Os assistentes de realização são a mãe, o pai, a madrasta e a ama de um cineasta. Sem eles, por muito que haja talento e inspiração, um filme não acontece. São eles que fazem as coisas acontecer, que dizem silêncio antes da ação, que chegam primeiro ao plateau e que antecipam o problema que talvez já não aconteça. Maria João Matos Silva já anda no cinema há muito tempo. É filha de Fernando Matos Silva, realizador de filmes como O Rapaz do Trapézio Voador e Ao Sul, mas foi sempre com a sua raça de mulher líder de plateau que trilhou o seu caminho em filmes importantes como O Homem Que Matou D.Quixote (ainda por chegar a Portugal), de Terry Gilliam, ou Capitães de Abril, de Maria de Medeiros, filme que foi essencial para perceber a sua vocação de talento de retaguarda: "Gosto do que faço, gosto do cinema devido a esse filme da Maria, um dos primeiros que fiz. Senti que com esse filme quase que participei no 25 de Abril de 1974! Foi como se tivesse vivido e feito a revolução. Enfim, estar na rua sozinha, com militares, a organizar a coluna militar com tanques e chaimites foi interessante, marcou-me! Isso e preparar no Largo do Carmo cerca de 500 figurantes às três da manhã para começar a filmar às 12.00.".Aos 43 anos, lembra-se que ainda muito jovem seguia sempre as rodagens do seu pai, embora tenha tirado um curso de marketing e publicidade. O cinema venceu e há 22 anos que faz parte de inúmeras equipas de realização, quer de cinema (português e internacional) quer de televisão..Em 2016, quando o DN visitou as filmagens de A Mãe É Que Sabe, comédia simpática de Nuno Rocha, percebemos a maneira como organiza o set. Maria João tem qualquer coisa de socorrista. O realizador precisa de mais um take depois de os atores e técnicos estarem estafados, ela é que se torna a mediadora. E detetámos igualmente um espírito de disciplinadora. Um plateau sem liderança é como um clube de futebol na zona vermelha da classificação. Qualquer assistente de realização acaba por ser um elo de comunicação entre o realizador e os assistentes e esta mulher de armas não tem receio de poder fazer às vezes o cargo de vilã...."Não estou nessa profissão para aparecer. Quero é estar atrás das câmaras, participar do processo criativo. Motiva-me estar no processo de planificação de um filme, embora, curiosamente, em quase todos os filmes que fiz acabei por aparecer como figurante, sobretudo quando era preciso alguém. Entre outras coisas, já fui camponesa e criada do século xix", conta. A sua invisibilidade tem qualquer coisa de Hitchcock..Para além disso, Maria João lembra que alguém que trabalhe no cinema como ela tem tudo menos monotonia. O seu segredo? Sorrir sempre que possível no meio de um stress que tem de ser essencialmente profissional. E será que não se limita a executar? "Não, também dou o meu input criativo, colaboro com opiniões", responde de rajada..Como muitos assistentes de realização, não nos conta se um dia vai querer realizar. O seu desejo é ajudar na feitura de um filme bem à Hollywood, com muitas explosões e uma escala de produção enorme: "Estou sempre à procura de um desafio.".Este rapaz chamado Rapaz trabalha pela calada mas dá muito a cada filme. É já famoso no meio e quase um especialista para filmes de terror, sobretudo porque é craque na caracterização, efeitos especiais, cenografia, adereços e animação stop motion. Um curso de Design Industrial e uma vocação nata puseram-no expert destas artes transformativas, a par de um curso de stop motion nas Belas Artes. Neste ano, o primeiro filme gore (terror com muito sangue e decapitações) português vai estrear-se e tem a sua marca. Chama-se Mutant Blast e é realizado por Fernando Alle, uma fábula sobre Lisboa em tempos de ressaca nuclear e com uma legião de zombies e animais mutantes a assombrar os humanos..O cinema é a sua praia natural mas a sua perícia para inventar explosões de sangue e feridas nojentas na cara dos atores também já foi usada para publicidade e eventos de empresas. O seu método é simples: "Geralmente sou contactado por um realizador e um produtor que me explicam a ideia que têm e pedem-me soluções para a tornar realidade. Eu respondo com uma lista de perguntas técnicas. Trocamos imagens de referência, desenhos, estudos e acabamos por fazer magia juntos. O meu background de design industrial e curiosidade natural ajudam-me a conhecer materiais e técnicas que se tornam soluções práticas para algo que poderia parecer impossível de materializar.".Rapaz é alguém que tem orgulho do novo cinema que se faz em Portugal. Há uns anos, com a falta de variedade de géneros, certamente não teria trabalho. "Apostei em estar aqui em Portugal porque o nosso imaginário é único e porque me identifico muito com ele. Se no início fiquei conotado com filmes de terror e gore, talvez pela minha ligação ao festival de terror de Lisboa, o MOTELx, também já fiz muito fantástico, muita ficção e imensos desenhos animados e animações stop motion, coisa que me emociona sempre e fascina e da qual não me quero afastar..A magia, a beleza e o fantástico é o que me deslumbra, conta. O seu sonho? É também simples e não passa por realizar: "Gostava muito de um dia ficar conhecido por ter trabalhado no filme que deslumbrasse as pessoas. Que as marcasse e que as fizesse querer ser melhores."..Estar atrás da construção de um filme é estar literalmente a montá-lo. Ricardo Gouveia, aos 30 anos, está ainda a começar mas já percebeu que a sua vocação de montador/editor (montador é mais cinematográfico...) é um desígnio natural, sobretudo neste ano em que vai ver a primeira longa que montou no grande ecrã, o filme de boxe Gabriel, de Nuno Bernardo, já com estreia marcada para dia 21 do próximo mês.."Sinto-me bem na função como editor e de estar de retaguarda, pois é algo que desempenho com todo o gosto e dedicação. Sinto também que tenho alguma autoria em relação ao objeto, sobretudo em relação a Gabriel, pois o realizador Nuno Bernardo dá-me a liberdade criativa em cada projeto que realizamos", diz-nos com um sotaque ainda levemente lá da terra. A terra é a ilha da Madeira, que deixou cedo para vir tirar na Universidade de Évora um curso de Multimédia, embora tenha sido um mestrado de Novos Media e Práticas Web, na Nova de Lisboa, que o fez ficar mais perto da arte que ama, a sétima..O trabalho de Ricardo é feito durante a rodagem, onde costuma, depois de um dia de filmagem, alinhar as imagens e, depois, durante toda a pós-produção, encaixar todas as peças do filme até ao resultado final. São muitas horas no computador num método em que todos os timings são pensados e discutidos e em que o peso de um micro- frame pode ser essencial. O sorriso no seu rosto atesta o orgulho que tem em Gabriel, obra que acompanhou desde a génese: "No início do projeto houve uma grande pesquisa. Acabei ainda por ir revendo técnicas de edição de corte, principalmente de cenas de luta de boxe. Revi cenas dos míticos filmes de boxe como Rocky, Creed, entre outros. Fomos também filmar um combate a sério, tudo isto para haver uma preparação e edificarmos planos e técnicas que nos poderiam auxiliar tanto na montagem como na realização." Um montador em sintonia com o realizador é hoje cada vez mais fundamental para criar uma linguagem de autor, que o diga Martin Scorsese, que nunca larga a mesma montadora, a veterana Thelma Shoonmaker, vencedora recente do prémio de carreira nos BAFTA, prémio da Academia britânica..Montadores que passaram para a direção de um filme não é bem propriamente uma norma em Hollywood, mas por cá muitos deles vão tentando a sua sorte na realização de documentários. No caso de Ricardo, a realização é algo que não está nos planos a curto prazo: "A minha aproximação ao cinema foi gradual. Cada projeto foi um desafio diferente e não há um projeto igual nem uma fórmula única de montar o que é filmado. Isso é que me fascina neste mundo. Adoro aquilo que faço, espero que surjam outros desafios para continuar a contribuir para a sétima arte. Poderia pensar em ser realizador um dia, mais tarde... Quem sabe? Mas neste momento estou a fazer aquilo que sempre sonhei e em que sinto que consigo dar o melhor de mim."Em Gabriel, pegou também numa câmara e foi o operador do making-of do filme, coisa que talvez o tenha ajudado em pensa melhor o corte final deste drama que fala também do racismo em Portugal, neste caso no bairro dos Olivais, em Lisboa.