"Não há nada mais encorajador para a injustiça do que o silêncio ensurdecedor." É com esta frase que Enes Kanter recebe o visitante da sua página You are my hope ("és a minha esperança"). Nela, o basquetebolista faz abertamente campanha contra o regime do presidente turco, Recep Tayyip Erdogan..Na sexta-feira (19 de junho), um tribunal deixou cair a acusação ao pai de Enes, Mehmet Kanter, professor universitário de genética, de pertencer ao grupo que Ancara culpa por um golpe de Estado falhado em 2016..O pai de Enes, que estudou medicina na Suíça (o que explica o nascimento de Enes em Zurique) fora detido em 2017, e o passaporte confiscado após a sua libertação. Caso fosse condenado poderia ter uma pena de prisão de dez anos..Ao comparecer em tribunal em Tekirdag, no noroeste da Turquia, na quinta-feira, Mehmet Kanter voltou a rejeitar quaisquer ligações ao movimento do clérigo muçulmano Fethullah Gulen, tratado oficialmente como FETÖ, e conhecido como Hizmet..Ao saber da nova, Enes, de 28 anos, reagiu no Twitter. "Uau! Eu podia chorar. O meu pai foi libertado! Isto deve-se à pressão que temos exercido sobre o regime turco", comentou, após ter dito que o pai fora acusado num "simulacro de tribunal" devido às ligações familiares..Logo a seguir, lembrou que o pai é um caso entre dezenas de milhares e que não esquecerá essas pessoas que considera perseguidas pelo regime de Erdogan.."Isto prova que a voz do povo vai acabar sempre por levar os ditadores a fazer o que está certo. Não tenha medo de defender o que está certo, sempre e sempre, Defenda a liberdade, defenda a democracia, defenda os direitos humanos", escreveu..O poste dos Celtics é um crítico declarado do presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, e manifestou o seu apoio a Gulen, pelo que enfrenta acusações semelhantes aos do pai..Os laços de Enes Kanter com Gulen estão à vista de todos. Estudou na Turquia numa escola da rede do imã e, já nos EUA, conheceu-o pessoalmente. Gulen, antigo aliado de Erdogan, foi viver para os Estados Unidos em 1999. Em 2013, este homem que defende a promoção de um islão moderado e aberto à ciência e ao ensino tornou-se no inimigo de estimação do líder turco..A purga de Erdogan.Se as relações já eram más pior ficaram com a intentona de 2016. Na sequência, Erdogan empreendeu uma onda de repressão que levou ao despedimento de 130 mil funcionários públicos, entre os quais professores e magistrados., e ao encerramento de escolas e de meios de comunicação..Mais de 30% dos diplomatas turcos, 60% das altas patentes da polícia, 50% dos generais e cerca de 30% dos juízes e procuradores foram declarados terroristas de um dia para o outro, em 2016, pelas decisões do executivo de Erdogan, sem qualquer processo judicial a sustentar as medidas. Entre o meio milhão de pessoas que foram detidas, segundo o Stockholm Center for Freedom há neste momento 81 jornalistas a cumprir pena de prisão, 72 detidos e 168 procurados - a Turquia é o maior cárcere de jornalistas no mundo..Gulen negou veementemente as alegações de que estava por trás do golpe. Kanter disse que estava com Gulen nessa noite, e que o clérigo chorou e rezou pelo seu país, contou o atleta à Vox, tendo também afirmado que não se calará se tiver críticas a apontar ao Hizmet. "Se eu vir algo de errado neste movimento também falarei sobre isso.".Mas de nada valeu à sua família, que pagou de imediato pelas suas ligações ao clérigo. O pai foi despedido da universidade nas purgas contra os gulenistas. Poucos dias depois, a família escreveu uma carta a denunciar Kanter pela sua ligação com Gulen. "Com um sentimento de vergonha, peço desculpa ao nosso presidente e ao povo turco por ter um filho assim", lia-se na carta assinada por Mehmet Kanter..As retaliações a Enes Kanter continuaram e este só ganhou mais ânimo para usar a sua voz contra o autoritarismo de Erdogan. Os jogos da NBA em que participa não são transmitidos na Turquia, e a Nike negou um patrocínio (no mesmo ano em que assinou com o jogador de futebol americano e ativista Colin Kaepernick). "Queremos dar um contrato ao Enes. Estamos de olho nele. Mas se lhe dermos um contrato eles encerrarão todas as lojas na Turquia, por isso não podemos", disse o próprio, citando elementos da empresa de material desportivo, em entrevista à Vice..Enes Kanter é conhecido por transmitir mensagens nas sapatilhas, ora clamando por liberdade, ora pedindo aos fãs para lavarem as mãos, referência aos cuidados a ter durante a pandemia..Inimigo número 2.O pior estaria para vir para o homem já considerado o "inimigo número 2" de Erdogan. No que mais tarde considerou uma "tentativa de rapto", fugiu da Indonésia, onde se deslocou para dirigir uma escola de basquetebol. Ainda nessa viagem foi detido na Roménia depois de as autoridades lhe terem dito que o passaporte era inválido. Ainda assim, conseguiu regressar aos EUA, segundo o New York Times graças à ação da NBA e do Departamento de Estado..Desde então o basquetebolista é apátrida e aguarda a cidadania norte-americana. No final deste episódio, Kanter comparou Erdogan a Hitler..No ano passado, a perseguição continuou. A equipa em que jogava, os New York Knicks, deslocou-se a Londres, mas o poste de 2,08 metros recebeu ordem de extradição por parte de Ancara e acabou por não viajar. Também no ano passado, Kanter tentou realizar mais uma escola de basquetebol, desta vez em Long Island, em conjunto com o centro islâmico daquela localidade nova-iorquina. Mas o consulado turco exerceu pressão e a iniciativa gratuita para os jovens foi cancelada..Na semana passada, soube-se que a acusação contra Mustafa Yesil, um escritor e jornalista opositor de Erdogan, que se exilou para evitar a prisão, tinha como provas contra si o facto de ter partilhado no Facebook uma entrevista do atleta.."Isto está a ficar fora de controlo!", reagiu no Twitter Kanter. "O governo turco lança agora uma investigação criminal para pessoas que estão a partilhar as minhas entrevistas e a retuitar os meus tuites e artigos. Estes fascistas estão a arruinar um belo país!", declarou, antes de terminar com um ataque a Erdogan: "Continue a ter medo"..No seu site dá grande destaque à petição que iniciou em novembro para despertar as consciências sobre Erdogan, "um homem despótico que roubou vidas de crianças, mulheres e inocentes na Turquia e cooperou com muitas organizações terroristas, incluindo o Estado Islâmico, está agora a brincar com as vidas de milhões de pessoas na Síria pelas suas ambições políticas e políticas de repovoamento racial", e que "poderá infligir grandes danos ao mundo civilizado como qualquer outro ditador da história"..Poderio militar.Nas últimas semanas a Turquia tem aprofundado operações militares na Líbia e no Iraque, além da que mantém na Síria. O comportamento dúplice de Ancara com a Rússia e com a NATO, da qual é membro fundador foi objeto de renovadas críticas na véspera da cimeira (por videoconferência) dos ministros da Defesa da Aliança Atlântica..O governo francês denunciou o comportamento "extremamente agressivo" da Turquia,, contra uma fragata francesa que comandava a missão Irini no Mediterrâneo. Paris queixa-se de que durante uma tentativa de controlar um cargueiro suspeito de contrabandear armas para a Líbia, fragatas turcas colocaram o navio de guerra francês no radar..Um navio da marinha grega foi igualmente impedido de inspecionar o mesmo cargueiro pela sua escolta militar turca na semana passada. A NATO anunciou que vai investigar o sucedido, mas não se esperam consequências, uma vez que seria necessário o consenso de todas as partes. Ancara rejeita as acusações.
"Não há nada mais encorajador para a injustiça do que o silêncio ensurdecedor." É com esta frase que Enes Kanter recebe o visitante da sua página You are my hope ("és a minha esperança"). Nela, o basquetebolista faz abertamente campanha contra o regime do presidente turco, Recep Tayyip Erdogan..Na sexta-feira (19 de junho), um tribunal deixou cair a acusação ao pai de Enes, Mehmet Kanter, professor universitário de genética, de pertencer ao grupo que Ancara culpa por um golpe de Estado falhado em 2016..O pai de Enes, que estudou medicina na Suíça (o que explica o nascimento de Enes em Zurique) fora detido em 2017, e o passaporte confiscado após a sua libertação. Caso fosse condenado poderia ter uma pena de prisão de dez anos..Ao comparecer em tribunal em Tekirdag, no noroeste da Turquia, na quinta-feira, Mehmet Kanter voltou a rejeitar quaisquer ligações ao movimento do clérigo muçulmano Fethullah Gulen, tratado oficialmente como FETÖ, e conhecido como Hizmet..Ao saber da nova, Enes, de 28 anos, reagiu no Twitter. "Uau! Eu podia chorar. O meu pai foi libertado! Isto deve-se à pressão que temos exercido sobre o regime turco", comentou, após ter dito que o pai fora acusado num "simulacro de tribunal" devido às ligações familiares..Logo a seguir, lembrou que o pai é um caso entre dezenas de milhares e que não esquecerá essas pessoas que considera perseguidas pelo regime de Erdogan.."Isto prova que a voz do povo vai acabar sempre por levar os ditadores a fazer o que está certo. Não tenha medo de defender o que está certo, sempre e sempre, Defenda a liberdade, defenda a democracia, defenda os direitos humanos", escreveu..O poste dos Celtics é um crítico declarado do presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, e manifestou o seu apoio a Gulen, pelo que enfrenta acusações semelhantes aos do pai..Os laços de Enes Kanter com Gulen estão à vista de todos. Estudou na Turquia numa escola da rede do imã e, já nos EUA, conheceu-o pessoalmente. Gulen, antigo aliado de Erdogan, foi viver para os Estados Unidos em 1999. Em 2013, este homem que defende a promoção de um islão moderado e aberto à ciência e ao ensino tornou-se no inimigo de estimação do líder turco..A purga de Erdogan.Se as relações já eram más pior ficaram com a intentona de 2016. Na sequência, Erdogan empreendeu uma onda de repressão que levou ao despedimento de 130 mil funcionários públicos, entre os quais professores e magistrados., e ao encerramento de escolas e de meios de comunicação..Mais de 30% dos diplomatas turcos, 60% das altas patentes da polícia, 50% dos generais e cerca de 30% dos juízes e procuradores foram declarados terroristas de um dia para o outro, em 2016, pelas decisões do executivo de Erdogan, sem qualquer processo judicial a sustentar as medidas. Entre o meio milhão de pessoas que foram detidas, segundo o Stockholm Center for Freedom há neste momento 81 jornalistas a cumprir pena de prisão, 72 detidos e 168 procurados - a Turquia é o maior cárcere de jornalistas no mundo..Gulen negou veementemente as alegações de que estava por trás do golpe. Kanter disse que estava com Gulen nessa noite, e que o clérigo chorou e rezou pelo seu país, contou o atleta à Vox, tendo também afirmado que não se calará se tiver críticas a apontar ao Hizmet. "Se eu vir algo de errado neste movimento também falarei sobre isso.".Mas de nada valeu à sua família, que pagou de imediato pelas suas ligações ao clérigo. O pai foi despedido da universidade nas purgas contra os gulenistas. Poucos dias depois, a família escreveu uma carta a denunciar Kanter pela sua ligação com Gulen. "Com um sentimento de vergonha, peço desculpa ao nosso presidente e ao povo turco por ter um filho assim", lia-se na carta assinada por Mehmet Kanter..As retaliações a Enes Kanter continuaram e este só ganhou mais ânimo para usar a sua voz contra o autoritarismo de Erdogan. Os jogos da NBA em que participa não são transmitidos na Turquia, e a Nike negou um patrocínio (no mesmo ano em que assinou com o jogador de futebol americano e ativista Colin Kaepernick). "Queremos dar um contrato ao Enes. Estamos de olho nele. Mas se lhe dermos um contrato eles encerrarão todas as lojas na Turquia, por isso não podemos", disse o próprio, citando elementos da empresa de material desportivo, em entrevista à Vice..Enes Kanter é conhecido por transmitir mensagens nas sapatilhas, ora clamando por liberdade, ora pedindo aos fãs para lavarem as mãos, referência aos cuidados a ter durante a pandemia..Inimigo número 2.O pior estaria para vir para o homem já considerado o "inimigo número 2" de Erdogan. No que mais tarde considerou uma "tentativa de rapto", fugiu da Indonésia, onde se deslocou para dirigir uma escola de basquetebol. Ainda nessa viagem foi detido na Roménia depois de as autoridades lhe terem dito que o passaporte era inválido. Ainda assim, conseguiu regressar aos EUA, segundo o New York Times graças à ação da NBA e do Departamento de Estado..Desde então o basquetebolista é apátrida e aguarda a cidadania norte-americana. No final deste episódio, Kanter comparou Erdogan a Hitler..No ano passado, a perseguição continuou. A equipa em que jogava, os New York Knicks, deslocou-se a Londres, mas o poste de 2,08 metros recebeu ordem de extradição por parte de Ancara e acabou por não viajar. Também no ano passado, Kanter tentou realizar mais uma escola de basquetebol, desta vez em Long Island, em conjunto com o centro islâmico daquela localidade nova-iorquina. Mas o consulado turco exerceu pressão e a iniciativa gratuita para os jovens foi cancelada..Na semana passada, soube-se que a acusação contra Mustafa Yesil, um escritor e jornalista opositor de Erdogan, que se exilou para evitar a prisão, tinha como provas contra si o facto de ter partilhado no Facebook uma entrevista do atleta.."Isto está a ficar fora de controlo!", reagiu no Twitter Kanter. "O governo turco lança agora uma investigação criminal para pessoas que estão a partilhar as minhas entrevistas e a retuitar os meus tuites e artigos. Estes fascistas estão a arruinar um belo país!", declarou, antes de terminar com um ataque a Erdogan: "Continue a ter medo"..No seu site dá grande destaque à petição que iniciou em novembro para despertar as consciências sobre Erdogan, "um homem despótico que roubou vidas de crianças, mulheres e inocentes na Turquia e cooperou com muitas organizações terroristas, incluindo o Estado Islâmico, está agora a brincar com as vidas de milhões de pessoas na Síria pelas suas ambições políticas e políticas de repovoamento racial", e que "poderá infligir grandes danos ao mundo civilizado como qualquer outro ditador da história"..Poderio militar.Nas últimas semanas a Turquia tem aprofundado operações militares na Líbia e no Iraque, além da que mantém na Síria. O comportamento dúplice de Ancara com a Rússia e com a NATO, da qual é membro fundador foi objeto de renovadas críticas na véspera da cimeira (por videoconferência) dos ministros da Defesa da Aliança Atlântica..O governo francês denunciou o comportamento "extremamente agressivo" da Turquia,, contra uma fragata francesa que comandava a missão Irini no Mediterrâneo. Paris queixa-se de que durante uma tentativa de controlar um cargueiro suspeito de contrabandear armas para a Líbia, fragatas turcas colocaram o navio de guerra francês no radar..Um navio da marinha grega foi igualmente impedido de inspecionar o mesmo cargueiro pela sua escolta militar turca na semana passada. A NATO anunciou que vai investigar o sucedido, mas não se esperam consequências, uma vez que seria necessário o consenso de todas as partes. Ancara rejeita as acusações.