Com sentido de humor, dizem os namibianos da oposição que a corrupção é tão elevada que até a chuva é desviada. Choveu por fim em Windhoek, a capital do país semidesértico, uma boa notícia para todos e um sinal de ventos de mudança para quem está descontente com a atual situação..Uma economia débil, uma sociedade cada vez mais desigual e o maior escândalo de corrupção da história da Namíbia têm enfraquecido a popularidade do presidente Hage Geingob entre os 1,3 milhões de eleitores recenseados e que são chamados nesta quarta-feira às urnas. Para agravar a situação, o país vive uma das piores secas de que há memória..Independente da África do Sul desde 21 de março de 1990, a Namíbia é um país que desde as suas primeiras eleições em soberania, em 1994, tem dado ao partido do movimento de libertação (SWAPO) maiorias absolutas, quer para o cargo de presidente quer para a composição do Parlamento - o escrutínio para a escolha dos 96 deputados realiza-se ao mesmo tempo. Nas últimas presidenciais, Geingob recolheu 86,7% dos votos entre os nove candidatos..Concorrência inédita.Mas há vários indicadores de que esse tempo está a chegar ao fim. Sendo certo que o número de candidatos se repete, o país que faz fronteira com Angola a norte atravessa uma crise económica, um escândalo político e uma emergência social. E o presidente e candidato a segundo mandato tem agora dois adversários como nunca qualquer candidato da SWAPO enfrentou..Ao fim de cinco anos de mandato, Geingob lidera um país a lutar para sair da recessão; a dívida pública mais do que duplicou (de 23% para 49% do PIB); os níveis de desemprego são enormes, em especial entre os mais novos (46%); e segundo os últimos dados, ainda de 2015, é o segundo país do mundo com maiores desigualdades, a seguir à África do Sul..É certo que durante este período o país enfrentou duas secas, a primeira em 2016 e 2017, e a segunda durante este ano. Em maio, o presidente declarou estado de emergência devido à falta de água. Em setembro contabilizaram-se 700 mil pessoas - numa população de 2,5 milhões - a necessitar de ajuda alimentar em resultado da seca..Geingob, de 78 anos, e a Organização do Povo do Sudoeste Africano (SWAPO) viram eclodir um escândalo de corrupção no governo a poucos dias das eleições. A maior empresa de pesca da Islândia, Samherji, é suspeita de ter subornado os ministros Sackeus Shanghala (Justiça) e Bernhard Esau (Pescas e Recursos Marinhos) em troca de atribuição de quotas pesqueiras. Depois de a imprensa revelar o escândalo, ambos demitiram-se, mas o presidente enalteceu o "patriotismo e a sua contribuição para o trabalho do governo"..O dentista "independente".Panduleni Itula, médico dentista que viveu no Reino Unido, é o candidato que estará a aproveitar mais o enfado dos eleitores.."Pássaros com as mesmas penas juntam-se no mesmo ramo de árvore contaminando a nossa economia com os seus dejetos de corrupção enquanto o povo passa fome. Enquanto os nossos filhos não têm emprego, nem casas nem saneamento adequado. A Namíbia é tudo o que temos. Nós devemos salvá-la", escreveu Itula a propósito do caso de corrupção, que nas últimas horas teve desenvolvimentos, com a detenção dos dois ex-ministros..A concorrer sem máquina partidária, Itula, de 62 anos, não se desvincula da SWAPO, uma ambiguidade que lhe pode garantir mais facilmente o voto do eleitor tradicional daquele partido. Além da luta contra a corrupção e da entrega dos recursos naturais aos estrangeiros - os chineses exploram as minas de urânio, por exemplo - e nova política de redistribuição de terras, o candidato distinguiu-se pela forma como fez campanha..Onde quer que chegasse, a caravana automóvel estacionava à entrada das povoações. Depois, Panduleni Itula, de fato e gravata, liderava a caminhada pelas ruas principais, acompanhado da equipa e de música..Segundo os resultados do voto antecipado, Itula parte empatado com Geingob. E se o voto étnico tiver alguma expressão, também pode beneficiar, uma vez que pertence à etnia ovambo, com maior expressão no norte do país. Já o presidente é da minoria damara..Itula também fez campanha contra a utilização de máquinas de voto eletrónico, tendo intentado uma ação em tribunal, mas não teve sucesso. O juiz Uaatjo Uanivi decidiu que o tribunal não tem jurisdição para proibir que a comissão eleitoral autorize as máquinas eletrónicas. Itula alega, como outros candidatos da oposição, que as urnas eletrónicas podem ser usadas para manipular os resultados..McHenry Venaani, líder do Movimento Democrático Popular (PDM), o maior partido da oposição, exprimiu a sua frustração com a decisão do juiz: "As máquinas de votação eletrónica na sua forma atual não garantem a questão da transparência do voto e eu pensei que o tribunal iria empenhar-se mais em enfrentar a questão.".O uso de máquinas de votação tem sido controverso e não só em África. As máquinas de votação da Namíbia foram fornecidas pela empresa pública indiana Bharat Electronics. A sua utilização nas eleições indianas também tem sido alvo de controvérsia..A ativista herero.Além do candidato dentista, as eleições são também marcadas pela candidatura da primeira mulher. Esther Muinjangue, da minoria herero, ascendeu à liderança da Organização Democrática de Unidade Nacional (NUDO) em março. É uma ativista que preside à Ovaherero Genocide Foundation, organização que tem pressionado a Alemanha a indemnizar os descendentes das tribos herero e nama, vítimas de "ordem de extermínio" no início do século XX. Calcula-se que uns 70 mil tenham sido mortos quando a Alemanha colonizou o que então era conhecido como Sudoeste Africano Alemão..Muinjangue, cujo avô nasceu de uma relação entre um soldado alemão e uma herero, defende que Berlim deve olhar para o que fez na Namíbia da mesma forma como o Holocausto. E critica a SWAPO por não ser firme nas negociações com o governo alemão. .Mas não foi por isso que concorreu à presidência. Vestida com os trajes tradicionais herero, ou de t-shirt e boné, Esther Muinjangue, de 57 anos, fez campanha com o objetivo de acabar com a maioria de dois terços da SWAPO na assembleia..Os objetivos do seu partido passam pelo combate à corrupção, a reforma das instituições e o investimento na saúde e na educação.."A Namíbia era como um copo cheio de água", comparou. "O primeiro presidente bebeu metade, o segundo bebeu ainda mais. Por isso, quando Hage [Geingob] assumiu o poder, já estávamos na confusão em que estamos hoje.".Sobre o facto de ser a primeira mulher líder, afirma, em entrevista à AFP: "Acredito que estou a abrir a porta para as mulheres. Vejo-me como um exemplo a seguir, sou uma inspiração para as jovens que agora começam a ver-se com o potencial para ocupar os lugares legítimos na comunidade."