aos estudantes nesta fase mais crítica. "A solução mais simples seria aplicar a lógica da suspensão, mas, desta vez, a simplicidade poderá ser demasiado perigosa para o sistema", pode ler-se. Por isso, Marcos Alves Teixeira propõe mesmo "a eliminação dos juros de mora no pagamento de propina, não prejudicando quem não a consiga pagar já e a criação de uma linha de apoio social adicional à qual os estudantes possam recorrer e ser compensados, na medida do corte salarial, garantindo que o encargo com a propina não é maior do que o previsto no início do ano letivo".

Esta questão não é unânime entre estudantes. A Federação Académica de Lisboa propõe, por outro lado, o pagamento mais faseado. E a Associação Académica de Lisboa vai mais longe, exigindo "a suspensão imediata das propinas", "enquanto se mantiver este estado de exceção", lê-se numa nota de imprensa enviada pela associação.

Outros apoios

A par do pagamento de propinas, há instituições superiores que estão a procurar prestar outros apoios aos seus estudantes, nomeadamente através da distribuição de computadores para aqueles que não possuam este recurso.

A Universidade do Minho anunciou nesta quinta-feira o lançamento de uma campanha de recolha de computadores para alunos carenciados. "Embora aberto a toda a comunidade, este desafio solidário tem como destinatários os alumni e todas as empresas e demais instituições parceiras da UMinho", escreve a instituição, num comunicado enviado às redações. Todos os interessados em colaborar devem contactar a universidade através de e-mail (alumni@alumni.uminho.pt) ou do seguinte número de telemóvel: 913 586 580.

Segue, por isso, o exemplo de outras instituições, como o Instituto Politécnico de Setúbal (IPS), que já arrancou com o empréstimo de equipamentos da escola a estudantes que não tenham acesso aos mesmos. O IPS identificou 70 alunos sem recurso a um computador, representando 1% do total de sete mil, diz o presidente Pedro Dominguinhos. Além disso, "a Associação Académica decidiu também distribuir o hotspot por todos eles". O representante da instituição está "convencido de que outros politécnicos e faculdades vão olhar com mais atenção para este problema".

Ainda na semana passada, enquanto dirigente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP), Pedro Dominguinhos requereu ao governo "a criação de pacotes para reforçar o acesso à internet dos estudantes ligados aos IP das instituições, ou gratuitos ou a preços mais reduzidos".

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt