Em tempo de pandemia, portugueses conseguiram reciclar mais 13%
A discórdia em torno dos números da reciclagem é uma história sem fim. Se, por um lado, a Sociedade Ponto Verde (SPV), uma das principais entidades responsáveis pela recolha seletiva, afirma que o reaproveitamento de resíduos aumentou 13% em 2020, por outro, a associação ZERO diz que estes resultados não englobam a totalidade do lixo produzido no país. De acordo com a SPV, foram encaminhadas para reciclagem mais de 409 mil toneladas de embalagens, que permitiram evitar a emissão de 158 mil toneladas de CO2 para a atmosfera.
Os dados são particularmente animadores em período de pandemia, assinala Ana Isabel Trigo Morais. A CEO da SPV diz que "os portugueses continuaram comprometidos com a causa da reciclagem", embora alerte para a existência de "novos desafios a superar após mais um confinamento".
O ambientalista Rui Berkemeier mostra-se satisfeito pela manutenção dos hábitos na separação dos resíduos, que considera ser "previsível" tendo em conta que muito do lixo antes produzido nas empresas passou a estar na casa dos trabalhadores. Contactado pelo DN, o gabinete do ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, concorda que se verificou "uma deslocalização da produção de resíduos" para as habitações e sublinha a importância de sensibilizar a população para que mantenha este comportamento após o fim da crise sanitária.
Segundo os números disponíveis, registados no Sistema Integrado de Gestão de Resíduos de Embalagens (SIGRE), foram recolhidas 132 mil toneladas de papel e cartão, um aumento acima dos 39% face a 2019. A separação do plástico também subiu (7,6%), bem como dos recipientes de vidro (+1,3%). No final do ano, o Radar da Reciclagem dava conta de que nove em cada dez portugueses fazem reciclagem de embalagens e que consideram ser este um dos principais comportamentos que contribuem para a proteção ambiental. Entre a minoria que admite não separar o lixo em casa, a justificação mais utilizada é a ausência de ecopontos na zona de residência.
Para a ZERO, a má notícia é que estes resultados não têm em conta a totalidade dos resíduos produzidos no país, que, diz a associação, mostram que os valores da reciclagem continuam baixos. "As embalagens de plástico são cerca de 9,2% dos resíduos, o equivalente a 480 mil toneladas", começa por dizer Rui Berkemeier. Com base nestas contas e na plataforma SIGRE, o ambientalista defende que "a taxa de recolha foi, no máximo, de 14%, o que continua a ser um resultado muito baixo".
Berkemeier lamenta ainda que o estudo sobre a composição dos resíduos urbanos, a realizar pela Secretaria de Estado do Ambiente, não tenha sido divulgado para que fosse possível conhecer toda a informação disponível. Questionado sobre o ponto de situação deste levantamento, o gabinete do ministro do Ambiente explica que o estudo "já se encontra concluído", faltando incluir as avaliações e recomendações finais que ainda estão "em fase de apreciação".
No final de 2018, Portugal pediu à Comissão Europeia o prolongamento do prazo para o cumprimento das metas relativas à reciclagem que admitiu não conseguir cumprir dentro do prazo inicial, em 2020. O compromisso assumido pelos Estados membros dita que sejam reciclados pelo menos 55% dos resíduos até 2025, número que aumenta para 65% até 2030.
Segundo o Ministério do Ambiente, os números relativos a 2019 mostram que foram "declaradas às três entidades gestoras 768 408 toneladas, sendo a quantidade reciclada neste âmbito de 432 946 toneladas". Assim, a taxa de reciclagem global de embalagens para esse ano ficará fixada em 56%, mais do que o exigido pela comissão.
O governo garante que está a trabalhar em "diversos instrumentos que permitam a Portugal dar resposta às novas exigências da União Europeia", nomeadamente reduzindo a "descartabilidade excessiva" de materiais e da melhoria do sistema de recolha. Considera ainda necessária a "redução do consumo de embalagens de utilização única e o aumento das embalagens reutilizáveis" para que o país caminhe em direção à sustentabilidade.
Recorde-se que, em 2019, a Assembleia da República aprovou uma lei que proíbe ao setor da restauração a disponibilização de louça descartável, cuja entrada em vigor foi adiada para o final deste mês devido à pandemia, apesar das críticas dos ambientalistas. O decreto-lei surgiu no seguimento de uma diretiva europeia, que terá de ser transposta até ao final de julho.
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