Emma Stone sobre Cruella: "Há muito que não via assim algo negro na Disney!"
Esquecer os dálmatas, apostar na vilanagem. Esta Cruella em versão imagem real tem uma mistura de bom senso e desplante de não ser o típico filme infantil que se espera da Disney. É mais negro, mais "fashionista" e divertido do que a tabela destes últimos tempos. A vilã da moda numa superprodução capaz de reinterpretar espessuras clássicas ao sabor de um molde a lembrar a estética dos filmes da DC. Uma Cruella mais super-heroína do que outra coisa qualquer numa obra cuja escala a nível de desenho de produção e de valores de guarda-roupa parece sempre topo de gama.
Além de Cruella, a história aposta também tudo na personagem de uma outra vilã, a Baronesa, líder da moda no Reino Unido, uma mulher egocêntrica de grande poder que se torna na adversária de Cruella, jovem estilista punk, famosa por provocar a rival com desfiles "flash" e com sabotagem das suas coleções. Nesta nova versão, Cruella é o lado negro da talentosa Estella, uma aspirante a designer de moda na vibrante Londres dos anos 70. Estella que se tornou órfã em situações misteriosas e que cresceu a dar golpes nas ruas de Londres ao lado de Jasper e Horace, dois vagabundos delinquentes artistas da golpada. Cruella é a sua versão vingativa e não precisa de fazer casacos com pele de cãezinhos adoráveis...Enquanto se vinga da cruel Baronesa cria uma ideal de moda arrojado, entre o puro "punk rock" e o mais berrante "glam".
Craig Gillespie, realizador que começou a dar nas vistas no perverso Lars e o Verdadeiro Amor (2007), joga tudo num dinamismo pensado para um público mais adolescente do que infantil. Nisso e no prazer do jogo dos atores, com especial destaque para a faísca entre as Emmas, a Stone e a Thompson, respetivamente Cruella e a Baronesa. A primeira extravagante, diabólica e pop-star, enquanto a outra totalmente britânica, seca e egocêntrica. Emma Thompson e Emma Stone atiram-se para as personagens "maiores do que a vida" com um prazer sulfuroso. Stone faz esquecer Glenn Close em 101 Dálmatas, de Stephen Herek, objeto em que em 1996 era apenas fogo de vista, enquanto que a frieza de Thompson evoca a maldade de Meryl Streep em O Diabo Veste Prada.
E é numa conferência virtual para jornalistas de todo o mundo que o DN encontra as duas Emmas. Estão felizes da vida e separadas entre continentes, já nos antípodas dos visuais carregados deste filme.
"Depois de passar décadas a interpretar "mulheres boazinhas em vestidos de época", como a minha mãe diz, agora pude interpretar uma mulher mesmo cruel com muitos vestidos. Mas, meu Deus, que vestidos! Na verdade, o que se passou é que os vestidos é que se apoderaram de mim e eu nunca tive tanto prazer na vida! Chegava ao plateau olhava para a Emma Stone e ficávamos as duas a desfilar com o guarda-roupa. Sentíamo-nos esculturas de arte ou coisa assim... De alguma forma, criaram a Baronesa para mim e eu limitei-me a dizer as palavras dos diálogos", começa por dizer a Emma mais velha.
Ao lado, Emma Stone ri-se com aquela gargalhada transbordante. É alguém que está feliz com este blockbuster, todo ele pensado em sua função e com o seu dedo criativo (foi a própria quem aprovou todas as decisões importantes do filme, elenco incluído) e riposta: "Sabes Emma, fiquei muito surpreendida pela Disney ter tido tanta coragem em transformar isto num objeto deliciosamente negro. Deixaram o Craig Gillespie fazer o que ele queria. Creio que é decididamente um filme negro para os padrões da Disney, mesmo que não tenha a negritude de um filme apenas para maiores de idade. Aliás, há muito que não via assim algo negro na Disney...". A atriz oscarizada de La La Land interpreta uma papel com duas versões, a Estella simpática e sonhadora e Cruella, ambiciosa e com um cheirinho de Joker. "São duas personagens mesmo, mas prefiro a Cruella! A Estella é apenas queridinha, creio que é alguém que encontrou a sua verdadeira essência. Devo dizer que há algo na Cruella que me excita...Ela é uma rapariga que não esconde aquilo que é".
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Entre muita piada interna entre as duas Emmas, a moderadora desta encontro por Zoom deixa espaço aberto a Stone para deixar uma mensagem: "Este é um filme sobre como as nossas fraquezas se tornam nas nossas forças", lembrando que se tornou atriz por ser uma jovem com medo e com nervos... Thompson desata a rir mais uma vez: "este filme é muito especial para mim, passa-se nos anos 1970 na minha cidade. Credo! Aquele autocarro que vemos era o que eu apanhava para ir para casa! Fazer este filme foi como que uma viagem à minha adolescência. Eu usei aquelas roupas!! Enfim, foi surreal filmar isto...Transportou-me para tão longe!".
Se é verdade que outra das estrelas do filme são as roupas espampanantes da Baronesa e de Cruella, Cruella vive também de um feliz e inspirado uso da música pop. Canções de Ike & Tina, Queen ou dos Supertramp dão a pedalada certa a um filme que muitos acreditam que pode vir a ser o primeiro sucesso a sério nas bilheteiras portuguesas desde a retoma das salas, mesmo estando também a partir de quinta-feira disponível na Disney +, versão premium.
Os amigos golpistas de Cruella são Jasper e Horace, interpretados por Joel Fry e Paul Walter Hauser, parceiros no crime desta princesa da moda. Parecem personagens com espírito de Dickens, um "bucha & estica" com um humor físico elegantíssimo. Também por Zoom, o DN chegou à fala com os atores.
Joel Fry, ator inglês muito na berra (foi visto em Yesterday e em Game of Thrones), avisa logo que é fã de Lisboa e diz estar farto de viver em Londres longe de tudo e do nosso sol: "Quero ir já para aí! Posso estar na moda mas de nada serve nesta pandemia. Não estou mesmo a usufruir deste bom momento da minha carreira. Custa-me estar sem pessoas, quero focar-me naqueles que amo e estou tanto a precisar do sol de Lisboa...".
Paul Walter Hauser, o Richard Jewell de O Caso Richard Jewell, de Clint Eastwood, está num apartamento airbnb enquanto filma uma série, e é todo sorrisos: "Eu e Joel Fry resultamos muito bem por sermos muito distintos fisicamente, parecemos um 10 e percebemos até onde poderíamos ir. Creio que neste filme a fisicalidade das personagens não estava no argumento, nasceu connosco, sobretudo com as personagens das Emmas". Paul, que no filme de Clint Eastwood poderá ter estado a um passo de uma nomeação de um Óscar... "se fui roubado!? Isso não sei, é um termo algo forte, talvez para o Spike Lee, um tipo muito apaixonado. O que sinto é que eu, o Taron Egerton, em Rocketman, e o Adam Sandler, em Diamante Bruto, poderíamos ter tido melhor sorte".
O ator americano aparece aqui com um sotaque "cockney" perfeito. Para muitos, foi uma surpresa a Disney não ter exigido a escolha de um ator britânico: "A Disney queria realmente um ator britânico, mas o Craig Gillespie confia no meu talento e conhecia-me bem. Sei que a Emma Stone lutou por mim", confessa Paul.
Quanto ao estilo do filme, é Joel Fry quem acredita que Cruella é uma descolagem dos filmes em imagem real dos anos 1990 de 101 Dálmatas: "O Craig Gillespie quis fazer algo com outro estilo e energia, não tem nada a ver, mesmo que ainda apareçam alguns dálmatas...Isso foi muito bom".
Numa altura em que já se fala de uma possível continuação, ambos sorriem com a possibilidade. Fry prefere falar sobre o que vem aí depois do choque da pandemia: "Tudo mudou...e o streaming ficou com muito mais força. Estou curioso para perceber para onde isto caminha... A covid foi complicada para os cinemas mas esta situação de domínio do streaming já estava a entrar numa certa supremacia. Neste momento, a indústria de cinema trabalha de forma muito diferente. Continua-se a filmar muita coisa, vamos ver..."
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