As coisas mudam... Quando consultamos a biografia oficial de Christopher Lee (christopherleeweb.com), as primeiras linhas definem-no como "estrela da trilogia de O Senhor dos Anéis", de Peter Jackson, depois citando a sua participação em dois episódios de A Guerra das Estrelas, produzidos por George Lucas. Onde está, então, a memória das suas lendárias interpretações do Conde Drácula? Há apenas uma referência ao filme Dracula (1958), entre nós chamado O Horror de Drácula, sem que seja citado o nome fundamental do seu realizador, Terence Fisher, nem sequer o respetivo ano de produção. Mais ainda: na caracterização dos grandes papéis de Lee, a sua emblemática passagem pelas produções da Hammer Films é omitida e até mesmo a palavra "vampiro" nunca é utilizada... Há outra maneira de caracterizar esta opção. Envolve um fator lamentável: a redução da memória a matrizes do presente, rasurando as diferenças e contrastes do próprio devir histórico. No caso concreto de Christopher Lee, defini-lo a partir dos seus papéis nos filmes de Peter Jackson ou George Lucas é uma simplificação tão infeliz como seria, por exemplo, considerar que a importância histórica de Alfred Hitchcock provém do facto de ter revelado Shirley MacLaine (o que, aliás, não deixa de ser verdade: foi sob a sua direção que ela se estreou, em 1955, no filme O Terceiro Tiro). Há, aqui, um sintoma que, como é óbvio, excede o caso pontual de Christopher Lee. Dir-se-ia que os padrões correntes da aventura e do espetáculo se dão mal com a pluralidade de um século de história do cinema. Há mesmo toda uma nova "cinefilia" que menospreza o valor das memórias, desse modo renegando o próprio gosto cinéfilo. Enfim, estejamos atentos ao simplismo do presente e não abdiquemos da convivência com os vampiros.