Ema Dantas está a escalar as maiores montanhas do mundo com a bandeira das doenças mentais
Ema Dantas tem medo de alturas. Quando toma consciência dos metros que deixou para baixo não consegue evitar o nervosismo, as tonturas. Mas isso não a prende ao chão. Nesta segunda-feira voa para a Antártida a partir do Chile. Depois de aterrar, caminha novamente para as alturas: vai subir o monte Vinson.
Do chão ao céu são 4892 metros. É o ponto mais alto da Antártida e uma das sete maiores montanhas do mundo. A principal dificuldade em escalar o pico das montanhas Ellsworth serão as condições climáticas, prevê Ema. Durante os próximos 11 dias, as temperaturas podem atingir -60º C. "Muitos casacos e botas quentes" são a solução da portuguesa de Duas Igrejas (Miranda do Douro). Além disso, viver no Canadá desde os 18 anos "tem sido um bom treino tendo em conta as habituais temperaturas baixas".
Segue-lhe os passos uma equipa de apoio. Fazem-se acompanhar de trenós, onde levam as tendas para dormir e a comida pre-cozinhada e congelada. E depois é subir, subir, subir.
Os últimos dias passou-os na Terra do Fogo, no Chile, a descansar, a caminhar, a levantar pesos, a preparar-se para o desafio que se avizinha. "Como já é a quarta etapa, sinto-me mais preparada e com mais força. É uma aventura como outra qualquer."
Vai a meio do desafio: subir as oito montanhas mais altas do mundo. Para trás ficaram o Monte Kilimanjaro (Tanzânia), o Monte Elbrus (Rússia) e a Pirâmide Pyramid (Indonésia). Seguem-se o Monte Evereste (Nepal), Aconcagua (Argentina), Denali (Alasca, Estados Unidos) e o Monte Kosciuszko (Austrália), durante o próximo ano e o início de 2020. Esta meta está relacionada com a previsão da abertura das novas instalações do Centre for Addiction and Mental Health, no Canadá, para onde está a angariar dinheiro enquanto sobe montanhas.
"Quando chego ao cume vale a pena. E quando é difícil lembro-me da razão por que estou a fazer isto." A razão é a sensibilização para as doenças do foro psicológico. É por isso que escala e pede doações para ajudar quem sofre com doenças mentais; foi também por este motivo que criou há um ano a Fundação Peaks for Change, que apoia causas solidárias.
A preocupação com estas doenças em específico vem de perto, da mãe, que morreu aos 66 anos e "foi diagnosticada com problemas mentais aos 40 anos". "Ninguém deveria sofrer como ela sofreu."
Por isso, está especialmente preocupada em mostrar as doenças invisíveis. "Ainda há muito estigma com a saúde mental. Uma pessoa com uma doença mental não é maluca. É uma doença como outra qualquer. Fala-se muito em cancro, mas em saúde mental nem por isso." Tem o objetivo de angariar 700 mil dólares canadianos (457 mil euros). Até agora tem 30 mil euros.
Ela própria ri-se da sua imagem: uma avó de 51 anos, com 43 quilos e um metro e meio de altura a escalar montanhas. "Nunca tinha escalado antes disto", admite. Tem uma empresa de tradução no Canadá e o desporto nem sequer era o seu "forte quando andava no liceu".
Mas os contras só a entusiasmam mais. "Não é um desporto muito habitual para mulheres", por isso considerou que ainda ia chamar mais a atenção.
O presidente da Federação Portuguesa de Montanhismo e Escalada, Carlos Gomes, confirma: "O alpinismo/montanhismo é, neste momento, praticado predominantemente por homens. Porém, tem sido notório o aumento de participação de mulheres, um pouco por todo o mundo, a praticar esta modalidade."
"É uma aventura ousada e muito difícil, sem dúvida. Mas creio que Ema Dantas vai conseguir preparar-se convenientemente se tiver os apoios logísticos e técnicos fundamentais. Além disso terá ainda de ter capacidades de resistência física e psicológica que determinarão o seu sucesso", acrescenta Carlos Gomes.
Se em 2020 a empresária conseguir terminar este desafio será a primeira mulher portuguesa a fazê-lo, seguindo as pisadas do português João Garcia.
Existem duas versões da lista dos sete maiores picos do mundo: a de Dick Bass, que criou o desafio Seven Summit, em que se propôs a escalar as maiores montanhas de cada um dos continentes, e a de Reinhold Messner, o primeiro alpinista a escalar todas as montanhas com mais de 8000 metros. A diferença entre as duas listas está na pirâmide de Cartensz, que Messer indica como um dos sete picos, ao contrário de Bass, que refere o monte Kosciuszko.
As outras seis montanhas são o monte Everest (8848 m), Aconcágua (6961 m), Denali (6198 m), Kilimanjaro (5895 m), o monte Elbrus (5642 m) e o monte Vinson (4 892 m).
Ema Dantas vai fazer as duas listas, ou seja, vai escalar as seis montanhas em comum e ainda as duas em que Bass e Messer divergem. "Vou subir as oito para completar as duas versões e não deixar dúvidas. Assim ninguém poderá contestar o certificado."
E o que é preciso para ser bem-sucedida neste desafio? "Muito treino, bons conhecimentos sobre fisiologia humana, em particular em altitude, alimentação adequada, mantendo sempre níveis elevados de hidratação, bom equipamento, saúde física, com níveis elevados de capacidade aeróbica e resistência à fadiga, boa adaptação à altitude, capacidade de sofrimento e perseverança e, simultaneamente, manter o bom senso e saber desistir se a montanha assim o impuser. Uma boa equipa de apoio é obviamente um fator importante para o sucesso e alguma sorte também", considera o presidente da Federação Portuguesa de Montanhismo e Escalada.
Pode seguir Ema Dantas a escalar o monte Vinson aqui.