Em nome do sagrado
Por certo como muitos outros espectadores da minha geração, descobri Jerzy Skolimowski através de Deep End (1970), coprodução anglo-germânica sobre um rapaz de 15 anos que arranja trabalho numa piscina pública, apaixonando-se loucamente por uma mulher, dez anos mais velha, que toma conta das instalações. O filme convoca os clichés românticos da "paixão adolescente" (o que, aliás, se refletiu no grosseiro e inadequado título português: Adolescente Perversa), mas funciona muito para além deles. Skolimowski consegue filmar a distância paradoxal, dir-se-ia carnal e metafísica, entre o imaginário do desejo e a imaginação trágica que preside à organização (ou desorganização) do dia-a-dia.
Em boa verdade, desde Deep End até ao genial 11 Minutos (2015), Skolimowski é um encenador de fábulas muito cruas sobre a revolta da realidade contra as ilusões que nela, ou a partir dela, construímos. Creio, por isso, que quando ele valoriza o facto de os filmes nos conseguirem "apanhar de surpresa", não se trata, de modo algum, de enaltecer qualquer ilusionismo simplista das narrativas. A surpresa não provém de outro tipo de clichés (a bomba que rebenta inesperadamente, o monstro que se esconde atrás da porta...), mas sim do modo como a realidade se enrola nas suas próprias aparências, confrontando-nos com a fragilidade dos nossos desejos e os limites do nosso conhecimento.
Será preciso relembrar que tal visão das coisas e dos seres humanos confere a Skolimowski uma radical dimensão de modernidade? Na idade das omnipresenças das mais pueris imagens televisivas, ele lembra-nos de que a realidade não aceita submeter-se a qualquer representação definitiva - habitamo-la como precários figurantes e, se o soubermos merecer, o cinema pode ser a nossa réstia de sagrado.