"Ele serviu o seu país." Foi esse o epitáfio que John McCain, herói da Guerra do Vietname, senador republicano durante mais de 30 anos, ex-candidato presidencial e um dos principais críticos de Donald Trump, disse querer que fosse colocado no seu túmulo, numa entrevista em 2015. McCain morreu neste sábado, aos 81 anos, em casa e rodeado pela família, depois de mais de um ano de luta contra um tumor agressivo no cérebro..Noutra entrevista, já depois de ter sido diagnosticado o cancro, quando lhe perguntaram como gostaria de ser lembrado, reiterou a mesma ideia: "Ele serviu o seu país e nem sempre de forma correta. Fez muitos erros. Cometeu muitos erros, mas serviu o seu país. E espero que possamos acrescentar honradamente", afirmou McCain..As bandeiras foram colocadas a meia haste em Washington para assinalar a morte do senador do Arizona, cujo corpo será velado na rotunda do Capitólio, em Washington, uma honra reservada a poucos. Haverá depois uma missa na Catedral Nacional, tendo os ex-presidentes George W. Bush e Barack Obama sido convidados a fazer o elogio fúnebre. A pedido de McCain, o presidente dos EUA não estará presente, sendo a administração representada pelo vice-presidente, Mike Pence.."Ele mostrou-nos que o patriotismo ilimitado e o autossacrifício não são conceitos desatualizados ou clichés, mas as bases de uma vida extraordinária", disse o líder da maioria no Senado, Mitch McConnell, um dos muitos que já prestaram a sua homenagem..Prisioneiro de guerra.Filho e neto de almirantes de quatro estrelas, John Sidney McCain III nasceu na base naval de Coco Solo, no canal do Panamá, então controlado pelos EUA, a 29 de agosto de 1936. Na hora de escolher uma carreira, seguiu os passos da família e entrou para a Academia Naval. Aí, a sua veia de maverick, de rebelde - que marcaria também a sua vida -, veio ao de cima, criticando as regras e acabando o curso como um dos piores da turma..Piloto naval, McCain tinha 31 anos quando o seu avião foi abatido durante uma missão de combate no Vietname, em 1967. Passaria cinco anos e meio como prisioneiro de guerra, dois deles em solitária. Quando os captores lhe ofereceram a liberdade, numa manobra de propaganda (o pai assumiu o controlo de toda a frota do Pacífico), ele rejeitou, tendo sido alvo de tortura, que deixou marcas para sempre. Regressaria aos EUA em 1973, de muletas, tendo ficado para o resto da vida incapaz de levantar os braços acima da cabeça..Pela sua história, não é por isso de estranhar que tenha sido um forte crítico do uso de técnicas de interrogatório como o waterboarding (simulação de afogamento) contra suspeitos de terrorismo. Em novembro de 2016, respondendo à posição do presidente eleito Donald Trump, reagiu: "Não quero saber o que o presidente dos EUA quer fazer ou o que os outros querem fazer. Não vamos usar o waterboard. Não vamos torturar pessoas. Não funciona, meus amigos. Não funciona.".McCain por duas vezes tentou, sem sucesso, entrar na Casa Branca. Em 2000, nas primárias republicanas, ainda teve uma importante vitória no início de fevereiro em New Hampshire, frente a George W. Bush, mas acabaria por não ter uma boa Super Terça-feira (quando muitos estados vão a jogo), saindo da corrida a 9 de março..O cenário foi diferente oito anos depois, com o senador do Arizona a conquistar a nomeação republicana, perdendo contudo as eleições para o democrata Barack Obama (53% contra 46%). Nessas eleições, McCain foi muito criticado por ter escolhido a radical Sarah Palin como sua companheira de ticket. No fundo, dizem os seus críticos, foi o abrir de portas a uma fação do partido - o Tea Party - que levaria mais tarde a que um candidato como Trump fosse legitimado..Carreira no Senado.A sua carreira política continuaria no Senado, para onde tinha entrado em 1987, depois de dois mandatos na Câmara dos Representantes, sempre eleito pelo Arizona. Para trás ficara a carreira militar, na Marinha, para onde tinha regressado após o regresso do Vietname (tendo chegado a ser o agente de ligação no Senado) e que deixou em 1981. Seria eleito senador num total de seis vezes (era visto como alguém que não tinha problemas em sentar-se com os adversários se houvesse a possibilidade de chegar a um compromisso) e ainda desempenhava esse cargo na hora da morte..A sua anterior carreira militar levou-o à liderança da Comissão das Forças Armadas no Senado, tendo um dia dito que queria ser lembrado como tendo dado "um grande contributo para a defesa da nação". Entre as medalhas militares que conquistou há, entre outras, duas Estrelas de Bronze e duas Purple Heart (destinadas a mortos ou feridos em combate). Já neste mês, Trump assinou a nova lei da defesa batizada em homenagem ao senador sem uma só referência a McCain..Um dos seus momentos mais marcantes no Senado foi em julho de 2017, quando, com as marcas no rosto ainda recentes da operação após ter sido diagnosticado com um cancro no cérebro (glioblastoma), teve o voto decisivo que travou os esforços do presidente Donald Trump de revogar a reforma da saúde de Obama. Já passava da uma da manhã quando McCain entrou no Senado, se aproximou da mesa de votação, levantou o braço direito e, após uma pausa que só aumentou o efeito dramático do gesto, inclinou o polegar para baixo. McCain tinha sido contra o Obamacare, mas não gostou que Trump tentasse revogar a lei sem um debate à antiga..Críticas a Trump.Os últimos anos ficaram marcados pelas críticas a Trump, cuja candidatura chegou a apoiar até terem sido revelados os áudios em que dizia que podia agarrar e beijar qualquer mulher. Mas o presidente também não poupava os ataques ao senador republicano. "Ele foi um herói de guerra porque foi capturado. Eu gosto de pessoas que não foram capturadas", chegou a dizer Trump. Após a morte do senador, enviou as condolências à família através do Twitter..McCain, mesmo longe de Washington no último ano (passou a maior tempo no Arizona, onde efetuava o tratamento), não deixava de atacar Trump, considerando, por exemplo, que a cimeira deste com Vladimir Putin, em Helsínquia, tinha sido "uma das performances mais vergonhosas de um presidente americano de que há memória"..Na véspera da sua morte, a família anunciava que tinha decidido acabar com o tratamento. McCain era casado com Cindy, a sua segunda mulher, desde 1980. Tinha sete filhos, três deles do primeiro casamento com Carol, e cinco netos. Deixa também a sua mãe, Roberta McCain, de 106 anos..Meghan McCain, uma das filhas, emitiu um comunicado a anunciar a morte do pai. "O meu pai partiu, e sinto a sua falta como só uma filha adorada pode sentir", escreveu. "Ele era um grande fogo que ardia brilhante, e vivemos na sua luz e calor durante muito tempo. Sabemos que a sua chama continua, em cada um de nós. Os dias e anos que se seguem não vão ser os mesmos sem o meu pai - mas vão ser bons dias, cheios de vida e amor, por causa do exemplo que ele viveu para nós."