Em nome do pai. Este bem poderá ser o título de uma autobiografia assinada, daqui a uns anos, pela espanhola Alexia Putellas, jogadora do Barcelona que viveu um 2021 de sonho com a sua coroação como rainha do futebol feminino, depois de conquistar o prémio UEFA para melhor jogadora da Europa, a Bola de Ouro da revista France Football e o troféu The Best, que distingue o melhor do mundo para a FIFA..Foi de mão dada com o pai que entrou pela primeira vez no Camp Nou para assistir ao dérbi entre o Barcelona e o Espanyol. Ali terá nascido a paixão pelo futebol, que começou a ser concretizada aos seis anos quando começou a jogar no pátio do colégio com os rapazes, onde era sempre a primeira a ser escolhida quando se formavam as equipas. Não raras vezes chegava a casa com os joelhos feridos e foi então que o pai percebeu que tinha ali uma craque em potência e inscreveu-a no clube da terra, o Mollet..YouTubeyoutubeyB9_BpZLfQw.Não ficou ali muito tempo, pois era vítima de bullying por parte das outras crianças e os pais optaram por retirá-la. Tinha sete anos e acabou por ir para o Sabadell, integrando a equipa com jogadoras de 13 anos. "A tia de Alexia trouxe-a de moto para que a víssemos jogar e logo nessa altura percebi que era especial, diferente das outras. Percebia-se isso só pela forma como colocava a bola na cobrança de faltas", contou Merche Romero, a presidente do Sabadell, em declarações ao jornal La Nación..O apoio da família foi um trunfo para que o talento de Alexia Putellas não se perdesse. "Ela decidiu que queria jogar futebol. Eu e o pai dissemos "porque não?". Gostava que muitos pais fizessem o mesmo", disse a mãe Elisabet Segura à rádio Cadena SER, no dia em que Putelles recebeu a Bola de Ouro..Aos 12 anos, ingressou finalmente no Barcelona, mas o orgulho do pai Jaume Putellas foi interrompido porque as idades das equipas infantis mudaram e Alexia teve de abandonar o Camp Nou. Pediram-lhe para voltar quando fosse mais velha. A menina nascida a 4 de fevereiro de 1994, em Mollet del Vallès, na Catalunha, foi então para o rival Espanyol, onde na época 2010-11 fez a estreia na equipa principal, com apenas 16 anos. Duas épocas depois mudou-se para Valência para representar o Levante porque o pai, o seu maior admirador, estava internado num hospital daquela cidade devido a uma doença grave. Acabaria por morrer sem concretizar o sonho de ver a filha representar o seu Barcelona. Apesar deste duro golpe, Alexia enfrentou a tragédia "com muita força e refugiou-se no futebol", de acordo com o depoimento de Ruth Garcia, antiga companheira no Levante, ao jornal La Vanguardia: "Alexia focou-se no futebol, foi o seu escape.".O objetivo de representar o Barça tornou-se ainda mais forte até que um dia Xavi Llorens, então treinador do clube catalão, lhe lançou o desafio. "Fui a Mollet e reuni-me com ela no bar ao lado da sua casa. E ela perguntou-me: "Tens a certeza que me queres?" Era uma rapariga insegura", contou o técnico ao La Nación, recordando ao jornal Mundo Deportivo que "quando chegou ao Barcelona era uma Alexia muito triste devido à morte do pai, mas muito decidida a dar a volta". Foi o início de uma história de sucesso que a levou a tornar-se na melhor futebolista do mundo..A partir de 2012, o brilho de Alexia Putellas tornou-se cada vez intenso. "Via-se que ela era diferente. Umas destacavam-se pelo seu físico, outras pela qualidade técnica, mas ela era diferente", frisou Xavi Llorens, o seu primeiro treinador no Barcelona..No dia 29 de novembro de 2021, quando recebeu Bola de Ouro, Alexia mostrou ao mundo que o sentido da carreira era mesmo... o pai. "Vou tentar não me emocionar. Se me permitem, quero dedicar este momento a alguém que foi, é e sempre será muito especial para mim, por quem faço tudo. Espero que estejas orgulhoso da tua filha, onde quer que estejas. Isto é para ti, papá", disse a atacante no discurso que, segundo a mãe, "não foi preparado e foi espetacular"..Aos 27 anos, já ganhou tudo o que era possível com a camisola do Barcelona: uma Liga dos Campeões, duas Ligas espanholas, duas Taças da Rainha e uma Supertaça espanhola. Em nove épocas e meia ao serviço do clube do seu coração contabiliza 104 golos em 217 jogos, além de 56 partidas pela seleção (13 golos)..No entanto, quem a conhece garante que a esquerdina ainda tem muito para dar. "O que mais destaco nela é que é muito competitiva e quer sempre mais", diz Xavi Llorens, ciente de que Alexia atingiu o estatuto de dois dos seus maiores ídolos no futebol: Lionel Messi e Ronaldinho Gaúcho, estrelas que também chegaram ao topo do mundo..carlos.nogueira@dn.pt