O que faz um estudante de Lisboa, o distrito mais concorrido no ensino universitário, escolher outra região do país para estudar? Para o jovem Bruno Varandas nunca houve dúvidas: depois de concluído o ensino secundário, iria para a Universidade do Algarve, a cerca de 300 quilómetros de distância do local onde cresceu, Carcavelos. Também Catarina Melo, de Oeiras, sempre soube que a passagem para o ensino superior seria feita na ponta sul do país. Já José Dinis, natural de Lisboa, rumou a norte, mais propriamente até ao Minho, por lá ter encontrado o curso dos seus sonhos. Apesar de terem crescido no distrito onde a oferta do ensino superior é maior, a nível nacional, escolheram outras zonas e universidades do país. São a exceção à regra. De acordo com dados enviados ao DN pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES), apenas 5,6% dos alunos residentes na Área Metropolitana de Lisboa (AML) saem para estudar noutra região. .A maioria dos alunos - mais de 91 mil (94,3%) - que escolhem esta zona para estudar residem dentro da mesma. Os restantes chegam, em grande parte, das sub-regiões Oeste (5439), do Algarve (3349), de Lezíria do Tejo (3303) e do Médio Tejo (2687). A AML é o destino predileto dos estudantes, com mais de 124 mil, seguida pela Área Metropolitana do Porto (acima de 67 mil alunos) e Coimbra (cerca de 30 mil)..Deslocações no Ensino Superior Infogram.Os números explicam-se, em grande parte, pelos "indicadores demográficos que mostram que, nestas áreas (Porto e Lisboa), existe um enorme peso populacional", adianta o presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP). Fontainhas Fernandes lembra que "o número de vagas nas instituições de ensino superior, publico e privado, nestas áreas geográficas é superior" e, por isso, "logicamente" o número de estudantes será maior, quer ali residentes quer vindos de outras zonas..Mas apenas 575 dos que se deslocam para o Porto são de Lisboa.A maioria daqueles que se deslocam para a AM Porto chegam das zonas de Tâmega e Sousa, Ave, Cávado e Aveiro. No panorama nacional, são menos os estudantes deslocados (cerca de 40%) do que aqueles que decidem ficar na zona de residência (cerca de 60%)..Contudo, o panorama nacional não é o ideal. Segundo o dirigente do CRUP, "importa manter a trajetória dos últimos anos e conseguir maior equilíbrio territorial". "Com efeito, tem sido verificado um aumento de alunos nas instituições de ensino superior localizadas em regiões de menor densidade populacional", diz. Em parte, devido à decisão do governo em diminuir o número de vagas em Lisboa e no Porto, ao mesmo tempo que aumento em universidades do interior do país.."Na era da globalização e da digitalização, considero fundamental reforçar a mobilidade de jovens e sobretudo de estudantes do ensino superior, tanto a nível nacional como europeu. O pais deve estimular a mobilidade e contrariar qualquer análise contrária, independentemente da origem dos estudantes", remata Fontaínhas Fernandes..Da capital para o Algarve e Minho.Bruno, de 18 anos, integra a percentagem de estudantes que fazem o caminho inverso à maioria. Não estranha as estatísticas: "a maioria dos meus colegas ficaram em Lisboa", conta. Mas desde sempre que esteve nos seus planos fugir a esta regra. Não por acaso. Apesar de atualmente frequentar o curso de Ciências Biomédicas na Universidade do Algarve - região para a qual afluem 421 alunos oriundos da AML -, o que Bruno queria mesmo era Medicina, na mesma instituição. Um mínimo, mas importante, desfasamento entre a sua média e a do último colocado não permitiu que entrasse na sua primeira opção..Escolheria sempre o Algarve, "pelo curso em si, do qual tinha ótimas recomendações", mas também pela "facilidade que os alunos dizem em ir estudar para o estrangeiro, mais tarde". A norte ou a sul, o país parece ser muito pequeno para as suas ambições. "Talvez vá para o Canadá, por exemplo", idealiza..O caso de Catarina, que está no primeiro ano de licenciatura de Biologia Marinha da mesma instituição, é diferente. "Não tive muita opção", desabafa. Ainda a jovem de 18 anos, natural de Oeiras, começava a dar os primeiros passos e já sonhava trabalhar sobre o mar. "Desde os meus 7 anos que tinha como objetivo ir para Biologia Marinha e tomei esta decisão após ter feito um workshop com biólogas marinhas pelas praias de Troia. Foi essa atividade que me fez apaixonar completamente por esta área", recorda. Ir à praia é, para Catarina, uma oportunidade para explorar o que o oceano traz à terra e não para os tradicionais banhos de sol..Só na Universidade do Algarve é que a jovem universitária encontrava este curso em Portugal. E talvez a decisão de rumar a sul se prolongue até depois da vida académica. A verdade, diz, "é que o Algarve oferece mais oportunidades de empregos nesta área ou mesmo na área de investigação"..Na região do Algarve, entre o total de alunos, a maioria (51,8%) escolhe lá ficar para estudar e 48% decide sair. Também a sub-região do Cávado (que alberga cidades como Braga) é uma daquelas em que o número de estudantes residentes que ficam a estudar é maior, acima de 50% - ao lado de Terras de Trás-os-Montes, da região de Coimbra, da Área Metropolitana do Porto e de Lisboa. Foi precisamente nesta região que José Dinis escolheu estudar, na Universidade do Minho (UM)..Assim como Catarina e Bruno, não foi o facto de ser natural de Lisboa, onde a oferta de cursos é variada e, na grande maioria, prestigiada, que o fez ficar. José ingressou neste ano letivo no ensino superior, no curso de Psicologia, que escolheu na UM por ser "mais dado à investigação", percurso que quer seguir..Onde poucos estudantes escolhem ficar.Ainda que, em termos globais, o número de estudantes que fazem deslocação ser inferior à quantidade daqueles que ficam na sua área de residência, em 13 das 23 zonas (mais de metade), a tendência é inversa. Nestas, houve mais alunos a sair do que a entrar. Acontece em sub-regiões como o Alentejo Litoral, Algarve, Alto Alentejo, Alto Minho, Alto Tâmega, Ave, Baixo Alentejo, Lezíria do Tejo, Médio Tejo, Oeste, Região de Aveiro, de Leiria e Viseu Dão Lafões..Aliás, na zona oeste, Ave, Tâmega e Sousa, Alto Tâmega e Alentejo Litoral (onde o Instituto Politécnico de Setúbal leciona determinados cursos e, por isso, acolhe 77 alunos no total), mais de 90% dos universitários decide estudar fora..Mesmo na Área Metropolitana do Porto, apesar de haver mais alunos a chegar de outras regiões (67 395), há quase tantos a sair também (59 887)..Ainda assim, não há nenhuma zona onde as vagas não sejam ocupadas, na maioria, por estudantes ali residentes.